Opinião

Danos morais e bloqueio de conta em rede social

Autor

  • Maria Luiza Baillo Targa

    é doutoranda e mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) especialista em Direito do Consumidor pela Universidade de Coimbra em Direito Francês e Europeu dos Contratos pela Université Savoie Mont Blanc em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela UFRGS em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e advogada sócia do RMMG Advogados.

14 de junho de 2022, 12h04

Em recente decisão [1], a 4ª Turma Recursal Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul afastou o pedido de indenização por danos morais decorrentes de bloqueio de conta supostamente comercial na rede social Instagram, embora tenha entendido que os motivos que ensejaram a suspensão da conta não estavam devidamente comprovados.

O Facebook (hoje Meta), empresa que administra o Instagram, sustentou que o usuário aderiu livre e espontaneamente às políticas e aos termos de serviço da rede social, de modo que eventual bloqueio de funcionalidades ou remoção definitiva de conta encontra amparo justamente nos termos aderidos. Por outro lado, a parte autora referiu que a desativação de sua conta se tratou de medida unilateral e que não lhe foi fornecida qualquer informação prévia sobre os motivos da medida, tampouco oportunizada a possibilidade de corrigir questão ou erro antes de efetivado o bloqueio.

A turma julgadora, tal qual a decisão de primeiro grau o fizera, ponderou que a relação firmada entre as partes é de consumo, sendo, pois, aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC). De tal sorte, competia à rede social comprovar, estreme de dúvidas, o porquê do bloqueio da conta, demonstrando a efetiva violação aos termos de uso do aplicativo. Fundamentou a decisão não apenas em virtude do disposto no artigo 6º, VIII, do CDC, que disciplina a inversão do ônus da prova pelo juiz (ope judicis) quando comprovada a verossimilhança das alegações do consumidor ou a sua hipossuficiência, como também diante do artigo 373, II, do Código de Processo Civil (CPC), que impõe ao réu o ônus de comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Porém, a 4ª Turma Recursal frisou que, apesar de a relação ser de consumo, compete ao usuário da rede social comprovar os fatos constitutivos de seu direito (nos termos do artigo 373, I, do CPC) e a verossimilhança mínima de suas alegações. Considerando que a situação por si só, isto é, o bloqueio de conta, não faz presumir o dano moral (in re ipsa), e que a parte autora não havia comprovado dano à sua honra, imagem ou nome, passível de indenização, afastou a condenação ao pagamento de danos morais fixada na sentença.

Sinteticamente, pode-se afirmar que a decisão colegiada reputa que a relação entre usuário e rede social é de consumo, reconhece a falha na prestação do serviço da rede social, porém afasta a indenização por danos morais diante da não comprovação do dano pelo usuário.

Efetivamente, o bloqueio de conta de usuário não acarreta per se danos de cunho extrapatrimonial, já que o consumidor é responsável pelo conteúdo de suas publicações — estando sujeito, inclusive, a denúncias de outros usuários — e tem de agir em conformidade com os termos de uso do aplicativo.

Por outro lado, se demonstrado que o bloqueio foi realizado unilateralmente, sem qualquer fundamento e sem que fosse oportunizada justificação pelo usuário ou exclusão de conteúdo impróprio ou em desacordo com os termos de uso, então preenchidos os requisitos para a responsabilização do fornecedor, uma vez que presente a conduta (a disponibilização do serviço), o defeito (o bloqueio injustificado da conta), o dano (impossibilidade arbitrária de utilização do serviço) e o nexo causal entre conduta e dano [2].

De se questionar, portanto, se a medida não ensejaria a reparação do usuário, posto que a responsabilidade pelo fato do serviço é objetiva [3] nos termos do artigo 14 do CDC, o que significa que o fornecedor sempre será responsabilizado se não provar a inocorrência do defeito (ou as demais excludentes de responsabilidade legalmente previstas), devendo arcar com as consequências da sua atividade [4], posto que o nexo de imputação da sua responsabilidade é o risco proveito, isto é, responde o fornecedor pelo risco da atividade desenvolvida diante do proveito econômico obtido [5].

Ressalte-se que o dano moral em sentido amplo abarca não apenas lesão aos direitos da personalidade como também todos aqueles danos que caracterizam uma agressão a bem ou atributo da personalidade [6]. Assim, mesmo que o bloqueio de conta não enseje dano moral in re ipsa, se comprovada a arbitrariedade da medida e a falha no dever de informação, seria possível cogitar a ocorrência de dano moral em tais situações.

Como se percebe a partir da análise do julgado ora em comento, as relações digitais de consumo são ainda um grande desafio para o aplicador do direito, ensejando muitas vezes mais dúvidas do que certezas, e mais perguntas do que respostas.


[1] BRASIL. Recurso Inominado Cível 71010310159 (0047565-32.2021.8.21.9000). Relatora: juíza Vanise Röhrig Monte Aço. Porto Alegre, 22/4/2022, DJe 27/4/2022.

[2] MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 6ª ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 581.

[3] MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 1348-1349.

[4] Não se trata de questão processual "de distribuição da carga probatória, mas de manifestação clara da opção feita pelo legislador no sentido de socializar a distribuição dos riscos" (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 179-180).

[5] MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade civil. 2 ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 274.

[6] "Os direitos da personalidade, entretanto, englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade. Nessa categoria, incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Resulta daí que o dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada. Como se vê, hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos — os complexos de ordem ética —, razão pela qual podemos defini-lo, de forma abrangente, como sendo uma agressão a um bem ou atributo da personalidade" (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012, p. 90).

Autores

  • é advogada no RMMG Advogados, doutoranda e mestre em Direito do Consumidor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialista em Direito Francês e Europeu dos Contratos pela Université Savoie Mont Blanc, em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela UFRGS e em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e membro do Grupo de Pesquisa Mercosul, Direito do Consumidor e Globalização.

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