Opinião

Fôlego dos candidatos a concursos públicos no julgamento da Rcl 48.908/RJ

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30 de junho de 2022, 14h03

Espalhou-se, nestes dias, rapidamente, a notícia de que o Supremo Tribunal Federal, por meio da 1ª Turma, teria autorizado a exclusão de candidato, em concurso público, com inquérito ou ação penal em tramitação, em patente violação ao princípio da presunção de inocência. As chamadas em Instagram e sites jurídicos já anunciavam o dantesco overruling.

A notícia chocou os desavisados por algumas razões (particularmente duas):

Em primeiro lugar porque, embora o Supremo Tribunal Federal tenha, com efeito, demostrado constante falta de estabilidade em suas decisões (ou seja, o oposto de sua função precípua: stare decisis), tal matéria já continha certa sedimentação nas Cortes Superiores há muitos anos. O próprio STJ, há menos de um ano (RMS nº 47.528), também não titubeou em afirmar que tão-somente decisões condenatórias transitadas em julgado têm o condão de obstar o ingresso do cidadão, mediante concurso público, nos quadros funcionais do Estado.

Em segundo lugar, porque o próprio STF havia também sedimentado, há pouco mais de um ano, em sede de recurso extraordinário com repercussão geral (RE 560.900), entendimento diverso do que consta nos posts veiculados no Instagram. Não que fosse impossível esse inusitado overruling; mas, ao menos, improvável, principalmente no âmbito de reclamação constitucional.

Entretanto, esse choque aos desavisados exige uma visão microscópica, ou, no mínimo, alguns poucos minutos dedicados à leitura das peças dos autos, para demonstrar que o noticiado indica uma conclusão diversa do que fora julgado.

Tem-se que, na Rcl 48.908/RJ, em julgamento de 28/6/2022, a 1ª Turma do STF recebeu, como agravo interno, recurso de embargos de declaração contra a decisão monocrática da relatora ministra Cármem Lúcia e negou-lhes provimento. Portanto, restou inalterada a decisão monocrática.

Mas o que traz a decisão monocrática da relatora, publicada em agosto de 2021? Negou-se seguimento à reclamação, portanto não se adentrou ao mérito. E por quê?

A ministra não verificou a necessária identidade material entre a decisão reclamada e aquela apontada como paradigma, qual seja, o acórdão proferido pelo Plenário do STF, no RE 560.900, já mencionado, em que se resolveu o Tema 22 da Repercussão Geral ("Sem previsão constitucional adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal").

Conforme o relatório da decisão monocrática, a reclamação atacou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, ao julgar agravo interno, manteve inalterada a decisão da vice-presidência de inadmissibilidade do recurso extraordinário. Logo, não se tratava, igualmente, de adentramento à matéria de fundo, sobre a possibilidade, ou não, de exclusão de candidato que possua inquéritos e ação penais em curso.

Daí, forçoso é concluir que o Supremo, em rigor, em seu órgão fracionário, em momento algum revisou o precedente (e nem poderia fazê-lo); antes, pelo contrário, nem mesmo passaram a essa discussão, cingindo-se aos requisitos de admissibilidade da própria reclamação. Se, pela inadmissibilidade, passarmos a concluir pela revisão de precedentes, estaremos cada vez mais distantes de uma teoria dos precedentes.

De fato, contra a decisão poderiam ser apontados outros problemas, como os requisitos de admissibilidade erigidos pelo STF quanto à reclamação constitucional, a esticar o máximo possível o que se tem por "esgotamento da instância ordinária", ou mesmo a possibilidade de, sem exercício do contraditório e em violação à vedação de não surpresa, julgar embargos declaratórios como se agravo interno fosse.

No entanto, esses são outros problemas, possíveis de serem discutidos em outro espaço. Aqui, por ora, resta mantida a cláusula pétrea da presunção de inocência. E aos defensores do princípio, não seria custoso saber as razões da decisão antes do pré-julgamento. Aliás, presumir a inocência é um pacto civilizatório e vale em qualquer situação.

Fica, aqui, entretanto, nosso clamor por cautela ao divulgar-se posts decisórios em redes sociais. Em uma era de informação por via de minutos/segundos, temos o peso da responsabilidade em ser um freio de uma espécie de fake news jurídica.

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