Processo Tributário

Suspensão de processos x suspensão da exigibilidade

Autores

  • Luis Felipe Fontes Rodrigues de Souza

    é procurador do estado do Maranhão especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-aluno do Curso de Extensão de "Processo Tributário Analítico" do Ibet.

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

15 de maio de 2022, 8h03

O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) trouxe diversas inovações ao sistema jurídico brasileiro, dentre as quais, por força do objeto deste artigo, destaca-se a instituição de um regime de julgamento de precedentes vinculantes que vai ao encontro do anseio de concretização do valor previsibilidade, uma das vigas mestras da novel legislação.

Nada mais pretende esse regime do que materializar o valor segurança jurídica sob duas perspectivas, uma relacionada à garantia do comportamento de terceiros e, por conseguinte, da adequada acomodação do conflito pelos legítimos aplicadores do direito, outra relativa à própria definição dos atos do jurisdicionado, visto que este pode, de certo modo, antever os efeitos da adoção de uma dada conduta ante a existência do precedente vinculante [1].

Mas como conseguir a máxima efetividade material da questão decidida no precedente vinculante diante da dispersão de processos nas diversas jurisdições [2], instâncias e etapas procedimentais?

A solução dada pelo diploma processual civil de 2015 foi estabelecer dispositivos que asseguram [3] a suspensão nacional das demandas em curso até a definição da questão pelo tribunal competente, evitando a dispersão de pronunciamentos em casos semelhantes [4].

Se importantíssimo é manter a unicidade interpretativa de uma norma para assegurar segurança jurídica, não se pode olvidar que essa providência, a da suspensão das demandas, merece especial atenção nos processos tributários.

Isto porque pode ser lida (a suspensão de processos) em transposição de sua específica função, a de suspender o processo (ou sobrestar, para utilizar termo contido também no código processual), isto é, barrar temporariamente feitos para aplicação da tese jurídica a ser fixada no precedente vinculante.

Contudo, e aqui está a causa da atenção dispensada a esse instituto nos processos tributários, não pode ser confundido o termo "suspensão" referido com o termo "suspensão" contido no artigo 151 do código tributário nacional.

Mesmas letras, diversos conteúdos de significação e efeitos práticos.

A suspensão dos processos, em âmbito nacional, como decorrência da afetação de determinado tema para julgamento sob o regime de precedentes vinculantes, constitui técnica processual de racionalização orgânica de julgamento do judiciário, afetando atividade do julgador, o exercício da jurisdição, ainda que temporariamente.

Por outro lado, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário encontra-se no âmbito de aplicabilidade do direito material, somente podendo ser levada a efeito quando verificada uma das causas destacadas no artigo 151, impactando o ciclo de concretização da obrigação tributária de forma subjetiva, obstando que o fisco satisfaça seu direito (ainda que provisoriamente). Aspecto que as distingue: a natureza jurídica, essa material, aquela processual.

Alguns dos incisos do referido artigo 151 referem-se a atos decisórios produzidos no bojo de um processo, como a liminar do mandado de segurança, no seu inciso IV, e as tutelas provisórias no inciso V, que coincidem quanto ao tipo do ato judicial da regra de suspensão processual em caráter nacional — decisão interlocutória.

Se coincidem no tipo de decisão, distinguem-se quanto aos requisitos para prolação. A determinação da suspensão de processos supõe a somatória dos fatores multiplicidade de recursos excepcionais (especial ou extraordinário) e identidade da questão de direito tratada nos múltiplos processos, enquanto a suspensão da exigibilidade da obrigação tributária está condicionada à urgência, mediante a demonstração do risco de dano material ou ao resultado útil do processo (periculum in mora) e da probabilidade do direito invocado (fumus boni iuris), ou à evidência (não urgência) nas hipóteses dos incisos do art. 311 do código de processo civil [5] [6].

Normativamente, há dispositivos que deixam clara a distinção dessa figuras ("suspensão do processo" e "suspensão da exigibilidade"), porque definem a competência jurisdicional para apreciação de pedido de "suspensão da exigibilidade".

A referência é ao artigo 982, § 2º [7] do CPC/2015, topologicamente inserido no capítulo do incidente de resolução de demandas repetitivas — Livro III do CPC/2015, que aborda os processos nos tribunais — somado ao que dispõe o artigo 299 [8] do mesmo código, os quais fixam o juízo competente para apreciação do pedido de suspensão da exigibilidade, aquele apto a julgar o mérito da demanda. Se sobrestado o processo em etapa recursal, ao relator de tribunal deve ser direcionado o pedido de tutela provisória, se em primeira instância, ao juízo da causa [9].

Diante do que foi escrito, temos que concluir que o fato da suspensão nacional dos processos no sistema de julgamento repetitivo não implica necessária e automaticamente a probabilidade do direito do contribuinte invocado em sua ação específica, tampouco denota, por si só, risco ao resultado útil do processo, aspectos esses que devem ser analisados particularmente pelo órgão jurisdicional competente para se pronunciar sobre a questão de mérito.

 


[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 120.

[2] Tratando-se de processo tributário, sempre bom lembrar, jurisdição judicial e administrativa. A respeito remetemos a leitora e o leitor ao seguinte texto: https://www.conjur.com.br/2022-abr-17/processo-tributariocooperacao-entre-processo-judicial-administrativo-tributarios

[3] A título exemplificativo: artigo 982, inciso I, artigo 1.029, § 4º e artigo 1.037, inciso II, todos da Lei Federal 13.105/2015 (CPC).

[4] O legislador do CPC/2015, nesse tocante, inspirou-se no procedimento-modelo (musterverfahren) alemão – CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. In Leituras Complementares de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2011, p. 39/40.

[5] Artigo 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

[7] Artigo 982. (…)

§ 2º Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.

[8] Artigo 299. A tutela provisória será requerida ao juízo da causa e, quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal.

Parágrafo único. Ressalvada disposição especial, na ação de competência originária de tribunal e nos recursos a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito.

[9] Neste sentido já se manifestou o ministro aposentado Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal: "o reconhecimento da repercussão geral de matéria constitucional não induz automaticamente à concessão de medidas de urgência em casos que versem sobre o mesmo tema ou temas análogos"Medida Cautelar na Suspensão de Liminar 626/SP, min. Joaquim Barbosa, J. 28/12/2012.

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    é procurador do estado do Maranhão, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-aluno do Curso de Extensão de "Processo Tributário Analítico" do Ibet.

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    é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGVLaw) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão "Processo tributário analítico” do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de "Processo tributário analítico" do Ibet.

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