Opinião

A operação-padrão da Receita Federal e os prejuízos causados às empresas

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9 de junho de 2022, 12h14

Desde dezembro de 2021, exportadores e importadores têm passado por inúmeras dificuldades tendo em vista a Operação Padrão adotada pela Receita Federal.

O órgão é responsável por fiscalizar todas cargas que entram e saem do país em aeroportos (sendo 35 terminais de passageiros e 41 terminais de carga), em portos (38 terminais, 44 instalações portuárias fluviais e 165 instalações portuárias marítimas);  na fronteira terrestre (27 postos de fronteiras e 10 delegacias); em 66 portos secos, sete centros logísticos industriais aduaneiros, três centros de distribuição de remessas postais internacionais e três polos de processamento de remessa expressas.

Suas atividades são da maior importância para todo país. Além de fiscalizar a cobrança de tributos que custeiam o Estado, a Receita Federal deve combater à sonegação fiscal e orientar os contribuintes. Seus auditores garantem a segurança nacional e o cumprimento das leis. Dentre suas responsabilidades está impedir o contrabando, descaminho, contrafação, pirataria, o tráfico ilícito de entorpecentes, tráfico internacional de armas de fogo e munições, lavagem de dinheiro e outros ilícitos. Sabemos das dificuldades do setor, cujo orçamento foi reduzido em 50% em 2022, segundo o Sindifisco Nacional.

No entanto, a paralisação parcial das atividades dos auditores fiscais causa prejuízos graves à economia nacional.

De acordo com dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) [1], 96% das empresas importadoras e exportadoras foram afetadas pela paralisação parcial dos auditores da alfândega. Os números levantados pelo CNI são alarmantes. Dos exportadores: 70,3% sofreram atraso no desembaraço das mercadorias, 37,8% observaram demora na inspeção das cargas, 34,2% tiveram que arcar custos adicionais de armazenagem e demurrage, 23,4% registraram atrasos na entrega de mercadorias a exportar, 3,6% tiveram que interromper a produção e 1,8% cancelaram os contratos.

Para os importadores a situação é igualmente dramática: 65,1% sofreram lentidão no desembaraço, 41,9% suportaram custos adicionais de armazenagem e demurrage, 31% observaram demora na inspeção das cargas, 7,8% interromperam a produção e 4,7% tiveram contratos cancelados.

Além de causar diversos prejuízos financeiros aos importadores, a demora na conclusão do despacho aduaneiro contraria o disposto no do Decreto 70.235/72, que rege o processo administrativo fiscal federal.

O referido Decreto dispõe, em seu artigo 7º, inciso III, que o procedimento fiscal tem início com o começo do despacho aduaneiro da mercadoria importada [2], ou seja, com o registro da Declaração de Importação no sistema Siscomex. E em seu artigo 4º determina que "salvo disposição em contrário, o servidor executará os atos processuais no prazo de oito dias" [3].

Por isso, em que pese o direito de greve, as autoridades alfandegárias têm obrigação de concluir o despacho aduaneiro de importação no prazo de oito dias.

Essa conclusão é confirmada pela jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, assim como outras cortes federais, determina que o desembaraço aduaneiro seja feito no prazo previsto em lei de oito dias, a fim de não prejudicar o livre exercício à atividade econômica. Confira-se:

"ADUANEIRO. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. MOVIMENTO GREVISTA. CANAL VERMELHO. PRAZO. ARTIGO 4º DO DECRETO Nº 70.235/72. REMESSA DESPROVIDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.
 Cabível o reexame necessário, ex vi do artigo 14, §1º, da Lei nº 12.016/09.
 Não pode o movimento paredista prejudicar a liberação de mercadorias importadas, dado que a descontinuidade do serviço, considerado essencial, pode acarretar sérios prejuízos aos administrados, ao criar óbice ao pleno exercício de sua atividade econômica. Precedentes.

O Decreto nº 70.235/72, ao dispor sobre o procedimento administrativo fiscal, estabeleceu que os atos processuais devem ser executados no prazo de oito dias.

Registradas as declarações de importação e atendidos os requerimentos feitos pela autoridade aduaneira, a paralisação do desembaraço de modo injustificado contraria postulado constitucional da eficiência previsto no artigo 37 da CF. Precedentes.
 Remessa oficial desprovida. Apelação parcialmente conhecida e desprovida". (ApCiv  APELAÇÃO CÍVEL  5012293 95.2018.4.03.6100, desembargador Federal Andre Nabarrete Neto, 4ª T, 07.12.2021, DJ 10.12.2021).
"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. DESPACHO ADUANEIRO. CANAL VERMELHO. ENTREGA ANTECIPADA. DESCABIMENTO.
1. Está pacificado no âmbito desta Corte que, à míngua de disposição legal específica na fixação do prazo para o desembaraço aduaneiro de mercadorias parametrizadas para o canal vermelho, deve ser observado o prazo de oito dias, na forma do artigo 4º do Decreto 70.235/72, em observância ao princípio da eficiência da Administração Pública.

