Opinião

Ilegalidade de cobranças feitas por corretoras sobre aluguel de ações

Autor

  • Périsson Lopes de Andrade

    é advogado e investidor em São Paulo profissional de compliance mestre em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) com LLM em Direito Societário do Insper-SP e sócio de Périsson Andrade Massaro e Salvaterra Advogados.

28 de junho de 2022, 13h14

Possuo um número considerável de ações de IRBR3 (do Instituto de Resseguros do Brasil) e, como muito investidores desse ativo, que sofrem até o mesmo se recuperar, busquei ao menos obter alguma rentabilidade do dinheiro parado, por meio do aluguel dessas ações, em custódia da Itaú Corretora.

O aluguel de ações é relativamente novo no Brasil, ou ao menos assim o é a popularização do seu uso por investidores pessoas físicas como eu, e tem como objetivo, para o locador, chamado no jargão de mercado de "doador", obter uma renda previamente fixada, a cada operação de locação, por uma taxa percentual fixa, por determinado período, que pode, a depender do tipo de contratação, ser antecipado ou renovado por quaisquer das partes envolvidas ("doador" ou locatário). Para aquele que recebe o ativo locado, o objetivo é apostar na queda do papel, que ao final de determinado período deve ser devolvido ao doador, ao preço de mercado. Ou seja, especular, apostando na queda do preço.

E as instituições financeiras/corretoras têm se esforçado bastante para a popularização dessa operação, com vídeos, artigos, quadros demonstrativos das vantagens, e nos quais publicizam a isenção de quaisquer taxas nessa operação, informando, tão somente, que determinada cobrada módica é feita pela B3 (Bovespa) para garantir a segurança da operação. Se esquecem, todavia, de divulgar o principal, que, muito embora possam até não cobrar uma taxa de intermediação pela colocação dos ativos em pool de locação, participam como verdadeiras sócias do aluguel das ações do investidor, de um ativo que não lhes pertence e para o qual não contribuíram de qualquer modo, e, o melhor (ou pior), são sócias sem risco e, ao que me parece, nem custo tributário, já que o imposto fica ao cargo exclusivo do outro sócio, você e eu, na medida em que as cobranças dessa generosa participação de 30% do rendimento bruto do proprietários das ações aparecem sempre no extrato do banco como "corretagem-repasse devido", o que dá a entender que o acionista e a corretora/banco estariam numa espécie de consórcio, onde você paga a conta e o outro fica em verdade somente com lucros e sem risco algum, inclusive ganhando com a especulação que consiste no fundo o aluguel e a venda a descoberto de ativos. E tudo isso sem a menor transparência ao acionista, como exige a boa-fé, a honestidade e a própria CVM já teve a oportunidade de pontuar, como veremos a seguir.

Realmente, para a contratação de aluguel de minhas ações da querida e esperada fênix IRBR3, na modalidade de "doador" (a designação deve ter relação com o que acabamos doando à corretora), tive de assinar um termo, no qual não havia qualquer referência à cobrança de taxas ou de um "spread" de 30% do total bruto dos aluguéis recebidos. No app também nada, nos vídeos e nos artigos divulgados amplamente, só coisa boa, nenhuma referência à mordida desse quase um 1/3 do bruto, que junto com o IRRF, levam 50% do que é seu. Só no finalzinho de uma página entre mil, bem pequenininho, a famigerada e escorchante taxa aparece, o que aliás somente procurei e achei depois de muito pesquisar, pois nas partes que explicam a operação e as suas vantagens para o "doador", além dos vídeos sobre o assunto criados pelo marketing da corretora, como dito, só aparecem as vantagens e a falsa mensagem de ausência de custos.

Ocorre que essa verdadeira participação de 30% do bruto dos alugueis recebidos (ou até mais, dependendo da corretora), que quando as taxas de aluguel são pequenas nem se percebem, principalmente por se tratarem de operações recentemente difundidas entre os investidores pessoas físicas — que ficam contentes de receber qualquer remuneração, e até por isso, costumam não se preocupar — deveria ser extensivamente divulgada, por corolário da boa-fé e da transparência, para não falar da validade da contratação e da correspondente mordida. Só que as instituições financeiras certamente não devem achar ser uma efetiva estratégia de marketing e divulgação anunciarem que pretendem cobrar 30% de um aluguel que não lhes pertence e para o qual não contribuem, nem tampouco se empenham ou arriscam em nada, já que se trata de renda meramente passiva, devida a quem efetivamente investiu seus recursos no ativo alugado e que toma a integralidade do risco, ao alugá-lo, em vez de liquidá-lo sob a pressão de sua redução de valor no mercado vendedor.

