Opinião

Nova Rota da Seda: iniciativa da China para investimentos na América Latina

Autor

  • Thiago Ferreira Almeida

    é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige) doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG pesquisador associado no Centro de Excelência Jean Monnet (Erasmus+ & UFMG) professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin).

27 de maio de 2022, 14h08

Conhecida pelo nome inglês de Belt and Road Initiative (BRI), em substituição do antigo termo One Belt One Road (Obor), consiste na nova Rota da Seda da China, que representa um conjunto diversificado de investimentos em infraestrutura, transporte terrestre e marítimo, em energia (oleodutos) e em demais setores de logística, conectando as regiões da Ásia, África e Europa. Além disso, a iniciativa envolve projetos na América Latina, em virtude da China ser o principal parceiro comercial da maioria dos países na região, inclusive do Brasil desde 2009.

O programa de investimentos chineses decorre da histórica Rota da Seda, que ligava a Europa e a Ásia, por meio de caminhos na Ásia Central e Oriente Médio durante a Idade Média. A rota ficou conhecida pelas descrições do veneziano Marco Polo e por obras literárias posteriores, como a obra Le Città Invisibili de Ítalo Calvino.

O BRI foi proposto em 2013 pelo presidente chinês Xi Jinping, estabelecendo nos anos posteriores as principais linhas de atuação com o objetivo de implementar projetos de infraestrutura nas regiões de interesse no exterior do território da China.

No total, existem 146 países que formalmente estabeleceram alguma forma de cooperação com a China referente ao BRI [1]. Lado outro, em virtude do Brasil já assumir a posição de principal destino dos investimentos chineses na América Latina [2], especialistas   em Direito Internacional, como o professor Fábio Morosini, entendem que inexiste a necessidade de formalização de eventual parceria, uma vez que o ato não alteraria o atual fluxo de investimentos [3].

A participação da região da América Latina no BRI foi oficializada pela China em 2017, indicando se tratar de uma extensão natural da rota marítima do BRI, tendo sido o Panamá o primeiro país latino-americano a celebrar acordo com a China [4].

Apesar da China se configurar como um dos principais parceiros para investimento no Brasil, a União ainda não estabeleceu formalmente uma parceria de cooperação com a China relacionada à BRI. Na América Latina, 20 países são parceiros na China em relação a esta iniciativa, tendo a Argentina celebrado acordo no presente ano de 2022 [5].

Em especial com a Argentina, a China observa a alternativa em adquirir bens agrícolas, bem como se aproximar das possibilidades de extração de lítio no território argentino, a compor baterias elétricas, marcado pela forte presença dessas empresas chinas no mundo. Pelo lado argentino, a aproximação com a China pode significar maiores investimentos em infraestrutra e em recursos financeiros, vide a sua atual situação de renegociação de dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), no valor de USD 44 bilhões [6].

O valor originário contratado durante o governo Macri em 2018 foi de USD 57 bilhões [7]. Contudo, o pacote foi condicionado ao compromisso do Estado em realizar reformas estruturais na economia e na sociedade, como o controle da inflação e a redução do déficit fiscal. Observa-se que a decisão pela concessão do pacote financeiro valeu-se inclusive de questões políticas, ao conferir um aceno do Fundo para o governo de caráter liberal (ou neoliberal), com o intuito de assegurar uma credibilidade do mercado, restando alheia a discussão sobre medidas a promover benefícios à sociedade argentina. O relatório de avaliação pós-concessão, do próprio FMI, reconhece que o pacote não promoveu os objetivos esperados [8].

Quanto à importância da China na América Latina, em 2000, o mercado chinês representava menos de 2% das exportações latino-americanas. Em 2010, esse percentual subiu para 31%, correspondendo a USD 180 bilhões. Os valores totais de comércio somam USD 450 bilhões, podendo a ultrapassar USD 700 bilhões em 2035. No que se refere a investimentos estrangeiros diretos (Foreign Direct Investments — FDIs), o capital chinês na região latino-americana correspondeu a USD 17 bilhões em 2020. Bancos estatais chineses, tais como o Banco de Desenvolvimento da China (China Development Bank — CDB) e o Banco da China para Exportações e Importações (Export-Import Bank of China) figuram-se como os principais financiadores na região, com destaque para a Venezuela, a principal tomadora de tais empréstimos, com a possibilidade de pagamento via troca por petróleo [9].

A crescente participação da China na América Latina decorre, em parte, da inconsistente política norte-americana na região, principalmente durante o governo Trump. Por outro lado, a China, junto com outros países emergentes como a Índia e Indonésia, figuram como as economias que apresentam importante crescimento econômico mundial.

Além disso, a China participa de outras iniciativas relacionadas ao comércio e investimentos na região, a citar o Fórum China-Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), composto por 33 países latino-americanos e a China. O Fórum China-Celac iniciou-se em 2015, no primeiro encontro em Pequim, China. A Celac possui como objetivo debater sobre cooperação para o desenvolvimento e concertação política, tendo sido a herdeira do Grupo do Rio e da Calc (Cúpula da América Latina e do Caribe). No último fórum entre a China e a Celac, realizado em dezembro de 2021, ressaltou-se a importância na coordenação de projetos do BRI na região [10] [11].

