Opinião

Direitos culturais para a comunidade LGBT+

Autores

  • Paulo W. Lima

    é originário de Comunidade Eclesial de Base (CEB) com formação técnica em Finanças mestre em Filosofia doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) membro da rede Embaixadores da Juventude formado pelo escritório da ONU sobre Drogas e Crimes (Unodc) periférico miscigenado LGBT+ e atua profissionalmente com produção cultural arte-educação e acessibilidade (principalmente audiodescrição e Libras).

  • José Olímpio Ferreira Neto

    é advogado professor mestre em ensino e formação docente membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza capoeirista secretário executivo do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e membro da Comissão de Direitos Culturais da OAB-CE.

1 de maio de 2022, 7h06

Cultura, antes de ser reconhecidamente um direito, é uma condição necessária para a vida em sociedade. Por compartilharmos referências em comum é que nos percebemos como parte de um grupo, de um meio social. Contudo, será que o acesso, a fruição e a produção de cultura são igualmente garantidos para os diversos grupos sociais? E, de modo mais específico, será que a comunidade LGBT+ alcança as oportunidades para essas partilhas culturais? Precisamos falar sobre políticas culturais para essa comunidade.

O pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional são garantidos a todos, a todas e a todes, de acordo com o texto constitucional. Obviamente, esses direitos, como direitos fundamentais, também devem ser acessados pela população LGBT+.

Entretanto, esta população é invisibilizada nos espaços de memórias das cidades e tem suas referências históricas destruídas ou apagadas. O preconceito antes velado, agora muito mais descarado, opõe-se à liberdade das pessoas vivenciarem as suas sexualidades e identidades de gênero. É assim que grupos conservadores seguem perpetrando violências estruturais e deslegitimando a competência, a qualidade e o direito à vida das populações marginalizadas.

A diversidade cultural é fundamental para garantir a cidadania cultural, pois os direitos culturais são regidos por princípios que não permitem que o Estado dite o fazer cultural, sendo indispensável a participação de comunidades diversas para o fomento e a elaboração de políticas para o setor.

Nesse sentido, a cidadania cultural diz respeito a uma existência digna no seio de uma coletividade que além de respeitar os imaginários criativos dessa existência, também garante o direito de ela existir e se transformar junto de sua cultura. O que se nota, na quase unanimidade dos movimentos sociais que pautam identidades políticas (como o movimento negro, indígena, feminista, de pessoas com deficiência (PCDs) e LGBT+, é que não há garantia de direitos sem o esforço das lutas coletivas.

Nesse contexto de lutas sociais, muitos nichos e referências culturais foram surgindo e hoje é possível notar a circulação de várias manifestações culturais originadas nas comunidades LGBT+, como a dança Vogue e o vocabulário do Pajubá. Mas antes mesmo destas aparições serem um instrumento de resistência, são meios para re-existência que vão ganhando dimensões coletivas e movimentando grupos e instituições.

Em 2004, um conjunto de programas, ações e mecanismos institucionais do então Ministério da Cultura (MinC) foram direcionadas à comunidade, que teve como marco inicial a criação do Grupo de Trabalho de Promoção da Cidadania dessa população, ligada à Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural (SID) do Ministério.

Ao se perceberem invisibilizadas e até mesmo assassinadas  simbólica e fisicamente — pelos padrões coloniais machistas e hetero-cis-normativos, a população LGBT+ começa a entender que para sobreviver não basta lutar pela garantia de sua vida de forma isolada. Aqueles outrora denominados "os entendidos" começaram a se saberem uma comunidade, posto que além das encruzilhadas culturais, afetivas e sociais que vivenciavam, a luta pela vida, pelo direito de ser e de amar era (e ainda é) uma constante que atravessava todos os gêneros e sexualidades diversos que formam hoje a sigla variável e grafada com o sinal de "+" ao final, indicando que esta comunidade segue aberta para acolher as diversidades.

Este contexto de reconhecimento de uma comunidade produz uma vasta e rica cultura na qual Tybyra e Pabllo Vittar se encontram. Tybyra é o nome que a história oral dos povos originários deu à pessoa que foi condenada à morte pelos agentes da colônia francesa no Nordeste brasileiro, no início do século XVII. Foi o primeiro caso de LGBTfobia letal que a história brasileira documentada revelou.

Tybyra foi revivido pelo artista indígena Juão Nyn, que escreveu a literatura cênica intitulada "Tybyra: uma tragédia indígena brasileira". Já a Pabllo Vittar  a drag queen mais influente do mundo contemporâneo  é criação artística de um rapaz gay nascido também no Nordeste do Brasil. Do começo ao fim da história do país do Carnaval (e da Parada Gay), a comunidade LGBT+ tem mostrado a potência, a criatividade e a beleza de um mundo focado na vida e nos bons encontros. Toda perversão ou pecado associados à comunidade LGBT+ nada mais é do que a reposição do espírito colonial vestindo a bata branca de um falso Estado laico.

A garantia do direito à cultura para a comunidade do Vale do Arco-Íris, assim como o direito ao uso e reconhecimento do nome social ou o direito a denunciar casos de LGBTfobia, não deveria mais ser uma questão do tipo "por que garantir?", mas sim do tipo "como garantir?". Tal qual o processo de reparação histórica dos negros e o processo de retomada dos povos originários, trata-se aqui de um processo de reparação sociocultural, o que Juão Nyn chamou de retomada do imaginário como território. É preciso garantir o direito à cultura LGBT+ para que o Brasil deixe de ser o país que mais mata pessoas Pride, ao mesmo tempo que é o país que mais consome entretenimento adulto sobre esta população na internet.

Segundo o princípio da igual dignidade e do respeito a todas as culturas, prevista na Convenção sobre a proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais da Unesco, as minorias também precisam ter suas variadas formas de expressões e manifestações protegidas e promovidas, assegurando o reconhecimento de sua dignidade e respeito à diversidade. As minorias, como a população LGBT+, são sujeitos de direitos culturais, que precisam ter sua vida e sua dignidade respeitadas, em sua diversidade, incluindo não só suas práticas artísticas, mas também os modos de existir, de resistir e de re-existir.

Autores

  • é originário de Comunidade Eclesial de Base (CEB) com formação técnica em Finanças, mestre em Filosofia, doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), membro da rede Embaixadores da Juventude, formado pelo escritório da ONU sobre Drogas e Crimes (Unodc), periférico, miscigenado, LGBT+ e atua profissionalmente com produção cultural, arte-educação e acessibilidade (principalmente audiodescrição e Libras).

  • é mestre em Ensino e Formação Docente, advogado, professor de Educação Física, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/Unifor) e secretário executivo do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

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