Opinião

Direito processual como instrumento de tutela mais efetiva dos direitos humanos

Autor

  • Luiz Henrique Sormani Barbugiani

    é procurador do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela USP (Universidade de São Paulo) e pela Universidade de Salamanca (ESP). Pós-doutor em História pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. Diretor de Estudos Jurídicos da Apep (Associação dos Procuradores do Estado do Paraná) membro da Comissão da Advocacia Pública da OAB-PR e professor de cursos de pós-graduação.

18 de junho de 2022, 12h02

Um dos mais importantes direitos consagrados nas Constituições nacionais e nos tratados internacionais, seja como direito fundamental, seja como direito humano, é o direito à informação. Particularmente reputamos ser esse um dos mais relevantes direitos ao lado da solidariedade que deve, por conseguinte, permear as sociedades na era contemporânea.

Numa acepção ampla, o direito à informação destaca a real possibilidade de acessar conteúdos plúrimos, por meio de diversos instrumentos tecnológicos, o que, por sua vez, pressupõe, inclusive, o direito amplo à educação, na medida em que, ao se extirpar o analfabetismo, a compreensão dos signos linguísticos assegura a inserção do ser humano nas relações sociais de maneira mais efetiva, com um exercício mais adequado do seu direito à cidadania. A educação aqui também deve ser apreciada em uma acepção ampla, não se restringindo apenas às noções de história, biologia, matemática, português, física etc. nos bancos escolares, mas, especialmente, a aquisição de conhecimentos relativos à sociologia, antropologia, direitos humanos e a compreensão geral da humanidade, com enfoque na diversidade e empatia que devem prevalecer nas relações sociais, bem como o treinamento em áreas como a computação e as demais formas de manipulação dos inúmeros avanços tecnológicos que se aperfeiçoam cotidianamente.

Em um aspecto mais restrito, o direito à informação refere-se também aos conhecimentos necessários aos profissionais, como, por exemplo, aos juristas para o fiel e eficiente desempenho do seu ofício. Na maioria das vezes que tratamos do tema "direitos humanos" frisamos sempre a importância do direito à informação, uma vez que no âmbito dos direitos humanos, se os indivíduos não tiverem conhecimento da existência do direito em si seria pouco efetivo consagrar tais direitos em normas legais, constitucionais e internacionais. De outro lado, a mera existência do direito e a compreensão dessa existência por parte dos indivíduos não assegura a sua aplicabilidade, caso, nas relações sociais, as pessoas lesadas em seus direitos não tenham acesso aos profissionais do universo jurídico (Advogados, Defensores Públicos, Ministério Público etc.) que venham a defender sua posição jurídica (alguma pretensão como autor ou a defesa de sua posição como réu) no âmbito do Poder Judiciário, em uma relação processual.

O conhecimento jurídico e, mais precisamente, no tocante ao acesso ao Poder Judiciário, o conhecimento em direito processual (civil, trabalhista, penal nacional e internacional) é de suma importância para a tutela, proteção e preservação dos direitos humanos e deve ser um objetivo comum dos juristas.

Quando se ressalta a essencialidade do direito ao amplo acesso ao Poder Judiciário para os indivíduos nacionais e estrangeiros em um Estado democrático de Direito supõe-se que eles tenham ciência dos seus direitos e que podem buscar a sua tutela por meio dos profissionais formados na ciência Direito. Esse raciocínio seria perfeito em um mundo ideal, mas, na realidade que nos circunda, a grande maioria da população desconhece seus direitos ou, ainda, apresenta uma visão superestimada ou subestimada deles, por isso a elevada importância de consultar os operadores do Direito antes de qualquer indivíduo se aventurar em uma demanda jurídica.

