Opinião

Capacidade econômica no setor de saneamento: que venham novas licitações

Autor

  • Rafael Feldmann

    é mestre em direito internacional dos negócios pelo Instituto de Empresa de Madri e sócio das práticas de meio ambiente e infraestrutura de Cascione Pulino Boulos Advogados.

24 de maio de 2022, 18h01

A realidade brasileira em relação ao serviço de saneamento básico é notadamente lamentável. De acordo com o Instituto Trata Brasil, aproximadamente 45% da população não possui acesso ao sistema de tratamento de esgoto, bem como um sexto dos brasileiros sequer recebe água tratada em sua residência.

De modo a endereçar este triste cenário e, após um amplo e detalhado debate legislativo, foi promulgada a Lei Federal nº 14.026/2020, também conhecida como Marco Legal do Saneamento. Referida norma se dispôs a estipular metas para atingimento dos índices de universalização — ou seja, disponibilizar o serviço para a totalidade da população —, bem como introduziu inúmeros dispositivos que estimulam a concorrência entre operadores privados e as companhias estaduais, bem como apoiam na implementação de maior eficiência para as futuras contratações.

Outra novidade importante desta reforma legislativa se deu com a reformulação da nova agência reguladora federal. A ANA (anterior agência nacional de águas, com limitação à gestão de recursos hídricos federais) teve a atribuição de edição de normas de interesse para o saneamento incluída em sua missão institucional, com vistas à uniformização celebrados nas diversas esferas do país. Ainda, tomando como base o requisito constitucional, a norma também estimulou que, em determinados casos, o consórcio entre Municípios seja estimulado, de forma que os certames licitatórios, a partir de agora, possam se tornar mais atrativos.  

 Seguindo este raciocínio, o novo Marco também impôs que todos os contratos em vigor, no momento de sua promulgação, ficariam condicionados à comprovação da capacidade econômico-financeira pelas entidades contratadas para prestação do serviço (por meio do artigo 10-B da Lei Federal nº 11.445/2007, com redação alterada em 2020). Trata-se de um incentivo à Lei para identificação das melhores práticas contratuais e da solvência dos prestadores à luz das metas de universalização que estão por vir.

Neste tema, concedeu-se prazo até o dia 31 de dezembro de 2021 (artigo 10 do Decreto), para que todos os prestadores de serviço apresentassem perante a ANA suas comprovações (por meio de diversos documentos técnicos, incluindo demonstrações contábeis). Ademais, o mesmo Decreto impôs que a avaliação destes requisitos finalizasse até o dia 31 de março de 2022 (artigo 14). 

No âmbito da interpretação técnica destes dados apresentados, identificamos que, com base em informações divulgadas na imprensa pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto, 1.117 Municípios podem estar em situação irregular, uma vez que as empresas por eles contratadas para a prestação do serviço não conseguiram comprovar, dentro do prazo estipulado, a capacidade econômica para execução dos objetivos futuros propostos.  Ademais, com base nos dispositivos do artigo 20 do referido Decreto, contratos que não tiveram as devidas comprovações apresentadas pelas empresas prestadoras deverão ser considerados irregulares.

Desde já, é preciso ressaltar que este procedimento de revisitação de status financeiro é extremamente bem-vindo. Em outras palavras, garantir maior transparência, para todos os investidores e operadores, públicos e privados, sobre a situação econômico-financeira que os contratos espalhados pelo país se encontram é fundamental. Se trata, por certo, de uma medida que contribui para a maior concorrência no setor e que, à luz do que se espera, possa melhorar os vergonhosos índices em que nos encontramos. Ainda no tema, também se está permitindo que as empresas adequadas às exigências possam usufruir de maior segurança jurídica em relação aos seus compromissos e dos ganhos reputacionais advindos de sua boa situação.

Ainda que esteja incerto quais serão os efeitos da declaração de irregularidade a ser conferida pela agência reguladora, afinal, relembre-se, nos termos da Constituição Federal, o saneamento se inclui no conceito de "desenvolvimento urbano" (artigo 21, XX), o qual, por sua vez, deve ser executado pelo município, o acesso a tais dados é notadamente relevante e necessário.

Consequentemente, esperamos que, com base nas novas informações divulgadas e no amplo conhecimento sobre o status deficitário (e talvez irreversível) de determinados serviços, tenhamos uma gradual onda de novas licitações, encerrando-se, de uma vez, os contratos de programas e colocando em marcha a busca pela universalização no curtíssimo prazo a que se espera. Torcemos também para que esta tendência e reformulação do setor possa receber não somente os operadores, que já estão com ampla atuação na indústria, mas também outros relevantes players, públicos e privados, do setor de infraestrutura no geral.

Autores

  • é mestre em direito internacional dos negócios pelo Instituto de Empresa de Madri e sócio das práticas de meio ambiente e infraestrutura de Cascione Pulino Boulos Advogados.

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