Outra iniciativa é a existência do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), fundado em 2004 e, desde 2015, reconhecido como uma das principais interlocutoras entre os dois países na promoção de relações empresariais [12].

A nível governamental sobre a relação bilateral China e Brasil, destaca-se a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), tendo a ultima reunião ocorrida em 14 de março de 2019 [13].

Dessa forma, é possível observar que a Nova Rota da Seda constitui importante instrumento de promoção ao investimento em infraestrutra na América Latina, devendo ser compreendida como uma opção frente as diferentes modalidades de atração de investimentos de longo prazo para o Brasil. Lado outro, a China se configura como importante parceiro de comércio e de investimentos no Brasil e na região latino-americana.


[1] NEDOPIL, Christoph. Countries of the Belt and Road Initiative. Shanghai: Green Finance & Development Center, FISF Fudan University, 2022. Disponível em: <https://greenfdc.org/countries-of-the-belt-and-road-initiative-bri/?cookie-state-change=1652893471509>. Acesso em: 18 maio, 2022.

[2] DEVONSHIRE-ELLIS, Chris. Brazil: South America's Largest Recipient Of BRI Infrastructure Financing & Projects. Silk Road Briefing. November 8, 2021. Disponível em: https://www.silkroadbriefing.com/news/2021/11/08/brazil-south-americas-largest-recipient-of-bri-infrastructure-financing-projects/>. Acesso em: 18 maio, 2022.

[3] BR&BR BELT AND ROAD & BRAZIL. Brasil Deveria Entrar na Nova Rota da Seda? Talvez Já Esteja. Disponível em: <https://beltandroadbrazil-direitorio.fgv.br/noticias/brasil-deveria-entrar-na-nova-rota-da-seda-talvez-ja-esteja>. Acesso em: 18 maio, 2022.

[4] ZANG, Pepe. Belt and Road in Latin America: A regional game changer? Atlantic Council. October 8, 2019. Disponível em: <https://www.atlanticcouncil.org/in-depth-research-reports/issue-brief/belt-and-road-in-latin-america-a-regional-game-changer/>. Acesso em: 18 maio, 2022.

[5] LANTEIGNE, Marc. Argentina joins China’s Belt and Road. The Diplomat. February 10, 2022. Disponível em: <https://thediplomat.com/2022/02/argentina-joins-chinas-belt-and-road/>. Acesso em: 18 maio, 2022.

[6] ELLIOTT, Lucinda. IMF and Argentina finalise new $44bn programme. March 25, 2022. Disponível em: <https://www.ft.com/content/5db9ceab-0a44-41ce-ba37-bf597633a9fa>. Acesso em: 18 maio, 2022.

[7] GOÑI, Uki. Argentina gets biggest loan in IMF's history at $57bn. The Guardian, 27 September 2018. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2018/sep/26/argentina-imf-biggest-loan>. Acesso em: 20 jan. 2022.

[8] INTERNATIONAL MONETARY FUND — IMF. IMF Executive Board Discusses the Ex-Post Evaluation of Argentina's Exceptional Access Under the 2018 Stand-By Arrangement. Press Release n. 21/401. 22 December 2021. Disponível em: <https://www.imf.org/en/News/Articles/2021/12/22/pr21401-argentina>. Acesso em: 20 jan. 2022.

[9] ROY, Diana. China's Growing Influence in Latin America. April 12, 2022. Disponível em: <https://www.cfr.org/backgrounder/china-influence-latin-america-argentina-brazil-venezuela-security-energy-bri>. Acesso em: 18 maio, 2022.

[10] PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA. Declaration of the Third Minister's meeting of the China-CELAC Forum. December 7, 2021. Ministry of Foreign Affairs. Disponível em: <https://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/wjbxw/202112/t20211207_10463460.html>. Acesso em: 18 maio, 2022.

[11] BRICS POLICY CENTER. Fórum China-Celac. Maio de 2016. Disponível em: <https://bricspolicycenter.org/china-celac-forum2/>. Acesso em: 18 maio, 2022.

[12] CONSELHO EMPRESARIAL BRASIL—CHINA — CEBC. Quem somos. Disponível em: <https://www.cebc.org.br/quem-somos/>. Acesso em: 18 maio, 2022.

[13] MINISTÉRIO DE RELAÇÕES EXTERIORES – MRE. Brasil-China: Reunião da Comissão Sino-brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban) — 14 de março de 2019. Disponível em: <https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/2019/brasil-china-reuniao-da-comissao-sino-brasileira-de-alto-nivel-de-concertacao-e-cooperacao-cosban-14-de-marco-de-2019>. Acesso em: 18 maio, 2022.

Autores

  • é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige), doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG, professor de MBA sobre Infraestrutura, Concessões e Parcerias Público-Privadas na PUC Minas e professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin).

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