É certo também que a Itaú Corretora e praticamente, se não todas, as outras Corretoras do país vêm efetuando essa cobrança em total desacordo não só com o razoável e as normas aplicáveis do Código de Defesa do Consumidor (que vedam o enriquecimento sem causa e exigem a transparência e o contrato claro e escrito para cobrança de quaisquer valores de clientes), mas também da própria CVM, por meio de seu Ofício-Circular SMI/04/20, que, dentre várias observações sobre a imprescindibilidade da transparência no relacionamento com clientes e principalmente na cobrança dos mesmos, estabelece, como condições para a cobrança de taxas (spreads de aluguel), o seguinte:

"10. O principal dever do intermediário é a transparência das informações.
11. Para tanto, o intermediário deve:
a) previamente à confirmação da operação, informar ao investidor todos os valores e percentuais envolvidos na operação de empréstimo de ações, incluindo aqueles que serão retidos pelo próprio intermediário; e
b) no momento da liquidação da operação, informar ao investidor todos os valores e percentuais envolvidos na operação de empréstimo de ações, discriminando o valor total, em recursos financeiros, recebido ou pago pela contraparte da operação, o valor cobrado pelo intermediário e o valor final pago ou recebido pelo investidor.
12. As informações elencadas nas alíneas 'a' e 'b' supra devem ser disponibilizadas pelo intermediário, de modo claro e objetivo, em sua página eletrônica, em sua plataforma de home broker, em seus aplicativos.
13. E com relação à específica operação de empréstimo, tais informações devem ser encaminhadas ao investidor, preferencialmente, por forma escrita, tais como e-mail ou aplicativos de mensagens.
14. Uma vez o investidor ciente dos valores e percentuais envolvidos na operação, a ordem do cliente poderá ser transmitida pelos meios admitidos na Instrução CVM nº 505/11, art. 12, dentre eles, por telefone, por e-mail, por outros sistemas de transmissão de voz ou de mensagens eletrônicas, devendo seus registros serem arquivados nos termos do art. 13.
15. Desse modo, previamente à realização e quando do encerramento da operação, o investidor terá pleno conhecimento não só do valor que a ele será devido, se doador, ou do valor que a ele será cobrado, caso tomador, mas também dos valores que serão retidos pelo próprio intermediário com o qual mantém relacionamento comercial. 16. De posse de tais informações, o investidor tenderá a manter relacionamento comercial com intermediário que atenda às suas expectativas, incluindo as operações de empréstimo."

Como se vê, a corretora Itaú (e praticamente todas, conforme pude apurar) está totalmente em desacordo com as regras acima, as quais derivam, primeiramente, do dever e do princípio máximo da boa-fé e da transparência, sem as quais nenhuma cobrança é válida/devida, já que nosso sistema não compactua com esse tipo de cobrança/contrato-surpresa, em vista da necessária previsibilidade e segurança jurídica das relações públicas e também privadas.

Além disso, verifiquei que o Itaú me cobrou, em vários meses (senão todos), um percentual acima dos 30% cuja informação está escondidinha num cantinho de uma de suas mil páginas (35-40% em alguns casos).

Por esse motivo, notifiquei o banco-corretora para me informasse todos os lançamentos da corretora em minha conta-corrente, já que só tive acesso pelo site dos lançamentos dos últimos seis meses, desconfiando que as cobranças indevidas vêm ocorrendo há mais tempo. Pedi tais informações como cliente e também com base na Lei de Acesso à Informações, além do Código de Defesa do Consumidor, Código Civil Brasil e demais legislações pertinentes à espécie.

Até o momento, recebi em resposta às minhas indagações, um eloquente silêncio.

Pretendo e perseguirei, por todos os meios legais, inclusive judiciais, a devolução da integralidade desse "repasse" exagerado, indevido e não contratado, tudo isso em dobro, já que se cuidam de cobranças indevidas.

E com relação às cobranças futuras, como não concordo que a corretora cobre 30% de um aluguel a mim pertencente (além da taxa absurda, os ativos são meus e não do banco e este ainda se vale da minha obrigação fiscal, para provavelmente não recolher tributos sobre o que qualifica como "repasse", como se tratasse de despesa e não de receita sua tributável), pedi também na referida notificação que entrem em contato previamente a cada negociação de novos aluguéis ou de sua renovação, para negociarmos com transparência a taxa de intermedição de alugueis futuros, pois intermedição, que informam maliciosa e falsamente ser zero, seria um meio muito mais justo de remuneração de seus serviços, do que essa retenção/repasse indevidos (com termo ainda de spread, não sei do que, já que os recursos/ativos são meus), e desde que negociada com lealdade e transparência.

Acredito na ilegalidade e também ser injustificável que corretoras de todo o país cobrem uma participação tão elevada sobre alugueis de ativos de minha titularidade e risco, e ainda mais sem prévio e claro aviso a seus clientes. E entendo que todo acionista, de qualquer companhia, que também alugue os seus ativos, deva fazer valer seus direitos, com base na já existente manifestação da CVM acima referida e em todo o arcabouço legal que proíbe o enriquecimento sem causa e a cobrança sem contrato claro e transparente, pois, do contrário, imagino que o próximo passo das corretoras talvez seja cobrarem participação (de 10, 20, 30% ou mais) sobre alugueis de fundos imobiliários ou quaisquer outros ativos de seus clientes, para os quais não contribuíram e sobre os quais devam cobrar somente o que lhes é devido, uma corretagem razoável, previamente fixada, anunciada e negociada com seus clientes, com transparência e concorrência. Para a CVM e a Receita Federal do Brasil (Deinf), os acionistas de todo o Brasil clamam por sua efetiva fiscalização e a correção dessa prática nociva ao mercado de ações brasileiro, contrário a todo o regramento de Compliance das próprias instituições envolvidas.

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  • é advogado e investidor em São Paulo, profissional de compliance, mestre em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), com LLM em Direito Societário do Insper-SP, e sócio de Périsson Andrade, Massaro e Salvaterra Advogados.

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