Opinião

Direito de desistir de processo no TJ-RJ deveria ser amplo, mas não é

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13 de junho de 2022, 18h06

Dentre todas as críticas realizadas ao Poder Judiciário, o grande excesso de processos para a pouca quantidade de julgadores e que gera uma larga demora na tramitação das ações judiciais, sem dúvidas, é uma das mais realizadas. Logo, é evidente que qualquer medida que contribua para o "desafogamento" do judiciário deve ser incentivada e aquelas que caminhem no sentido contrário sejam duramente reprimidas. 

O Código de Processo Civil de 2015, assim como o anterior, é claro ao prever o direito de as partes desistirem do processo até antes da sentença ou do recurso já interposto, que, frise-se, pode ocorrer independentemente do consentimento da parte recorrida. Note-se que a desistência reflete em menos um processo que irá demandar a máquina judiciária e que consequentemente irá contribuir para o "desafogamento" abordado acima.

Atualmente, contudo, em que pese pareça ser evidente a clara falta de razoabilidade do normativo, no ano de 2007, o então presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aprovou o Enunciado Administrativo nº 24 do Fundo Especial, que prevê expressamente que não há a dispensa do pagamento das custas processuais nem mesmo em caso de desistências apresentadas antes da citação da parte ré:

"24- Não dispensa o pagamento das custas, nem autoriza a restituição daquelas já pagas:
a) a extinção do processo em qualquer fase, por abandono, transação ou desistência, mesmo antes da citação do réu, nos termos do artigo 20 da Lei nº 3.350/99;
b) a desistência de recurso interposto;
c) o recurso declarado deserto, seja por intempestividade ou por irregularidade no preparo, falta de preparo ou preparo insuficiente;
d) o cancelamento de distribuição inicial, por falta de pagamento do preparo no prazo devido."

Ou seja, mesmo que a parte ré sequer tenha sido intimada sobre a ação, caso a parte autora considere desistir do processo que propôs no Poder Judiciário, inegavelmente será coagida a continuar. Afinal, independentemente disso, já terá que arcar com as custas processuais relativas ao feito, frise-se, mesmo em ocasiões em que sequer houve de fato uma prestação jurisdicional.

A questão se torna ainda mais desarrazoada quando se está diante de um Tribunal de Justiça Estadual que possui um dos tetos mais elevados do País e que abre margem para o recolhimento de custas processuais que ultrapassam o valor de R$ 70 mil quando somado os valores necessários à citação das partes e demais atos processuais. É fato que o Enunciado Administrativo nº 24 do Fundo Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro representa uma grave afronta aos princípios processuais pátrios.

De acordo com a realidade prática, não é raro que, entre o lapso temporal existente entre a distribuição da ação inicial e o pagamento das custas processuais, as partes envolvidas cheguem a um consenso extrajudicial para a melhor resolução célere da situação, tornando desnecessária a continuidade da ação proposta. Logo, em tese, bastaria uma simples homologação de pedido de desistência a ser apresentado pela parte.

Acontece que, diante do enunciado ora combatido, necessariamente a parte deve considerar as custas processuais que irá ter que arcar até mesmo no caso em que sequer tenha ocorrido qualquer prestação jurisdicional, que pode ultrapassar os R$ 70 mil. Trata-se de uma verdadeira condenação prévia à parte que possui interesse em desistir. 

Note-se que o Enunciado Administrativo nº 24 do Fundo Especial prevê a imposição de recolhimento das custas processuais até mesmo para as situações em que houve o cancelamento da distribuição por falta de preparo, o que é verdadeiramente ilógico, pois se a ausência de distribuição ocorreu por essa razão determinar que ainda assim seja recolhido o montante é enriquecer ilegalmente, frise-se, quando sequer houve prestação jurisdicional.

Há precedentes tanto no âmbito da Justiça Federal como Estadual:

"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL  EXTINÇÃO DO PROCESSO  AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE CUSTAS INICIAIS  CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS  IMPOSSIBILIDADE.  Conforme dispõe o artigo 290 do NCPC, a ausência de recolhimento das custas iniciais enseja o cancelamento da distribuição, tratando-se de decisão de caráter meramente administrativo, porquanto exarada em fase pré-jurisdicional, pelo que se a ação sequer foi processada, não é razoável se falar em condenação ao pagamento de custas processuais na sentença extintiva. Ao contrário, incorrer-se-ia em inevitável paradoxo, uma vez que, se as custas fossem pagas, a consequência seria a distribuição da ação e não a sua extinção. (TJ-MG  AC: 10000181409061002 MG, relator: Maurício Soares, Data de Julgamento: 23/04/2020, Data de Publicação: 28/04/2020)

PROCESSO CIVIL. FALTA DE RECOLHIMENTO DAS CUSTAS. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. CONDENAÇÃO DO AUTOR AO PAGAMENTO DE CUSTAS. IMPOSSIBILIDADE. CASO DE CANCELAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO. 1(…)  Não faz sentido que seja cancelada a distribuição e, ainda assim, a parte tenha que arcar com o pagamento de custas. (…) 4. Apelação a que se dá provimento para afastar a condenação ao pagamento das custas. (TRF-1  AC: 00075980420104013811, relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO, Data de Julgamento: 27/11/2017, OITAVA TURMA, Data de Publicação: 26/01/2018)".

Ocorre que, atualmente, em atenção ao normativo em questão, juízes de 1ª instância do TJ-RJ estão mantendo a condenação em custas das partes que pediram desistência antes da parte Ré sequer ter sido citada  o que, entretanto, não foi revertido em 2º grau e demonstra o posicionamento consolidado do TJ-RJ quanto ao assunto.

É evidente, portanto, o claro contrassenso existente entre o Enunciado Administrativo nº 24 do Fundo Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e o interesse em desafogar o Poder Judiciário, além de macular de forma fatal o livre exercício ao direito de desistência das partes e abrir margem para o enriquecimento ilícito e sem causa do TJ-RJ.

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