Opinião

Como a governança corporativa deve lidar com a divulgação do processo societário

Autor

  • Leonardo Barém Leite

    é sócio sênior do escritório Almeida Advogados especialista em Direito Societário e Contratos fusões e aquisições governança corporativa sustentabilidade ESG e compliance e presidente da Comissão de Direito Societário Governança Corporativa e ESG da OAB-SP/Pinheiros.

8 de junho de 2022, 19h22

A delicada, e por vezes estratégica, amplitude da transparência nas organizações está novamente em debate; e ganha novo fôlego no mercado de capitais, revisitando diversos pontos importantes sobre o que influencia na tomada de decisão dos investidores.

Até que ponto os conflitos societários devem ser exclusivamente privados/sigiloso? E quando devem ser informados, divulgados e compartilhados com os mercados, em nome da transparência e das melhores práticas de Governança Corporativa?

Nosso sistema jurídico contempla algumas maneiras para que os conflitos societários sejam equacionados do processo judicial tradicional (com o acesso ao Poder Judiciário) às formas alternativas de solução de controvérsias, como: a conciliação, a mediação e a arbitragem, todas essas com suas próprias características e peculiaridades, e seus prós e contras.

Cada uma das formas acima mencionadas tem o seu próprio rito e fluxo, e uma das questões sempre sensíveis e que permeiam a tomada de decisão sobre o caminho a seguir é precisamente o fator publicidade, mais presente em umas do que em outras, nas quais se consegue o sigilo.

E justamente o sigilo, que as organizações tanto valorizam, em seus segredos comerciais, estratégias de negócios e movimentos em geral, por vezes, vivenciando até mesmo os vazamentos e as espionagens industriais, ganha maior relevância em termos de mercado de capitais, quando se relaciona ao grau e informação que o mercado deve receber sobre questões societárias.

O universo corporativo sadio sabe que a transparência é um dos pilares da sustentabilidade e das melhores práticas da boa governança, mas existem limites para a divulgação de informações aos mercados, por exemplo, quanto à existência de processos judiciais ou arbitragens relativas a questões societárias.

Esse é um dos principais e mais polêmicos temas do direito societário neste momento, em especial, no tocante ao mercado de capitais brasileiro, juntamente à questão do voto plural, das assembleias gerais híbridas e da necessidade de se aprender a lidar com a sustentabilidade e o ESG de maneira mais profunda.

Para os defensores do mercado consciente, receber todas as informações necessárias para a tomada de decisão, por exemplo, quanto a comprar, manter a posição ou vender valores mobiliários, evitando ao máximo possível a assimetria de informações ou mesmo o "insider information and trading", a total transparência é necessária e justa.

A grande questão, é saber se deve haver limites e/ou critérios para a divulgação plena desses embates societários, que podem, muitas vezes, distorcer mercados, passar a impressão equivocada de haver problemas onde talvez não exista, ou mesmo confundir investidores quanto à gravidade de processos que podem apenas se tratar de uma "cortina de fumaça" ou estratégia.

Seguindo essa linha de pensamento, deveria haver alguma categoria de análise prévia, algum filtro, até certo juízo de valor sobre o que, e quando divulgar aos mercados. Ou, por outro lado, esses filtros seriam ou poderiam ser instrumento de censura, de poder ou de abuso de posição por quem os aplique?

Muitos dirão que cada caso é um caso, e que esses pontos podem ter análise e aplicação distintas conforme as suas peculiaridades. Ao passo, que outros defenderão que a avaliação dos eventuais processos e procedimentos arbitrais societários divulgados, deve ser efetuada, justamente pelo investidor, a quem cabe acreditar ou não, e levar em conta ou não.

O tema que já vinha sendo bastante debatido entre advogados especializados em direito societário, mercado de capitais e governança corporativa, bem como entre diversas das principais instituições que lidam com as empresas e os mercados, ganhou novo impulso com a divulgação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de seu atual entendimento sobre a questão.

A Resolução CVM 80, que entrou em vigor no início de maio de 2022, aborda o registro e a divulgação de informações (periódicas e/ou eventuais) dos emissores de valores mobiliários, e aqui destacamos a questão das informações sobre processos relativos a temas societários, tanto objeto de processos judiciais quanto de procedimentos arbitrais, envolvendo os emissores, seus acionistas e/ou administradores.

Naturalmente, as normas devem ser cumpridas, de forma que a referida resolução precisa ser respeitada e seguida pelas empresas, pelos acionistas e pelos administradores, a quem se recomenda toda a atenção para conhecer o texto em sua plenitude.

A resolução indica, por exemplo, os critérios de data (de início das demandas societárias que devem ser divulgadas), prazos a serem observados, as categorias de demandas englobadas, alguns parâmetros para a divulgação (inclusive quanto ao que pode ou não ser mantido em sigilo), e ainda apresenta uma interpretação própria quanto ao sigilo das arbitragens.

A própria questão da sustentabilidade corporativa plena, que também se baseia na transparência das questões, dos movimentos e das escolhas das organizações, reforça a importância de que os mercados e a sociedade em sua totalidade, devem ter acesso a tudo o que influencie na tomada de decisão.

Trata-se de um tema bastante importante, delicado, complexo e polêmico, com diversas questões a serem bem avaliadas pelas empresas, pelos acionistas e por seus advogados, em cada caso. Razão pela qual, chamamos a atenção de todo o mercado.

A norma ainda é recente, e devemos seguir acompanhando os movimentos, tanto das empresas quanto dos mercados, as reações dos investidores ao que venha a ser divulgado, e eventuais negativas de divulgação/informação que ocorram, e que certamente atrairão a atenção e a ação da CVM.

Acredita-se ainda, que os mercados precisarão aprender a avaliar a magnitude, e a efetiva influência (ou não) de questões societárias sobre a saúde, a sustentabilidade e o futuro das organizações em função de embates dessa natureza, e em que medida devem (ou não) afetar as cotações dos valores imobiliários.

E a grande questão aqui exposta, sobre a transparência a despeito da nova resolução que deve ser cumprida continua firme, delicada e polêmica.

Ainda por algum tempo devemos nos deparar com a pauta quente que discute se a boa governança corporativa e a saúde dos mercados devem seguir defendendo a plenitude da transparência e a informação total a todos os interessados; sobre tudo o que acontece nas organizações e que lhes afeta, ou se precisaremos debater ainda mais a respeito da necessidade, ou a possibilidade, de alguns critérios e de limites à transparência, em benefício das próprias empresas e dos mercados.

Autores

  • é sócio sênior do escritório Almeida Advogados, especialista em Direito Societário, M&A, Governança Corporativa, ESG, Contratos, Projetos e novos negócios, "Compliance", Direito Corporativo e árbitro corporativo.

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