Opinião

MP 1.119/2022 e os novos critérios de cálculo do benefício especial

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7 de junho de 2022, 6h32

Após um angustiante período de espera, os servidores federais da União, além de integrantes das carreiras da magistratura federal, Ministério Público Federal, Defensoria Pública Federal, Tribunal de Contas da União, servidores do Legislativo federal, que tomaram posse antes de entrar em vigor os regimes de previdência complementares de que trata a Lei 12.618/2012, poderão, pela primeira vez após a reforma da previdência decorrente da Emenda Constitucional 103 de 12 de novembro de 2019, ter a opção de migrar para as entidades fechadas de previdência complementar, consoante previsto no artigo 40, §15 da Constituição — Funpresp-Exe, Funpresp-Jud, e Funpresp-Leg, a depender do Poder da República a que estejam vinculados.

Quem aderiu às entidades fechadas de previdência complementar a partir da Emenda Constitucional 103/2019, seja por ingresso por concurso ou por força de decisão judicial reabrindo o prazo de adesão, sabe que a natureza jurídica do Funpresp não é mais de natureza pública como determinava a Emenda Constitucional 41/2003, e que as entidades não serão mais necessariamente fechadas, mas podem também ser abertas, ou futuramente serem transformadas em abertas ou seccionadas entre parte aberta e fechada. Não vamos entrar nesse mérito no momento em razão das três irmãs Funpresp serem fechadas, ou seja, admitirem apenas pessoas vinculadas aos três Poderes da União.

A parte mais importante para os eventuais candidatos a migração são as alterações no cálculo do benefício especial. Conforme o normativo anterior, o benefício especial seria equivalente à diferença entre a média aritmética simples das maiores remunerações anteriores à data de mudança do regime, utilizadas como base para as contribuições do servidor ao regime de previdência da União, atualizadas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), correspondentes a 80% de todo o período contributivo desde a competência de julho de 1994, ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência, e o limite máximo do salário de contribuição do Regime Geral de Previdência Social, multiplicada pelo fator de conversão.

O fator de conversão é calculado com base na seguinte equação:

FC = Tc
         Tt

O "Tc — tempo de contribuição" é a quantidade de contribuições mensais efetuadas para o regime de previdência da União de que trata o artigo 40, caput da Constituição Federal, que cria o Regime Próprio de Previdência Social, efetivamente pagas pelo servidor titular de cargo efetivo da União ou por membro do Poder Judiciário, do Tribunal da Contas da União e do Ministério Público da União até a data da opção.

O "Tt" é o divisor utilizado pelo legislador, que até a Medida Provisória 1.119/2022 variava entre 455 para os homens, 390 para as mulheres ou professores de educação infantil do ensino fundamental, e 325 para servidores efetivos da União professores de educação infantil e do ensino fundamental.

Como antecipado, a reabertura do prazo de adesão era visto por muitos servidores como uma oportunidade de amainar os efeitos da perda do poder aquisitivo decorrente da inflação crescente dos últimos anos, dado que haveria uma redução do valor total da contribuição previdenciária. Para alguns, a necessidade de resguardar algum valor a mais no final do mês compensaria os riscos da migração, dado que não mais existiriam as garantias do regime previdenciário anterior.

Todavia, a Medida Provisória 1.119/2022 alterou profundamente o cálculo do benefício especial entre os que aderiram até 2021 e os que aderirem a partir de 2022.

Vamos às mudanças!

A medida provisória alterou o artigo 3º, §2º da Lei 12.628/2012, para estabelecer que quem migrar para o Funpresp a partir de 2022, não poderá mais aproveitar apenas as 80% maiores remunerações. Será obrigado a utilizar 100% do período contributivo, o que pode reduzir em até 20% o valor do benefício especial, se as menores remunerações do servidor forem muito baixas em relação às maiores.

Foi introduzido ainda um mecanismo de exclusão quanto a aproveitamento do período laborado para outro ente federativo, posto que será utilizado apenas o que foi efetivamente contribuído, e não a média das remunerações. Ou seja, se ocorreu apropriação indébita pelo gestor, ou erro a menor no repasse da contribuição previdenciária, o benefício especial será menor.

