Opinião

Tributação da Selic na repetição de indébito tributário e modulação pelo STF

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20 de junho de 2022, 19h29

Parafraseando Carnelluti, o processo surgiu para pôr fim à guerra: "nasce o direito para que a guerra morra" [1]. O processo, ilustra o jurista italiano, é como que um substituto da guerra. E nesse duelo moderno, não mais quem vence é quem tem razão, mas quem tem razão é quem vence.

Muitas vezes as condutas imputadas pelo fisco aos contribuintes resultam no enquadramento de hipóteses na quais estes, os contribuintes, são compelidos a pagarem mais impostos e multas. Fazendo uso das "armas" processuais, é comum os contribuintes conseguirem provar o erro desses enquadramentos e a legitimidade de suas condutas — sagrando-se vencedores nesses "duelos".

Na hipótese de o contribuinte ter pagado tributos além do que deveria  seja em razão de enquadramento da autoridade fiscal, seja por equívoco na interpretação da lei  cujo equívoco tenha se constatado em definitivo, resta para ele o direito de ser ressarcido desses valores pagos equivocadamente. À ação que busca reaver do Estado tributante tributos tidos como indevidos, chamamos ação de repetição de indébito. Por meio dessa ação, busca-se, como se disse, fazer com que o fisco devolva o dinheiro pago além do devido pelo contribuinte.

Por força do artigo 39, §4° da Lei n° 9.250/95, a compensação ou restituição desses valores devidos pela União deverá ser acrescida de juros equivalentes à taxa Selic, o que, evidentemente, ocasiona um acréscimo no valor nominal a ser percebido pelo contribuinte.

Com base no §1°, do artigo 3° da Lei 7.713/88, artigo 17 do Decreto-lei 1.598/77 e no artigo 43, II, §3° do CTN, a União pretendia fazer incidir sobre esse acréscimo Imposto sobre a Renda auferida por Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), vendo ali um lucro do contribuinte, uma renda tributável, portanto.

A União apoiava-se ainda em decisão do STJ, proferida no julgamento do Recurso Repetitivo REsp 1.138.695-SC, que entendeu que os juros incidentes na repetição de indébito tributário, inobstante tratarem-se de juros moratórios, encontram-se dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa.

No STF, porém, a questão tomou um caminho diverso. Aquele Tribunal, seguindo entendimento do relator do caso, ministro Dias Toffoli, entendeu que, a prevalecer o entendimento da União, a taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito tributário sempre atrairia a incidência do IRPJ e da CSLL, o que descaracterizaria a natureza desses tributos bem como da própria taxa Selic.

Em seu voto, consignou que tanto o IRPJ quanto a CSLL não podem incidir sobre o que não seja acréscimo patrimonial, sendo, portanto, necessário concluir se o incremento do valor devido ao contribuinte na repetição de indébito tributário seria ou não verdadeiro acréscimo patrimonial (renda ou proventos de qualquer natureza acompanhada de um aumento de capacidade contributiva) ou apenas uma indenização reparatória.

Com base na leitura dos artigos 402 e 404 do Código Civil o ministro relator concluiu que os juros de mora (que compõem a Selic) designam indenização pelo atraso no pagamento de dívida em dinheiro, o que resulta em efetivo prejuízo à parte que suporta tal atraso, tendo, portanto, natureza de danos emergentes, sendo excluídos da incidência do IRPJ e da CSLL.

Por revestirem natureza de danos emergentes, os valores correspondentes à Selic não podem sofrer a incidência dos ditos tributos  ainda que a Selic possa também corresponder à lucros cessantes. A impossibilidade de separar o que são danos emergentes do que sejam lucros cessantes dentro da Selic faz com que a incidência do IRPJ e da CSLL recaia sobre o que não é acréscimo patrimonial, em manifesta desobediência ao artigo 153, III e 195, I, c) da Constituição.

As razões do ministro relator terminaram por ser acompanhadas por seus pares e o Tribunal fixou a seguinte tese: "É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário".

Em sede de embargos de declaração, aquele Tribunal fixou que a decisão se aplica apenas a valores recebidos em razão de repetição de indébito tributário, inclusive nos casos de compensação, seja na esfera administrativa ou na judicial. O Tribunal ainda modulou os efeitos da decisão, conferindo-lhe efeitos ex nunc, ou seja, não retroativos, a partir de 30/09/2021 (data de publicação do julgamento de mérito da questão), ficando ressalvadas as ações ajuizadas até 17/09/2021 (data de início do julgamento de mérito); e os fatos geradores anteriores à 30/09/2021 em relação aos quais não tenha havido o pagamento de IRPJ e CSLL a que se refere a tese da repercussão geral.

Em resumo, da decisão proferida naqueles embargos, pode concluir que os contribuintes que ajuizaram ações até 17/9/21, buscando o afastamento da cobrança de IRPJ e CSLL sobre valores correspondentes à Selic na repetição de indébito, tem reconhecido o direito de não pagar esses tributos e ainda podem repetir o indébito relativo aos recolhimentos que fizeram nos cinco anos anteriores à propositura da ação.

Os contribuintes que não recolheram IRPJ e CSLL sobre a Selic na repetição de indébito tributários, mesmo que em relação a fatos geradores ocorridos antes de 30/09/21, estão dispensados de fazê-lo.

O STF usa do instituto da modulação dos efeitos para evitar que decisões favoráveis aos contribuintes comprometam significativamente os cofres públicos, de modo que uma parte do conteúdo das decisões pode ter aplicação restringida apenas àqueles contribuintes que já ingressaram com ações versando o tema decidido. Por isso, é fundamental que os contribuintes estejam atentos e não esperem que aquela questão para a qual tem fundamento robusto e sério seja decidia pela Suprema Corte para ingressar com a ação.

[1] CARNELUTTI, Francesco. Como Se Faz Um Processo. CL Edijur. 1ª Edição, p. 13.

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