Opinião

Indulto de Bolsonaro revoga inelegibilidade imposta pelo STF

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3 de maio de 2022, 17h41

Após a concessão do indulto presidencial ao deputado Daniel Silveira, houve calorosa discussão sobre sua constitucionalidade ou não. Desde o primeiro momento, posicionei-me pela validade do decreto.

Spacca
Na primeira edição dos 15 volumes dos comentários que escrevi com Celso Bastos, sobre a Constituição Federal (1988-1998) pela Editora Saraiva, sobre o artigo 84 inciso XII, disse o seguinte, já que a parte do Poder Executivo, na nossa divisão de trabalho, ficou a meu cargo:

A concessão do indulto ou a limitação das penas poderá ser realizada com audiência dos órgãos instituídos em lei.
Tal audiência, todavia, não é necessária. Apenas se o presidente entender que é o caso, poderá ouvir os órgãos especializados. A própria lei não pode impor tal oitiva, até porque, qualquer que seja a opinião dos órgãos especializados, a faculdade outorgada pelo constituinte é absoluta, cabendo-lhe a decisão, independentemente da convicção daqueles que foram ouvidos. (Comentários a Constituição do Brasil — Bastos, Celso Ribeiro. Martins, Ives Gandra — Volume 4, Tomo II – 3ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2002, pg. 281).

Embora constitucionalistas discutam a diferença entre competências exclusiva e privativa, uma não admitindo delegação a terceiros e outra sim, prefiro não fazer distinções à luz do pensamento de que implicam sempre o direito outorgado apenas a uma autoridade de definir o tratamento pertinente às matérias que lhes estão sujeitas.

Ora, na competência privativa do presidente, está a atribuição de conceder indulto sem limitações para condenados, assim tidos pelo Poder Judiciário. Trata-se de um poder absoluto e, portanto, sem restrições.

Assim, interpretando a Constituição à luz do direito constitucional e não do direito ordinário, como muitos juristas fizeram, não sem razão, os professores que assinaram a nota abaixo, citando ser o poder do presidente de conceder o indulto limitado apenas pela própria Constituição, no artigo 5º inciso XLIII, escreveram:

NOTA DE JURISTAS
Em razão das discussões acerca da constitucionalidade do Decreto  do Presidente da República, que concedeu indulto (graça) ao Deputado Federal Daniel Silveira, os professores de Direito abaixo relacionados reuniram-se e examinaram  o Decreto, sem qualquer radicalismo ou viés político, até com o fim de auxiliar a busca da pacificação social e declaram, sob uma perspectiva estritamente jurídica, que o indulto individual ou graça constitui ato soberano do Presidente da República, explicitado em sua competência privativa, insculpida no art. 84, inc. XII, combinado com o art. 5, inc. XLIII, da Constituição Federal de 1988.
A graça é instituto clássico no ordenamento jurídico brasileiro, previsto desde a Constituição de 1824. Trata-se de ato de clemência, de que o Chefe do Poder Executivo pode lançar mão, em observância ao princípio da separação dos Poderes, por meio do sistema de freios e contrapesos.
São Paulo, 29 de abril de 2022
Adilson Abreu Dallari
Dircêo Torrecillas Ramos
Fernando Azevedo Fantauzzi
Ivan Sartori
Ives Gandra da Silva Martins
Janaína Conceição Paschoal
Mariane Andreia Cardoso dos Santos
Modesto Carvalhosa
Samantha Ribeiro Meyer-Pflug Marques
Sérgio de Azevedo Redó

Aliás, a competência, por exemplo, para nomear ministros, que vão exercer funções relevantes, também tem sua limitação no artigo 37 "caput", ou seja, no princípio da moralidade pública, pois, um "improbo administrador" não pode ser nomeado administrador público.

Pergunta-se: deputado com um comportamento que fere o decoro parlamentar pode ser condenado pela Justiça com pena de restrição de liberdade? Minha resposta é não se for apenas por palavras, visto que o artigo 53 da Constituição declara que ele é inviolável por "quaisquer palavras" sem nenhuma exceção e a Lei de Segurança Nacional, que está abaixo da lei maior, não pode prevalecer contra esta.

Agora, poderia ele ser punido pela Câmara dos Deputados, por falta de decoro parlamentar? Entendo que a matéria nunca foi de competência da Justiça, mas exclusivamente do Legislativo, razão pela qual, até o fim desta sessão legislativa, poderá a Câmera examinar seu comportamento.

Por fim, uma última questão — esta realmente polêmica —, em que minha inteligência a respeito da amplitude do indulto é minoritária. Entendo que a pena maior indultada abrange todas as menores impostas pela Justiça, entendendo outros que o indulto não poderia ser aplicado no caso da inelegibilidade por tratar-se de pena não criminal.

São algumas questões que a democracia brasileira enfrenta nesses momentos.

No meu livro "Uma Breve Teoria do Poder" (Ed. Resistencia Cultural – 4ª edição – prefácio de Michel Temer) lancei a proposição de que o que alimenta o poder é a "teoria da sobrevivência", ou seja, o desejo do poder a qualquer custo, e alguém, uma vez instalado no poder, tudo faz para retê-lo, não sendo a prestação do serviço público senão efeito colateral e não necessário do exercício do poder. E aquele que almeja o poder deseja o fracasso de quem o detém, mesmo à custa do bem da nação.

Sobreviver no poder é o único desiderato daqueles que entram na luta para o serviço público, políticos e burocratas.

Assim foi em todos os períodos históricos e espaços geográficos. Por isso, Lord Acton disse "o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente". Para evitá-lo, a democracia é o antídoto, mas ainda insuficiente para extirpar a corrupção.

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