Foi alterado também o artigo 3º,§3º da Lei 12.628/2012, para fixar que em migrar em 2022 terá o divisor em 520. Isso significa que o paradigma passou a ser 40 anos de contribuição para todos: homem, mulher, professor de ensino fundamental, portadores de deficiência, ocupantes do cargo de agente penitenciário, de agente socioeducativo ou de policiais, pessoas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde.

Os únicos que estão excluídos do divisor em 520 para eventual migração na seara federal são os militares, que possuem uma previdência própria.

Entretanto, parece que o legislador provisório ao adotar requisitos e critérios diferenciados para os que servidores que aderiram até 2021 e os que aderissem a partir de 2022 não atentou para o previsto no artigo 40, §4 da Constituição Federal — "é vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto nos §§ 4º-A, 4º-B, 4º-C e 5º".

Essa adoção de critérios requisitos e critérios diferenciados se dá em duas dimensões: no critério vertical e horizontal.

O critério vertical seriam as diferenciações entre as próprias carreiras de servidores federais. A aposentadoria do policial federal ocorre, a partir da Emenda Constitucional 103/2019, após 55 anos de idade e 30 anos de contribuição, ou 25 de efetiva atividade policial. No mesmo sentido, diferentes leis estabelecem direito adquirido a aposentadoria com menor idade e tempo de contribuição para portadores de deficiência, ocupantes de cargos de agente penitenciário, de agente socioeducativo, pessoas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, além de professores que comprovem tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

Do ponto de vista do critério vertical, a medida provisória não fez o discrímen entre a carreira de professores e os demais, o que poderia ter feito. Quanto aos demais, apenas lei complementar poderia estabelecer prazos inferiores aos que já existiam.

A inconstitucionalidade da Medida Provisória 1.119/2022 se apresente quando a análise ocorre sob o ponto de vista horizontal: o servidor homem, a servidora mulher ou o professor de educação básica que aderiu até 2021 não pode ter requisitos ou critérios diferenciados do servidor homem, servidora mulher ou professor de educação básica que aderir em 2022; pois a própria Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional 103/2019, estabelece que os critérios para concessão de benefícios em regime próprio de previdência social devem ser os mesmos.

A mudança de cálculo do benefício especial não se trata de alteração de regime jurídico, posto que o regime jurídico é o estabelecido pela Constituição. Portanto, o argumento de que o servidor não teria direito adquirido a regime jurídico no caso é uma falácia, pois o regime jurídico é o mesmo.

Não houve alteração no custeio, nas reservas, nos benefícios do plano, na portabilidade, no resgate, ou qualquer dos elementos que caracterizem o regime jurídico do regime de previdência complementar do servidor público federal do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário.

O princípio da igualdade pressupõe que pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual. Qual a justificativa para que um professor de educação básica, no mesmo cargo e função, que tenha migrado até 2021 tenha direito a um benefício especial em torno de 50% maior do que o que venha a migrar em 2022? Ou que uma mulher que migrou em 2022 tenha um benefício especial em torno de 35% menor do que uma outra, no mesmo cargo e função, que migrou até 2021?

A alteração exclusivamente nos critérios de cálculo do benefício especial entre os aderentes entre 2021 e a partir de 2022 é absolutamente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, de que trata o artigo 5º da Constituição Federal, lato senso e a específica, de vedação a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios em regime próprio de previdência social, de que trata o artigo 40, §4º da Constituição Federal.

Espera-se que o Congresso Nacional corrija esse grave erro e restabeleça a supremacia da Constituição, excluindo a nova redação dada pela Medida Provisória 1.119/2022 ao artigo 3º, §§2º e 3º da Lei 12.618/2012, sem as quais a reabertura do prazo de migração até 30 de novembro de 2022 para o Funpresp será apenas uma armadilha para abocanhar os servidores mais desesperados, praticamente uma lesão perpetrada para subtrair direitos previdenciários do servidor.

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