Opinião

O que é e para que serve o PMI na Lei das Estatais

Autor

  • Renila Lacerda Bragagnoli

    é advogada gerente da Procuradoria Jurídica da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) mestranda em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade de Buenos Aires (UBA) especialização em Políticas Públicas Gestão e Controle da Administração pelo Instituto Brasileiro de Direito Público (IDP-DF) professora de cursos de pós-graduação em licitações e contratos e palestrante na temática de contratações públicas.

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25 de maio de 2022, 18h06

O desenvolvimento do princípio da boa administração traz a necessidade cada vez maior de integração entre sociedade e a gestão pública, de maneira que o Brasil desenvolveu o Procedimento de Manifestação de Interesse Privado (PMI), instituto de participação social em matéria de contratações públicas, com vistas a permitir a colaboração da seara privada na definição e na implementação de políticas públicas da Administração, o que reflete, sobremaneira, a nova tendência do Direito Público em se aproximar o Direito Privado como forma eficiente de atender aos interesses de todos os envolvidos.

Atrelada a essa ideia de aproximação da iniciativa privada com a Administração Pública, participação social se faz necessária a partir de mecanismos que possibilitem que as partes não integrantes da Administração Pública possam colaborar com o planejamento das políticas públicas, considerando que este elemento permite que os indivíduos se preparem adequadamente à ação governamental, ante à transparência necessária, bem como atuem, conjuntamente com a Administração, de maneira racional, conforme dito por fonte [1].

Nessa esteira, Rodriguez-Araña [2] é assertivo ao afirmar que

"A determinação dos objetivos das políticas públicas não pode operar-se realmente se não for a partir da participação cidadã. A participação cidadã configura-se como um objetivo público de primeira ordem, já que constitui a própria essência da democracia e, por isso, ocupa um lugar sobressalente entre os parâmetros centrais do bom governo e da boa administração; uma atuação pública que não persiga, que não procure um grau mais alto de participação cidadã, não contribuiu com o enriquecimento da vida democrática e se opera, portanto, em detrimento dos mesmos cidadãos aos quais se pretende servir. Mas a participação não se formula somente como objetivo político, eis que as novas políticas públicas reclamam a prática da participação como método."

Dentro desse cenário de aproximação entre o público e o privado, Avelar e Bragagnoli [3] destacaram que a aproximação do mercado com a Administração tem se desenvolvido ao longo do tempo no país, ainda que em outras searas, de maneira que "a participação privada na fase de estruturação de projetos de infraestruturas relevantes não é propriamente novidade", apontando, as autora, que o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) se originou no "no artigo 21 da Lei nº 8.987/1995 e do artigo 31 da Lei nº 9.074/1995, seu emprego já havia sido consolidado no escopo de concessões de serviço público e parcerias público-privadas. A recente regulamentação do tema na esfera federal ocorreu com o Decreto nº 8.428/2015".

Considerando que o PMI, em matéria de concessões e PPPs, apresentou resultados eficiente, Bittencourt [4] asseverou que a sua utilização poderia ser igualmente bem aproveitada no campo licitatório, considerando que,

"Na prática, a Administração expede um edital de chamamento público para que os eventuais interessados privados apresentem estudos e projetos específicos, conforme regras predefinidas, que possam ser úteis à elaboração do edital de licitação pública e ao contrato."

Nesse sentido, em matéria de contratação pública, a Lei nº 13.303/16 prevê expressamente a possibilidade de adotar o Procedimento de Manifestação de Interesse Privado (PMI) [5] para receber propostas e projetos de empresas, a fim de atender necessidades previamente identificadas, delegando ao regulamento a definição de regras específicas.

Sendo a primeira legislação licitatória a tratar do tema, no espectro que alcança as empresas públicas e as sociedades de economia mista, o PMI da Lei nº 13.303/2016 buscou, nas palavras de Binenbojn [6], diagnosticar, antecipar e resolver, inclusive na fase interna da licitação, qualquer problema que possa surgir durante o processo de contratação, uma vez que seu escopo não é apenas fortalecer a participação da iniciativa privada na formulação de políticas públicas ou administrativas, mas também tem a natureza de ser um método eficaz para reduzir a disparidade de informações entre a administração e o mercado, que geralmente possui o maior conhecimento técnico sobre assuntos específicos.

