Opinião

Integralização de capital social com criptomoedas

Autor

  • Theo Salema de Medeiros

    é consultor jurídico empresarial membro da Comissão de Planejamento Patrimonial da Família da OAB-RJ subseção da Barra da Tijuca e advogado do escritório Bandeirante Advogados.

18 de maio de 2022, 20h23

Todo negócio estruturado precisa da contribuição patrimonial inicial dos seus sócios para funcionar. As poupanças dos sócios concedidas com o objetivo de proporcionar às empresas meios necessários ao início do negócio recebem, contabilmente, o nome de capital social. O capital social, além de formar passivo contábil da empresa, integrando seu patrimônio líquido, serve de medida de direitos e deveres dos sócios.

O capital social se subdivide em quotas, cabendo uma ou diversas a cada sócio, nos termos do artigo 1.055 do Código Civil. Os sócios subscrevem as quotas, assumindo perante a Sociedade o compromisso pelo seu pagamento, que se chama integralização.

Ressalvados os casos de sociedades simples, em que se admite o trabalho como aporte para efeito de realização do capital subscrito, a legislação exige prestação em bens ou em dinheiro [1]. Os empreendedores têm a liberdade de escolher as formas de integralizar o capital, desde que sejam responsáveis, no caso de integralização com bens, na estimação dos bens conferidos ao propósito social.

Com a popularização [2] das criptomoedas muitos empreendedores se utilizam de tais ativos para capitalização dos seus negócios. Ocorre que as Juntas Comerciais, órgãos responsáveis pelos registros das empresas, diante de temática tão inovadora, passaram a se debruçar sobre algumas dúvidas a seu respeito.  Tais questionamentos podem ser ilustrados na recente consulta formalizada pela Juntas Comercial de São Paulo ao Departamento de Registro de Empresas Mercantis (Drei). Repisemos alguns questionamentos:

I – Qual seria a natureza jurídica das criptomoedas: (1) uma moeda, (1) um valor mobiliário, (1) um bem incorpóreo, este com ou sem valor econômico?

II – Haveria vedação legal para integralização de capital com criptomoedas?

III – Quais as formalidades que as Juntas Comerciais devem observar, para fins de operacionalizar o registro dos atos societários que eventualmente envolverem o uso de criptomoedas?

O Drei, por meio de ofício circular SEI nº 4.081/2020, assinado pelo prestigiado diretor do Drei André Santa Cruz, se posicionou no sentido de que criptomoedas são bens incorpóreos que possuem avaliação pecuniária, são negociáveis e que podem ser usados de diversas  formas (inclusive para investimentos) [3].

O Banco Central do Brasil já havia emitido comunicado no qual afirmou que as moedas virtuais não se confundem com as chamadas moedas eletrônicas, reguladas na Lei 12.865/2013, configurada sua natureza de bens [4].

Em relação à integralização de capital, o Drei se posiciona pela legalidade da integralização de capital com criptoativos, reafirmando o que inexiste vedação expressa na legislação, tanto no Código Civil [5], quanto na Lei das Sociedades Anônimas [6].

Em relação ao último questionamento posto pela Jucesp, que diz respeito a eventual formalidade especial para admissão desses bens, o ofício aduz que se lhes aplicam as mesmas regras pertinentes à integralização de bens móveis, conforme respectivo ato societário, limitando-se as Juntas ao exame de cumprimento de formalidades legais. 

Para sociedades limitadas, em que os sócios se responsabilizam pela estimação dos bens conferidos para integralização de capital, o posicionamento do Drei franqueia certa liberdade aos sócios, que meramente podem declarar os valores no Contrato Social, sem necessidade de laudo de avaliação por perícia especializada, como ocorre em Sociedades Anônimas [7].

Certamente o tema será alvo ainda de muitos debates e polemicas, ainda mais em se levando em conta a conhecida alta volatilidade desses ativos, cujos preços são estabelecidos numa relação dinâmica de oferta e demanda, o que pode gerar uma sobrevalorização ou hipervalorização de capital social aportado com o tempo.

Nessa esteira, há que aplaudir o excelente posicionamento do Drei, cuja orientação prestada às Juntas, por meio do ofício ora examinado, fomentará a desburocratização de negócios e maior facilidade para investimentos.

[1] "Artigo 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.
§1º Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.
§2º É vedada contribuição que consista em prestação de serviços".

[2] De acordo com artigo da digital Money, mais de 16% da população brasileira com acesso a internet, possui criptomoedas. Acesso em: https://www.digitalmoneyinforme.com.br/popularizacao-das-criptos-cresce-no-brasil/

[3] Na mesma esteira, é importante assinalar que a Receita Federal exige a indicação de criptoativos no campo "outros bens", da ficha bens e direitos.  Ver também Instrução Normativa RFB nº 1888, de 3 de maio de 2019.

[4] Ver Comunicado 25.306/2014 e Comunicado 31.379/2017.

[5] Artigo 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: III – o capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;

[6] Artigo 7º O capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro.
Artigo 8º A avaliação dos bens será feita por três peritos ou por empresa especializada, nomeados em assembléia-geral dos subscritores, convocada pela imprensa e presidida por um dos fundadores, instalando-se em primeira convocação com a presença desubscritores que representem metade, pelo menos, do capital social, e em segunda convocação com qualquer número. (Vide Decreto-lei nº 1.978, de 1982)

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