2. No caso dos autos, demonstrado que as mercadorias parametrizadas para o canal vermelho, estão sem movimentação há mais de oito dias, não merece reparos a decisão agravada que, diga-se, tão somente fixou prazo para que a Receita Federal prossiga com o despacho aduaneiro até sua conclusão, sem qualquer determinação de liberação imediata da mercadoria".
(TRF 4ª Região, AI 5042939-33.2015.4.04.0000, Terceira Turma, relatora Marga Inge Barth Tessler, j. em 10.12.2015).

"TRIBUTÁRIO. DESPACHO ADUANEIRO. CANAL VERMELHO. CONFERÊNCIA FÍSICA. PRAZO. ARTIGO 4º DO DECRETO Nº 70.235/72. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.
1. Embora o Regulamento Aduaneiro estabelecido pelo Decreto n º 4.543/02 não tenha fixado prazo para a conclusão do despacho de importação que envolve a conferência aduaneira, e visto que o artigo 80 da IN/SRF 206/2002 revogou o artigo 25 da IN/SRF 69/1996, que previa prazo de cinco dias para conclusão do despacho de importação encaminhado ao canal vermelho, tem-se que deve ser respeitado o prazo de 8 dias contido no artigo 4º do Decreto nº 70.235/72.
2. Não é aceitável, diante dos princípios constitucionais do artigo 37 da CF/88, notadamente o da eficiência, que o importador fique desamparado diante da máquina estatal, sem saber qual o prazo para o exercício da fiscalização aduaneira e, consequentemente, do prazo para que seja encerrada esta fiscalização. Excetuados, apenas, os casos especiais, expressamente previstos na legislação aduaneira, tais como os de procedimentos especiais de controle aduaneiro, previstos nos artigos 65 a 69 da IN/SRF 206/2002 (suspeita de irregularidades)".
(TRF 4ª Região, REO 5020006-23.2012.4.04.7000, Primeira Turma, relator Joel Ilan Paciornik, j. em 28.11.2013).

O princípio da eficiência do artigo 37 e a necessidade de continuidade dos serviços públicos essenciais justificam que o despacho aduaneiro de importação seja realizado no prazo legal, sem prejuízos aos contribuintes. Nesse sentido é a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DEFERIMENTO DE LIMINAR. LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS IMPORTADAS. GREVE DE SERVIDORES. DIREITO AO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL NÃO CONFIGURADA. Não cabe ao particular arcar com qualquer ônus em decorrência do exercício do direito de greve dos servidores, que, embora legítimo, não justifica a imposição de qualquer gravame ao particular. Devem as mercadorias ser liberadas, para que a parte não sofra prejuízo. Recurso não conhecido. Decisão unânime".
(Resp  RECURSO ESPECIAL – 179255 1998.00.46178-7, FRANCIULLI NETTO, STJ  SEGUNDA TURMA, DJ DATA:12/11/2001 PG:00133 LEXSTJ VOL.:00149 PG:00112 RSTJ VOL.:00153 PG:00187)

A atividade alfandegária é serviço público indispensável, que deve atender ao princípio da continuidade. Assim sendo, a paralisação dos auditores responsáveis pelo despacho aduaneiro de importação e exportação não deve causar prejuízos aos particulares e ao livre exercício da atividade econômica [4].

Com base nos argumentos antes expostos, importadores e exportadores que estão na iminência de sofrer prejuízos financeiros, em decorrência dos atrasos no despacho aduaneiro, devem socorrer-se do Poder Judiciário.


[2]  Artigo 7º O procedimento fiscal tem início com:
(…)
III – o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada

[3] "Artigo 4º Salvo disposição em contrário, o servidor executará os atos processuais no prazo de oito dias".

[4] TRF 3ª Região, Terceira Turma, Reenec  Remessa Necessária Cível  368667  0012982-41.2016.4.03.6119, relator desembargador Federal Nelton Dos Santos, Julgado Em 16/08/2017, E-Djf3 Judicial 1 Data:21/08/2017; RemNecCiv  REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL  5000787-65.2018.4.03.6119, TRF4, relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, j. 18.12.2012; Rem. Nec. Civ. 0000001-92.2017.4.03.6135, desembargadora Denise Aparecida Avelar, DJ 21.08.2020, DJ 26.08.2020; TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO  5006047-79.2020.4.03.0000, relator desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 04/02/2022, Intimação via sistema DATA: 11/02/2022; TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI  AGRAVO DE INSTRUMENTO – 5014470-96.2018.4.03.0000, relator Juiz Federal Convocado JOSE EDUARDO DE ALMEIDA LEONEL FERREIRA, julgado em 31/01/2019, Intimação via sistema DATA: 01/02/2019; TRF3, ApReeNec 00109972120124036105, QUARTA TURMA, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 20/03/2018; TRF 3ª Região, 4ª Turma, RemNecCiv  remessa necessária Cível – 500037460.2019.4.03.6105, relator desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 30/06/2020, Intimação via sistema DATA: 01/07/2020.

Autores

  • é mestre e doutora em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), professora de Direito Tributário e Aduaneiro da Associação Paulista de Estudos Tributários (Apet), do Instituto Brasileiro Direito Tributário (IBDT), do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet-SP) e outras instituições de pós-graduação e sócia de Okuma Sociedade de Advogados.

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