Opinião

Inovação antitruste e compliance concorrencial

Autor

  • Natasha Siqueira Mendes de Nóvoa

    é graduanda em Direito na Universidade Federal do Pará (UFPA) estagiária na Mudrovitsch Advogados bolsista de iniciação científica em Direito do Consumidor Digital membro do grupo de pesquisa Consumo e Cidadania (CNPq) e pincadista no 41° Programa de Intercâmbio do Cade.

28 de maio de 2022, 7h05

No Brasil, o Direito da Concorrência somente se consolida como uma matéria relevante a partir do final do século 20, especialmente após a Constituição Federal de 1988. Antes disso, não havia um fortalecimento constitucional estabelecido. Muito embora o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tenha sido criado em 1962, foi somente após a Lei 8.884/94 que o órgão passou a ser uma autarquia com autonomia administrativa e orçamento próprio.

Dentre os principais fatores que limitavam a atuação do direito antitruste no Brasil, ressalta-se a política de Estado protecionista e autoritária durante o regime militar (1964-1985), a qual dispunha de órgãos responsáveis pelo controle de preços na economia [1], bem como de incentivos à formação de grandes grupos econômicos. A atividade econômica, então, era rigidamente controlada pelo governo, e foi somente após o inicio da década de 90 que o debate acerca da abertura da economia e do mercado como instrumentos de enfrentamento a processos inflacionários começou a se destacar de fato, pulverizando a importância de um direito da concorrência sólido no Estado brasileiro.

Assim, como um marco importante no antitruste brasileiro, pode-se ressaltar a lei 8.884/94, bem como a Lei 10.149/2000, que foram imprescindíveis na institucionalização do direito da concorrência. No entanto, com o passar dos anos, foram se observando algumas lacunas e contradições, especialmente nas restrições da discussão antitruste a uma parte isolada da sociedade, de modo que a população estava distante de qualquer decisão ou entendimento sobre o tema. Aliado a isso, alguns dispositivos legislativos não dialogavam mais com a tendência das autoridades internacionais, a exemplo do modelo de notificação posteriori ao Cade acerca da análise de um ato de concentração, ou até mesmo a estrutura organizacional da autarquia e do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), que careciam de uma divisão de função mais clara e operacional.

Desse modo, em 2011, foi promulgada a Nova Lei Antitruste (Lei n° 12.529/11), responsável pela reestruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), que passou a ser composto somente pelo Cade e pela Seae, bem como estabeleceu novos padrões institucionais e objetivos jurídicos ao Cade, a exemplo do seu alcance e das suas funções, a partir da adoção de ferramentas, até então, inovadoras. Assim, dentre as principais mudanças no SBDC, destacaram-se as alterações organizacionais, como a restrição do papel da Seae, e o papel mais ativo do Cade, o qual assumiu, de forma significativa, a função preventiva, repressiva e pedagógica.

No que se refere às três funções citadas, é imprescindível considerar que, conforme houve o fortalecimento normativo do direito antitruste no Brasil, surgem também novos desafios que exigem novos instrumentos anticompetitivos, seja como forma complementar a regulação ora vigente, seja como enforcement no cumprimento da norma, que foi muito bem introduzido pela Lei n° 12.529/11, a qual trouxe um arcabouço prático e teórico capaz de expandir as políticas antitrustes, contextualizando-a no cenário internacional.

Nesse sentido, uma das tendências da agenda antitruste se acentuou nos programas de compliance concorrencial [2] como um meio alternativo e inovador de minimizar os riscos de cometimento de ilícitos antitrustes, seja por meio da educação antitruste, seja pelo fomento da adoção de procedimentos empresariais de prevenção e detecção de condutas anticompetitivas. Por compliance concorrencial, tem-se — de forma abrangente- um programa de planejamento com foco na adoção de medidas preventivas ou minimizadoras dos possíveis riscos de violação das normas de defesa antitruste, ou seja, significa orientar uma empresa ou grupo econômico para estar em conformidade com a legislação concorrencial vigente.

O compliance concorrencial, portanto, precisa ter a habilidade de pensar meios para minimizar o risco de cometimento de ilícitos antitruste, mas, não somente isso, também precisa ter a missão educativa de fomentar a pesquisa e promover uma abordagem comunicativa entre a empresa e a autoridade antitruste, uma vez que a tendência do Cade, por exemplo, tem sido a busca de incentivar programas de compliance para demonstrar quais tipos de comportamentos são admitidos e quais requisitos devem ser observados, a exemplo dos Termos de Compromisso de Cessação de Conduta (TCCs).

Assim, é imprescindível destacar a Portaria nº 14, de 2004, elaborada pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, uma vez que foi um dos primeiros dispositivos a estabelecer diretrizes gerais para a elaboração de Programas de Prevenção de Infrações (PPI) à ordem econômica, que foram exigidas pelo Cade como pré-requisitos tanto para a investigação de cartel, como nos TCCs. Ademais, a resolução nº 45/2007 é considerada um marco na introdução do compliance no SBDC, tendo em vista que o artigo 129 autorizou, expressamente, a de adoção de um Programa de Prevenção de Infrações à Ordem Econômica, ocasionando um impacto significativo na celebração de TCCs, uma vez que, considerando as jurisprudências recentes do Cade, observa-se a constância da utilização do compliance na celebração desses termos.

Desse modo, considerando essa tendência nas decisões do Cade, juntamente com as possibilidades institucionais introduzidas pela Lei de Defesa da Concorrência vigente, tem-se que o compliance concorrencial tem sido uma forma positiva de interpretar e auxiliar o enforcement da aplicação normativa do Cade, seja na celebração de TCCs, seja na prevenção de cartéis. Portanto, ainda que tal programa não esteja expressamente positivado na Lei 12.529/11, ele tem se mostrado um método positivo como um complemento para a garantia de um ambiente concorrencial mais saudável e educativo. A partir de uma breve retrospectiva histórica do cenário concorrencial brasileiro, é possível concluir que o direito da concorrência exige uma dialética com a inovação, a tecnologia e as tendências globais, de modo que o compliance concorrencial, indubitavelmente, já se mostra uma alternativa possível.


[1] Governo Federal. Guia para Programas de Compliance. Conselho Administrativo de Defesa Econômica, 2016. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf

[2] Governo federal. Ministério da Justiça. Portaria nº 14, de 09 de março de 2004. Disponível em: https://www.conjur.com.brhttps://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/portaria-14-2004-sde.pdf

Autores

  • é graduanda em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA), bolsista de iniciação cientifica (CNPq) em Direito do Consumidor, membro do grupo Consumo e Cidadania (CNPq) e intercambista no 41° Programa de Intercâmbio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

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