Opinião

Lei 14.046 continua protegendo empresas do setor de intercâmbio

Autor

  • Theonio Freitas

    é advogado em Salvador (BA) especializado em Direito Médico pela UCSAL e em Direito Processual Civil pela Unifacs e sócio do Pires Pinheiro Freitas - PPF Advocacia.

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2 de março de 2022, 14h32

Em 8 de abril de 2020, foi editada a Medida Provisória nº 948 de 2020, disciplinando o cancelamento de serviços, reservas e eventos nos setores de turismo e cultura em razão da então recente pandemia da Covid-19.

A medida provisória foi convertida na Lei 14.046, de 2020, que já sofreu novas alterações, inicialmente com a Lei 14.186, de 2021, e, mais recentemente, com a Medida Provisória nº 1.101, de 2022.

O histórico dessas normas é explicado pelo caráter inesperado da pandemia desde sua eclosão, no início de 2020, aliado às incertezas sobre o comportamento do vírus e estatísticas de contágios e internações e as medidas restritivas.

O fato é que a Lei 14.046 segue protegendo o setor de turismo e cultura, permitindo que o reembolso pelo cancelamento seja convertido em remarcação ou crédito para uso ou compra de outros serviços. Apenas se frustradas essas tentativas o fornecedor será compelido a restituir os valores pagos, porém com prazos mais dilatados (dezembro de 2022, para cancelamentos realizados até 31 de dezembro de 2021, e dezembro de 2023, para cancelamentos realizados no ano de 2022).

A norma legal não só foi essencial para evitar colapso ainda maior no setor, como dá segurança para que as empresas do setor sigam seus projetos de reestruturação e tenham maior segurança na comercialização de novos serviços.

Nesse sentido, é certo que a referida lei também deve alcançar as empresas que atuam no setor de intercâmbio, ainda que essa atividade não se confunda com serviços de turismo propriamente dito.

De fato, para além da terminologia utilizada pela lei, é incontroverso que o escopo dos serviços prestados pelas empresas de intercâmbio consiste em múltiplas atividades, alcançando objetivos também culturais e turísticos, tais como o aprendizado de novas culturas, idiomas, localidades e pontos turísticos situados em outros países e territórios.

Assim, ao lado das demais empresas que atuam prestando serviços estritamente turísticos ou culturais, a pandemia inviabilizou grande parte das operações comerciais das empresas de intercâmbio, interferindo na forma de execução dos contratos vigentes e impactando profundamente o auferimento de receita, sendo certo que tal situação constitui suporte fático que se amolda às hipóteses previstas no artigo 1º da Lei nº 14.046/20.

Em demanda que tratava deste tema, o 3º Juizado Especial Cível de Brasília reconheceu a incidência das regras previstas na Lei 14.046/20 para empresas de intercâmbio, confirmando, ainda, a impossibilidade de reembolso dos valores adimplidos pelos serviços de intercâmbio contratados em face da disponibilização de crédito ou oferta de remarcação da viagem:

"No caso, o documento de Id. 68912079  Pág. 1 demonstra que a requerida ofertou a remarcação dos serviços em até um ano após o término da pandemia, medida mais benéfica do que a prevista em lei. Dessa forma, ofertada a remarcação dos serviços, não faz jus a consumidora à restituição da quantia integral, sem o pagamento das multas contratuais, o que torna improcedente o pedido inicial. Por fim, o artigo 5º da citada lei veda expressamente a reparação por danos morais no caso dos autos, restando improcedente o pedido. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS iniciais e declaro extinto o processo, com resolução do mérito, o que faço com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil" (Processo nº 0729174-95.2020.8.07.0016, sentença proferida em 7 de junho de 2021).

Vale ressaltar que a Lei 14.046 consiste em norma específica e editada para o cenário de pandemia, não podendo ser afastada pelo Código de Defesa do Consumidor, que é anterior e de maior amplitude.

Destaca-se, por fim, que é de suma importância que a empresa comprove documentalmente que apresentou ao consumidor a possibilidade de remarcação ou disponibilização do crédito, bem como que o cancelamento tenha ocorrido por circunstâncias relacionadas à pandemia da Covid-19.

Por fim, espera-se que enquanto a pandemia continue afetando o agendamento de viagens e a plena operação de empresas de intercâmbio, os prazos previstos na Lei 14.046 possam seguir sendo prorrogados.

Autores

  • é advogado em Salvador (BA), especializado em Direito Médico pela UCSAL e em Direito Processual Civil pela Unifacs e sócio do Pires Pinheiro Freitas - PPF Advocacia.

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