Apenas para exemplificar a dificuldade de compreensão dos limites do Direito podemos afirmar como um ponto de senso comum que toda decisão judicial é passível de recurso a um órgão judiciário ou Tribunal Superior. Todavia, se essa fosse uma verdade absoluta, os processos jamais terminariam, nem seria possível quantificar os números de tribunais, dada a infinitude do processo nesse contexto idealizado, o que geraria, por outro lado, uma injustiça inerente à ausência de duração razoável do processo. Como a Constituição Federal, no artigo 5⁰, XXXV, estabelece que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", o que se estabelece no processo, de fato, é a concepção de que não poderá haver recusa à submissão de uma questão ou controvérsia ao Poder Judiciário, contudo, não há uma previsão de que de toda decisão judicial caberá obrigatoriamente um recurso processual. Isso se denomina "princípio do duplo grau de jurisdição", mas essa regulamentação do acesso ao Poder Judiciário e aos recursos inerentes à sua movimentação depende do legislador infraconstitucional. Tanto essa assertiva é verdadeira que das decisões do Supremo Tribunal Federal, proferidas pelo Tribunal Pleno, em tese, não há previsão de recurso, salvo os embargos de declaração.

Como já nos manifestamos, recentemente, na obra "recurso ordinário constitucional", publicada em março de 2022, o princípio do amplo acesso à Justiça apresenta inúmeras dificuldades correlacionadas ao princípio do duplo grau de jurisdição e à eventual supressão ou condicionamento de recursos por meio do legislador infraconstitucional, merecendo a devida reprodução:

"(…) o próprio princípio do
amplo acesso à Justiça extraído da Constituição Federal, numa
acepção ampliada, vedaria, a princípio, a supressão do direito de
recorrer de uma decisão judicial.
Apesar disso, como não há uma previsão expressa no texto
constitucional, vigora o entendimento de que os recursos existentes e suas limitações ou condicionamentos para interposição devem ser regulados pela lei. Esse parâmetro permite que o legislador
ordinário possa restringir e condicionar os recursos dentro de parâmetros adequados e reputados legítimos pela análise sistemática de
nosso ordenamento jurídico.
A ausência de previsão expressa do princípio do duplo grau
de jurisdição no texto constitucional ainda gera inúmeras polêmicas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que detém a eminente função de interpretar os preceitos constitucionais, como um
guardião da Lei Fundamental.
Como o devido processo legal e a ampla defesa dependem de
regulamentação infraconstitucional, é usual que eventuais recursos
extraordinários que discutam essa matéria não sejam analisados
em decorrência da violação meramente reflexa à Constituição Federal"[1].

A par desses debates, todo direito apresenta certos limites e esses limites, no âmbito processual, permitem aos operadores do Direito planejar estrategicamente a sua postura processual com os meios de defesa e os instrumentos recursais mais adequados previstos em lei, mas esses mecanismos são finitos, inclusive para preservar o próprio Direito, com a efetiva pacificação social dos conflitos diante, por exemplo, da consagração de institutos como a coisa julgada, que impede a rediscussão da matéria julgada, ainda que existam algumas poucas hipóteses de sua relativização.

Na era hodierna, o conhecimento em direito processual e seu contínuo aperfeiçoamento por parte dos profissionais jurídicos se transformou na diferença entre uma maior probabilidade de êxito, com uma real “tutela efetiva” do direito material da parte, e uma derrota na demanda, por exemplo, por ausência de produção de provas ou inadequação da via processual eleita, sendo não apenas recomendável, mas totalmente exigível dos operadores do direito um contínuo estudo do direito processual em prol da defesa dos direitos humanos, não só em âmbito nacional, como também internacional, com a proliferação dos tribunais internacionais que apresentam normas processuais e procedimentais próprias.


[1] BARBUGIANI, Luiz Henrique Sormani. Recurso ordinário constitucional. São Paulo: Tirant lo Blach, 2022. p. 17.

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  • é procurador do Estado do Paraná. Doutor em Direito pela USP (Universidade de São Paulo) e pela Universidade de Salamanca. Pós-doutor em História pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.

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