Cúpula das Américas: ausência de agenda clara dos EUA para a América Latina
9 de junho de 2022, 13h02
O ano de 2022 é caracterizado pelo retorno das cúpulas e conferências internacionais. No continente americano, o período de 6 a 10 de junho será marcado pela 9ª Cúpula das Américas que acontece em Los Angeles, na Califórnia.[2]
Apesar de a administração Biden demonstrar maior interesse na América Latina, em comparação com a administração Trump, alguns temas contemporâneos podem ser elencados como relevantes na pauta de discussões. O primeiro se refere aos efeitos da pandemia de Covid-19 nas Américas.
Apesar de quase 70% da população na região se encontrar duplamente vacinada, existem sérias disparidades de acesso às vacinas, como é o caso do Haiti, que possui menos de 2% da população vacinada com duas doses.
Outro tema de grande importância é a mudança climática, cuja região é marcada por tempestades e ciclones, desmatamento da Amazônia, enchentes, e fortes períodos de seca, comprometendo a segurança alimentar e manutenção da produção agrícola. Acrescenta-se o cenário atual de crise econômica e recuperação pós-pandemia, com destaque para o aumento da inflação, altas taxas de desemprego, desigualdade sócio-econômica e déficit fiscal público.
Outro discussão relevante é a migração e as condições humanas de indivíduos que se arriscam em entrar ilegalmente nos Estados Unidos, como também relacionados às crises na Venezuela e Haiti, ocasionando a dispersão forçada de indivíduos.[3]
A Cúpula das Américas consiste em uma iniciativa dos Estados Unidos, tendo ocorrido inicialmente no governo Clinton no ano de 1994, em Miami, na Flórida. A cúpula ocorre a cada três anos e, por causa da pandemia, foi adiada para 2022.
À época, os Estados Unidos utilizaram da cúpula para publicizar o interesse em criar uma única área de livre comércio, a Alca — Área de Livre Comércio das Américas (Free Trade Area of the Americas, FTAA). O anúncio da intenção de criação, em 2001, com prazo de efetivação do bloco até 2005, teve forte oposição, principalmente do Brasil, uma vez que a área de livre comércio não considerava as diferenças econômicas entre os países americanos.
A abertura comercial promoveria uma entrada de produtos estrangeiros, principalmente dos países mais desenvolvidos, Estados Unidos e Canadá, a baixo custo em relação à produção da indústria nacional. Além disso, o Brasil e outros países do Cone Sul haviam optado pelo Mercosul, criado em 1992. Na década de 2000, as discussões foram encerradas.
Atualmente, já na terceira década do século 21, a cúpula enfrente forte divergência política. Os Estados Unidos, como anfitriões do evento no presente ano, não convidaram determinados países, tais como Cuba, Venezuela e Nicarágua, o que levou o boicote de outros países latino-americanos e caribenhos, como o México, Bolívia e Guatemala.[4]
Cuba havia participado da Cúpula em 2005, durante o governo Obama e sua política de retomada das relações diplomáticas com o governo cubano.[5] O próprio governo Bolsonaro esteve relutante em participar da cúpula, tendo aquiescido dias antes do evento.[6]
Contudo, o maior desafio para a atual administração Biden é a ausência de uma política externa dedicada à América Latina e Caribe. A forte presença do comércio e investimentos da China ultrapassou o anterior domínio comercial norte-americano na região. A título de exemplo, desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil é a China e essa realidade se estende à maioria das nações latino-americanas.
Enquanto que a China considera a América Latina como extensão dos seus investimentos da Nova Rota da Seda, ou mesmo a União Europeia tenha alcançado a finalização do texto do acordo de comércio Mercosul-UE em 2019, mesmo com divergências internas, os Estados Unidos não demonstram propostas de parcerias abrangentes sobre comércio e investimento na região.
Dessa forma, observa-se esta cúpula como uma tentativa de retorno do protagonismo norte-americano na América Latina, contudo, ainda se mostra incapaz de promover consenso regional, o que se observa pela oposição do governo mexicano em não comparecer ao evento, mesmo sendo membro do acordo USMCA (novo NAFTA), e pela ausência de uma agenda definida e clara sobre temas relevantes como energias renováveis, mudanças climáticas, investimentos em infraestrutura e comércio regional.
[2] ORGANIZATION OF AMERICAN STATES – OAS. IX Summit of the Americas. Los Angeles, 2022. Disponível em: <https://www.ixsummitamericas.org>. Acesso em: 04 jun. 2022.
[3] ROY, Diana. What’s at Stake for Biden at the 2022 Summit of the Americas. Council of Foreign Relations. May 27th, 2022. Disponível em: <https://www.cfr.org/in-brief/whats-stake-biden-2022-summit-americas>. Acesso em: 04 jun. 2022.
[4] WILKINSON, Tracy; SHANCHEZ, Cecilia. Mexican president unlikely to attend Summit of the Americas in L.A. next month. Los Angeles Times, May 27th, 2022. Disponível em: <https://www.latimes.com/politics/story/2022-05-27/mexican-president-unlikely-to-attend-summit-of-the-americas-in-l-a-next-month>. Acesso em: 04 jun. 2022.
[5] KAHN, Carrie. Many nations say they won't go to the Summit of the Americas unless all are invited. New Public Radio. May 24th, 2022. Disponível em: <https://www.npr.org/2022/05/24/1101040250/many-nations-say-they-wont-go-to-the-summit-of-the-americas-unless-all-are-invit>. Acesso em: 04 jun. 2022.
[6] G1. Bolsonaro aceita convite de Biden para participar da Cúpula das Américas nos EUA, diz Itamaraty. 26 de maio de 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/05/26/bolsonaro-aceita-convite-de-biden-para-participar-da-cupula-das-americas-nos-eua-diz-itamaraty.ghtml>. Acesso em: 04 jun. 2022.
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