Apesar de ser claramente uma ferramenta preliminar à realização da licitação, a Lei das Estatais não qualificou o PMI como procedimento auxiliar [7], dispondo sobre o instituto nas disposições gerais sobre licitações e contratos, além de apresentar previsões resumidíssimas sobre o Procedimento de Manifestação de Interesse [8].

Dessa forma, o instituto é um procedimento administrativo consultivo prévio, pelo qual a Administração Pública, de acordo com Schiefler [9], "lança e conduz um edital de chamamento público para que os eventuais interessados sejam autorizados a apresentar estudos e projetos específicos, conforme diretrizes predefinidas, que sejam úteis à elaboração do edital de licitação pública e ao respectivo contrato".

E não sem razão a Lei nº 13.303/2016 foi sucinta ao apresentar o PMI como mecanismo de aproximação da iniciativa privada do cumprimento da função social da empresa estatal: caberá a cada regulamento interno de licitações e contratos das estatais ou, ainda, um normativo interno específico para o PMI dispor das minúcias acerca da utilização do instituto, conforme teor do §4º do artigo 31.

Como fonte para suas regulamentações, as estatais podem adotar as previsões do artigo 4º do Decreto nº 8.428/15, de modo que a proposta do PMI deve conter a descrição do projeto, com os detalhes das necessidades públicas que serão atendidas, e o projeto, levantamentos, pesquisas e estudos necessários, e serão apresentados após o chamamento público promovido pela autoridade competente por meio de um aviso que deve conter, entre outros elementos, a delimitação do escopo, os valores da remuneração e os critérios de avaliação e seleção dos projetos, cabendo, à estatal, acrescentar mais detalhes a depender de suas necessidades específicas.

Na visão de Avelar e Bragagnoli [10], a possibilidade do §5º do artigo 31, que admite a possibilidade de o autor ou financiador do projeto poder participar da licitação para a execução do empreendimento, representa relevante rompimento da Lei das Estatais com a lógica burocrática da Lei nº 8.666/1993, vez que essa legislação veda a participação do autor do projeto na licitação da execução do mesmo. Além de poder participar da licitação, o autor do projeto poderá ser ressarcido pelos custos caso não vença o certame.

Inicialmente, nas palavras de Zymler et al [11], foi considerada surpreendente a previsão do artigo 31 da Lei das Estatais para a utilização do PMI aos certames licitatórios das estatais, admitindo, os autores, como vantagem do instituto, "o fato de que, em um primeiro momento transferir aos agentes privados os custos que seriam sustentados pela estatal caso optasse pela contratação de consultores e projetistas para a elaboração de estudos/projetos", acrescentando, ainda como vantagens,

"O ressarcimento dos gastos dos particulares, a adoção do material elaborado ou o próprio lançamento da licitação pública não constituem obrigações da entidade estatal. Ou seja, não há a garantia de que o material elaborado pelos particulares será efetivamente empregado e que a licitação será lançada, embora seja esperado que isso aconteça."

A Lei das Estatais, portanto, reconheceu que o PMI é um instrumento relevante para reduzir a assimetria de informações observada entre a Administração Pública e a seara privada, estimando um potencial para materializar uma democracia participativa, sendo o PMI parte de um "contexto político-social cujo diálogo entre a Administração Pública e os indivíduos privados é inevitável e necessário. Assim, atribuiu autonomia jurídica e institucionalizou essa relação antes da licitação, com procedimento administrativo e participativo", como também pontuado por Schiefler [12].

