Opinião

Direitos culturais no coração nos direitos humanos

Autor

  • Anita Mattes

    é doutora pela Université Paris-Saclay mestre pela Université Panthéon-Sorbone professora nas áreas de Direito Internacional e Patrimônio Cultural cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca e conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

8 de junho de 2022, 14h12

No atual momento histórico mundial, marcado por uma profunda crise sanitária e econômica, pela volta de estado de guerra na Europa, além de riscos efetivos de escassez global de alimentos, parece mais que oportuno discutirmos e recolocarmos a cultura e os direitos culturais como elementos estratégicos para a plena realização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.

E foi com esse objetivo que o "Grupo de Friburgo", composto por especialistas de vários países que trabalham há mais de 20 anos na criação, adaptação, difusão e efetividade da "Declaração de Friburgo" sobre os Direitos Culturais, resolveu realizar em Friburgo, na Suíça, mediante trabalhos intensos, uma rediscussão e o aprofundamento dos termos, dos novos princípios e uma eventual necessidade de uma nova declaração melhor adaptada aos temas atuais.

A Declaração de Friburgo é uma iniciativa da sociedade civil elaborada graças ao trabalho de muitos observadores, pesquisadores e especialistas de vários continentes, reunidos no Observatório da Diversidade e dos Direitos Culturais, vinculado à Universidade de Friburgo, à Organização Internacional da Francofonia, à Unesco e ao Conselho da Europa.

A versão atual do texto de 2007 reúne e esclarece direitos que já são reconhecidos, mas de forma dispersa, nos diversos instrumentos jurídicos internacionais. Além de ser extremamente reconhecida internacionalmente nos seus 15 anos de existência, foi traduzida, comentada e utilizada tanto por órgãos competentes das Nações Unidas, como serviu de inspiração legislativa para vários países.

Desta vez, a principal preocupação das discussões no evento foi saber se diante das atuais emergências mundiais, da escalada e o agravamento de conflitos internacionais, a dimensão cultural dos direitos humanos pode ser fator relevante para obtenção da paz e busca da diminuição das desigualdades — sociais, econômicas, territoriais, raciais, de gênero e tantas outras —, principalmente nos países em desenvolvimento, como o Brasil.

Com esta inquietação, os debates partiram de uma nova análise dessa dimensão cultural. Isto é, os Direitos Culturais situados agora no coração dos Direitos Humanos. Como esclarece Patrice Meyer-Bisch [1], a tese do Grupo de Friburgo é que se os direitos humanos constituem o pilar principal da democracia, os direitos culturais têm a função de se inserir no âmago de seu sistema de direitos civis, sociais e coletivos [2].

Assim, algumas linhas importantes foram redefinidas e discutidas como ponto de partida de uma análise mais profunda e ampla da dimensão dos Direitos Culturais. Isto é, a dimensão cultural a partir da consagração dos direitos fundamentais, que incluem novas proporções como o direito à liberdade de expressão, à participação na vida cultural e aos espaços públicos, direito à alimentação, à habitação e paisagem, direito ao trabalho e outros

Como bem argumenta o Professor Humberto Cunha em artigo recente no tocante à importância da Declaração de Friburgo em reafirmar os Direitos Culturais [3], trata-se de um documento ousado quando comparado com os seus congêneres tradicionais — Magna Carta ou Declaração Francesa — e com forte componente ético.

Realmente, é muito desafiador e quiçá utópico, pensarmos no desenvolvimento dos Direitos Culturais como catalisador de nova análise do caráter fundamental da dimensão cultural de todos os direitos humanos e das liberdades fundamentais. Mas não devemos deixar de sonhar e esse sonho para o Grupo de Friburgo continua sendo o combustível e a essência fundamental na busca de uma sociedade mais justa, igualitária e pacífica.


[1] Coordenador do Instituto Interdisciplinar de Ética e Direitos Humanos e Cátedra Unesco em Direitos Humanos e Democracia, Universidade de Friburgo, Suíça e coordenador do Grupo de Friburgo.

[2] https://droitsculturels.org/observatoire/2018/10/15/les-droits-culturels-au-principe-de-la-puissance-de-la-paix.

[3] https://www.ibdcult.org/post/declaração-de-friburgo-reafirmar-os-direitos-culturais.

Autores

  • é professora na área de Direito Internacional e Patrimônio Cultural, cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca, doutora pela Université Paris-Sanclay, mestre pela Université Panthén-Sorbone, conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e advogada do Studio Mattes.

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