Independência do Judiciário

Manifestações de protesto em frente a casas de juízes podem ser ilegais nos EUA

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8 de junho de 2022, 17h44

A reação do presidente Joe Biden às manifestações de protesto em frente à casa de alguns ministros da Suprema Corte, por causa da esperada revogação do precedente que legalizou o aborto em todo o país, foi a de que elas são aceitáveis, desde que pacíficas. Afinal, manifestações de protesto fazem parte do processo democrático.

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Mas, para juristas consultados pelo jornal The Washington Post, não é bem assim. Basicamente, eles dão e ideia — embora não haja uma decisão específica das cortes sobre isso — de que os juízes não podem sofrer influências políticas ou intimidações. Pressionar, atacar ou ameaçar juízes e ministros dos tribunais superiores, porque tomam decisões que não agradam uma das partes, é uma afronta à independência do Judiciário.

Em outras palavras, os juízes devem sustentar suas decisões nas leis do país, não nas leis dos manifestantes (mob laws) ou mesmo na opinião pública.

Assim, há uma diferença entre protestar em frente a casas de políticos e em frente a casas de membros do Judiciário. Portanto, manifestação de protesto em frente a casas de ministros da Suprema Corte é "provavelmente ilegal", dizem os juristas.

Em termos de legislação, não há nada novo. Uma lei de 1950, estabelece que é ilegal, com o intento de influenciar qualquer juiz: (1) fazer piquetes ou manifestações em frente ou perto de prédio ou residência ocupada por juiz, jurado, testemunha ou oficial de justiça; (2) ou com tal intento, recorrer a qualquer demonstração em frente ou perto de tal prédio ou residência.

A especialista em direito de assembleia e protestos pacíficos (previstos na Primeira Emenda da Constituição) Tabatha Abu El-Haj, professora da Faculdade de Direito da Drexel University, opinou que essa lei se aplica aos protestos em frente às casas dos ministros. E que, se a lei for julgada, provavelmente será considerada constitucional.

"A lei parece se aplicar ao caso, porque os piquetes e manifestações ocorrem com o intento relevante e nos locais relevantes e também porque a lei tem o aspecto abrangente de recorrer a qualquer demonstração em frente ou perto de tal prédio ou residência."

O professor do College of William & Mary, Timothy Zick, que está escrevendo um livro sobre a lei do protesto público, com o título de "Managed Dissent: The Law of Public Protest", concorda:

"A conduta parece estar dentro da proibição da lei. Fazer piquetes inclui atividades como demonstrar e protestar. A corte tem sustentado restrições apropriadamente estabelecidas a piquetes que visam uma casa em particular."

A Suprema Corte tomou uma decisão similar em 1988 (em Frisby v. Schultz). Manteve uma lei de Wisconsin que proibiu manifestações de protesto visando uma casa específica, embora os manifestantes tinham permissão para marchar em certa vizinhança. Em 1965, a corte manteve uma lei de Louisiana que ecoou uma lei federal que proibia piquetes em frente a cortes.

"Um estado pode adotar salvaguardas necessárias e apropriadas para assegurar que a administração da justiça, em todos os estágios, seja livre de influências e controles externos. Uma lei estreitamente concebida, como a que está sendo julgada, é obviamente uma salvaguarda necessária e apropriada para justificar o interesse do estado em assegurar a justiça de acordo com a lei", diz a decisão.

O caso não se referiu especificamente à proibição de protestos em frente à casa de um juiz ou de outra parte em um procedimento jurídico, mas manteve uma lei que parece envolver esforços potencialmente menos problemáticos para influenciá-lo, segundo o Washington Post.

A Suprema Corte tem sugerido repetidamente que protestos contra procedimentos judiciais devem ser considerados diferentemente, porque podem impactar procedimentos não políticos ou até mesmo criar a aparência de influência política ou intimidação, no caso de decisões que deveriam se basear somente na lei, não na opinião pública.

"Não há espaço, em qualquer estágio de procedimentos judiciais, para tal intervenção. A 'mob law' é exatamente a antítese do devido processo", escreveu a corte em Cox v. Louisiana. "Considerações inteiramente diferentes se aplicariam se, por exemplo, os manifestantes fizessem um piquete de protesto contra as ações de um prefeito ou de outra autoridade da cidade, que não tivessem relação com qualquer procedimento judicial."

Há exceções. Em 1983, a Suprema Corte restringiu (em U.S. v. Grace) uma lei federal que proibia a exposição de bandeiras, faixas ou quaisquer dispositivos para chamar a atenção do público para um partido, organização ou movimento em frente da corte ou em sua volta.

A corte decidiu que a lei era inapropriadamente aplicada com relação às calçadas ou terreno da Suprema Corte, que representam “fóruns públicos”, onde o direito à liberdade de expressão deve ser assegurado. Para o jornal, no entanto, parece improvável que a rua em frente à casa de um ministro seja considerada um “fórum público”.

Segundo o Washington Post, é possível que os manifestantes irão, apesar das possíveis restrições legais, continuar com os protestos, mesmo que sejam considerados atos de desobediência civil (punidos com multa e até um ano de prisão). Afinal, a Suprema Corte está cada vez mais politizada e a maioria da população vê o Judiciário, atualmente, como mais um braço político do governo.

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