Opinião

Lições que podemos aprender com a história da Theranos

Autor

  • Renata Niada Engel

    é advogada no escritório Perroni Sanvicente & Schirmer Advogados Associados pós-graduada em Direito Societário pela Fundação Getúlio Vargas.

1 de maio de 2022, 6h03

Em janeiro de 2022, a norte-americana Elizabeth Holmes foi considerada culpada de quatro acusações, dentre elas, a acusação de fraude cometida na qualidade de CEO da Theranos, uma empresa de biotecnologia fundada no Vale do Silício que prometia revolucionar o setor médico-laboratorial [1]. Durante anos, Holmes, que chegou a ser considerada "a próxima Steve Jobs" e estrelou a capa da revista Forbes, convenceu a todos de que tinha desenvolvido a tecnologia necessária para mudar a forma com que os exames de sangue eram feitos, assegurando testes seguros, precisos, mais baratos e rápidos e que, ainda por cima, poderiam identificar cerca de 200 doenças com uma única gota de sangue.

Elizabeth Holmes captou US$ 945 milhões com investidores de altíssimo nível, tais como: George Schultz, Rupert Murdoch, Henry Kissinger e a família Waltons, donos da Walmart. Isso fez com que ela se tornasse, à época, a mais jovem bilionária, assegurando um valuation para a companhia de US$ 9 bilhões [2]. Contudo, a realidade da startup estava longe da realidade ventilada pela sua fundadora aos investidores. A Theranos não só não tinha a tecnologia necessária para concretizar a sua promessa, utilizando justamente os métodos tradicionais e equipamento de empresas já consolidadas no mercado para atendimento aos consumidores, como os (poucos) exames de diagnóstico realizados pelos equipamentos desenvolvimentos pela startup entregavam resultados imprecisos aos consumidores.

Essa situação veio à tona com a matéria investigativa realizada pelo The Wall Street Journal, em 2015, que foi sucedida por inúmeras investigações dos órgãos regulatórios dos Estados Unidos, até que a empresa foi dissolvida em 2018. No julgamento, Holmes alegou que embora não estivesse ciente de tudo o que ocorria na startup, ela jamais enganou os investidores, pontuando:

"Eram pessoas que eram investidores de longo prazo, e eu queria falar sobre o que essa empresa poderia fazer daqui a um ano, daqui a cinco anos, daqui a dez anos (…) Eles não estavam interessados em hoje, amanhã ou no próximo mês. Eles estavam interessados em que tipo de mudança poderíamos fazer".

É claro que, hoje, questiona-se como uma jovem estudante de Stanford conseguiu enganar investidores experientes e, embora essa seja uma pergunta cuja resposta jamais saberemos, é possível extrair algumas lições importantes aos investidores de Venture Capital e Private Equity, para que estes não invistam em startups como a Theranos.

Por mais incrível que seja a promessa de retorno da startup, o investimento deve ser precedido da realização da Due Diligence. É nesse momento, em que todos os documentos das startups são analisados e os riscos mapeados e, preferencialmente, já endereçados nos documentos da operação. São analisadas todas as áreas das startups: contábil, financeiro, comercial, propriedade intelectual, trabalhista, ambiental, regulatório. Ou seja: vemos a startup com uma lupa para validar se o discurso dos founders no momento da captação encontra respaldo fático. A Due Diligence não é capaz de assegurar o sucesso do investimento, pois este depende de muitas variáveis, no entanto, ela captura uma fotografia extremamente detalhada da investida para que o Investidor seja munido de todas as informações necessárias para decidir se irá avançar ou não com a operação de investimento.

Os documentos da operação de investimento também são importantes para mitigação de risco, considerando que há diversas cláusulas protetivas que podemos adotar para proteção do investidor. A seguir, elencamos algumas cláusulas que cumprem esse papel:

a) Voto Afirmativo: embora o Investidor não esteja presente e tenha ingerência nas questões operacionais das startups, para fins de proteção do patrimônio, é recomendado que os documentos prevejam uma série de matérias cuja deliberação dependerá, necessariamente, do voto afirmativo do investidor (independente deste ser mutuante ou já acionistas da investida), especialmente questões como assunção de dívidas em valores altos e/ou alteração societária da startup;

b) Participação no Conselho de Administração: Para o exercício do voto afirmativo referido no item "a" acima, é preciso participação do investidor também no Conselho de Administração da Investida. Por isso, é recomendado também a previsão de que o investidor tem o direito assegurado de indicar o seu representante no Conselho de Administração;

c) Direito de Fiscalização: Se a Due Diligence é uma fotografia da startup, e esta, por sua vez, não é estática, é necessário que periodicamente a startup forneça documentos que revelem a sua situação financeira, tecnológica, dentre outros itens importantes para avaliar a evolução (ou não) da startup;

d) Gatilho de Saída: Se ainda assim o investidor constatar que a startup não chegará ao ponto de breakeven, é importante assegurar a saída do investidor o mais rápido e simples possível, minimizando os danos. Por isso, é essencial que sejam previstos mecanismos de saída, como a put option.

Essas são algumas das lições que podemos aprender com a história da Theranos, a qual é contada por meio das séries "The Inventor: Out for Blood in Silicon Valley" (HBO) e "The Dropout" (Netflix). Diante de um ecossistema extremamente aquecido, com aumento significativo dos investimentos de Venture Capital e Private Equity, é importante que os investidores estejam atentos a todos os instrumentos juridicamente disponíveis para a proteção de seu patrimônio.

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