Com efeito, muito embora a Lei nº 13.303 datada de 2016 tenha sido a primeira legislação licitatória a regulamentar o PMI em nível de contratação pública, a utilização do Procedimento de Manifestação de Interesse pelas empresas estatais, não obstante sua latente capacidade de inovação em dialogar com o mercado visando uma melhor e mais apropriada modelagem para uma contratação, é ferramenta ainda incipiente no campo licitatório conduzido pelas empresas públicas e sociedades de economia mista.


Referências
AVELAR, Mariana; BRAGAGNOLI, Renila. O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) no Brasil: uma visão holística. Disponível em https://revista.tce.mg.gov.br/revista/index.php/TCEMG/article/view/532/506. Acesso em 15/5/2022
BINENBOJM, Gustavo. Disposições de caráter geral sobre licitações e contratos na Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016) In NORONHA, João Otávio de; FRAZÃO, Ana; MESQUITA, Daniel Augusto (coord.). Estatuto jurídico das estatais: análise da Lei nº 13.30./2016. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
BITTENCOURT, Sidney. A nova lei das estatais: novo regime de licitações e contratos nas empresas estatais.
Leme (SP): JH Mizuno, 2017.
FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
RODRÍGUEZ-ARAÑA MUÑOZ, Jaime. Direito fundamental à boa Administração Pública. Tradução Daniel Wunder Hachem. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. O procedimento de manifestação de interesse (PMI) como um instrumento eficiente e democrático de planejamento de concessões. Disponível em https://www.zenite.blog.br/o-procedimento-de-manifestacao-de-interessepmi-como-um-instrumento-de-planejamento-eficiente-e-democratico-de-concessoes/. Acesso em 10/5/2022
ZYMLER, Benjamin et al. Novo regime jurídico de licitações e contratos das empresas estatais: análise da Lei nº 13.303/2016 segundo a jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Belo Horizonte: Fórum, 2018.

 


[1] FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 82.

[2] RODRÍGUEZ-ARAÑA MUÑOZ, Jaime. Direito fundamental à boa Administração Pública. Tradução Daniel Wunder Hachem. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 38.

[3] AVELAR, Mariana; BRAGAGNOLI, Renila. O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) no Brasil: uma visão holística. Disponível em https://revista.tce.mg.gov.br/revista/index.php/TCEMG/article/view/532/506

[5] Art. 31 […] § 4º A empresa pública e a sociedade de economia mista poderão adotar procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e projetos de empreendimentos com vistas a atender necessidades previamente identificadas, cabendo a regulamento a definição de suas regras específicas.

§ 5º Na hipótese a que se refere o § 4º, o autor ou financiador do projeto poderá participar da licitação para a execução do empreendimento, podendo ser ressarcido pelos custos aprovados pela empresa pública ou sociedade de economia mista caso não vença o certame, desde que seja promovida a cessão de direitos de que trata o art. 80.

[7] Art. 63. São procedimentos auxiliares das licitações regidas por esta Lei:

I – pré-qualificação permanente;

II – cadastramento;

III – sistema de registro de preços;

IV – catálogo eletrônico de padronização.

[8] Art. 31. […] § 4º. A empresa pública e a sociedade de economia mista poderão adotar procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e projetos de empreendimentos com vistas a atender necessidades previamente identificadas, cabendo a regulamento a definição de suas regras específicas.

§ 5º. Na hipótese a que se refere o § 4º, o autor ou financiador do projeto poderá participar da licitação para a execução do empreendimento, podendo ser ressarcido pelos custos aprovados pela empresa pública ou sociedade de economia mista caso não vença o certame, desde que seja promovida a cessão de direitos de que trata o art. 80.

[10] AVELAR, Mariana; BRAGAGNOLI, Renila. O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) no Brasil: uma visão holística. Disponível em https://revista.tce.mg.gov.br/revista/index.php/TCEMG/article/view/532/506

[12] Ob. Cit.

Autores

  • é mestranda em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade de Buenos Aires, especialização em Políticas Públicas, Gestão e Controle da Administração pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF). Advogada de carreira de empresa pública federal desde 2009. Gerente da Procuradoria Jurídica da EPL. Professora, autora, palestrante.

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