Opinião

STJ sinaliza descontentamento com regra explícita do CPC acerca dos honorários

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12 de maio de 2022, 14h01

Na manhã do último dia 3 de maio, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça se viu obrigada a aplicar a regra contida no parágrafo 2º do artigo 85 do CPC.

Referida norma deixa claro que, independentemente da situação, caso seja possível aferição de valor no processo, seja por proveito econômico, valor da condenação ou mesmo pelo valor da causa, os honorários deverão ser fixados entre 10% e 20%, sem qualquer margem para fixação por equidade ou fora da faixa percentual prevista.

 Em meio ao julgamento, apesar de simplesmente aplicarem o que prevê a norma, houve diversas manifestações de descontentamento e preocupação dos ministros, tendo em vista que os advogados vencedores receberiam cerca de R$ 5 milhões a título de sucumbência pelo caso.

O ministro Moura Ribeiro afirmou que referida verba seria "violenta". Já o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva afirmou que o referido REsp 1.811.792 "é um dos exemplos de situações limites a que nos levam a legislação", afirmando ainda que estariam (os ministros) de mãos amarradas pela legislação e pela fixação de tese em repetitivo, que nada de novo trouxe, além de deixar claro que o CPC deve ser aplicado da maneira que foi aprovado.

No mesmo sentido, a ministra Nancy Andrighi afirmou: "Nós vamos ver muita dor e, como disse o ministro Herman Benjamin, vamos ser chamados logo, logo a reanalisar essa questão (…) é muito grave, porque a ação [rescisória] não tramitou", sendo apoiada em suas manifestações por Moura Ribeiro.

A ministra ainda, fez questão de destacar seu ponto de vista em relação ao caso: "Em razão dessas verdadeiras injustiças, vou pedir para que vossa excelência ressalve meu ponto de vista quanto aos honorários".

 As falas acima reproduzidas, apesar de não terem alterado o resultado do julgamento, trazem (ou ao menos devem trazer) preocupação ao jurisdicionado atento. Isso porque tais manifestações sugerem que ministros da corte de uniformização de jurisprudência podem desdizer o que prevê a legislação, se o resultado da aplicação dessa legislação os desagradar. E esse comportamento ativista é indesejável em qualquer democracia estável, na qual a separação dos poderes seja efetivamente observada.

Há muito tempo autores como Lenio Streck e Georges Abboud escrevem sobre os perigos de decisões ativistas. O juiz ativista, ao utilizar suas convicções e/ou vontade como única medida de produção do direito, rompe com o Estado Democrático, e tal julgamento, por não se referir a nenhuma teoria coerente de decisão judicial nem ser controlado pela legalidade, conduz a um relativismo axiológico insuperável.

 Mesmo que sob as mais belas e republicanas justificativas, qualquer comportamento ativista continua sendo ilegal. E ilegal não apenas por contrariar texto de lei, mas também, e mais grave ainda, no sentido de romper com o sistema jurídico, contaminar o ordenamento e provocar uma crise institucional.

Ocorre que, nem mesmo essas belas e republicanas razões são encontradas nas posições dos ministros externadas no julgamento do dia 3/5. Pelo contrário, referidas posições não resistem a uma simples análise detalhada de seus fundamentos, bem como à consideração do caso concreto. Vejamos.

Moura Ribeiro e Nancy Andrighi parecem desconfortáveis com o valor que será recebido pelos advogados vencedores. E nada mais. Não há outro argumento em suas manifestações a não ser uma certa insatisfação no fato de alguma banca de advogados receber um alto valor. É perturbador constatar que ministros do STJ classificam como injustiça a proteção da remuneração do trabalho de advogados, conquistada com a aprovação do Código Fux, após décadas de luta dos advogados contra decisões que promoviam arbitramento ou até mesmo redução de honorários por equidade, leia-se, subjetivismos. Isso sem contar o fato de que é deselegante "colocar preço" no trabalho alheio, principalmente quando o locutor ou emissor da opinião não remunera referido trabalho.

Moura Ribeiro ainda classifica a verba honorária como "violenta", que traduz a ideia de coação, opressão, tirania. Causa espécie a utilização desse vocábulo para definir a aplicação de norma processual cuja redação é cristalina. Cabe lembrar que o caso envolve dois particulares, empresas de grande porte, litigando por sua própria conta, iniciativa e risco. Além disso, o CPC prevê regras específicas quando o Estado for condenado em honorários de sucumbência.

 A ministra Nancy parece estar preocupada com o sucumbente, ao mencionar a palavra "dor". Mas se esquece que este mesmo sucumbente foi orientado por advogado, que tem a responsabilidade de cientificá-lo dos riscos sucumbenciais de qualquer litígio. Assim funciona no mundo inteiro. A litigância sem risco ou com possibilidade de drástica redução da sucumbência, como efetivado através da fixação por equidade pelo judiciário até a aprovação do CPC 2015, conduz à propositura de ações descompromissadas e aventureiras, bem como ao tão conhecido congestionamento do judiciário.

Já o ministro Cueva classifica o julgamento como "situação limite", provocada pela legislação. Primeiramente, o CPC não permitiu ao julgador a definição do limite. Exatamente porque a própria norma estabelece o limite: 20% do valor da causa, de benefício ou da condenação. Em segundo lugar, voltemos ao caso concreto, desde a primeira instância: a autora, empresa de grande porte, resolve litigar para rescindir acórdão, e atribuí valor à causa, muito inferior ao correto. Tanto é que, após impugnação procedente, o valor foi alterado em 20 vezes. Consequentemente, a caução necessária também aumentou 20 vezes. A autora não pagou referida caução, provocando a extinção do processo sem resolução do mérito.

Ora, quem decidiu iniciar a lide? A autora, empresa de grande porte.

Quem atribuiu valor 20 vezes inferior à causa? A autora e seus advogados.

Quem se beneficiou (ao menos temporariamente), recolhendo uma caução 20 vezes inferior? A autora.

E quem deu causa à extinção e, consequentemente, à sucumbência? A autora, pois simplesmente não recolheu o valor devido, após impugnação.

Portanto, não se trata de injustiça, ilegalidade, ou caso limite. Nada disso. Provavelmente a autora pretendia economizar na caução e em eventual sucumbência, atribuindo valor tão inferior ao devido, à causa. Ainda, obviamente assessorada por seus advogados, assumiu o risco de atribuir valor incorreto à causa.

O alto valor a título de sucumbência é fruto da decisão informada e consciência de um litigante, que gerou a necessidade de defesa a outro, que precisou contratar advogados, que são remunerados conforme as regras do código de processo.

É inconcebível falar em injustiça num caso como este. Pior ainda, utilizar de argumentos tão frágeis, subjetivismos e simplificações grosseiras para criticar a legislação vigente, fruto de anos de luta da OAB pela segurança jurídica na fixação de honorários e pela valorização da advocacia.

Por isso repetimos o título deste singelo artigo: felizmente, os ministros estão de mãos atadas nesse tema.

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