Estúdio ConJur

O reforço das prerrogativas da advocacia no âmbito administrativo

Autores

  • Hélio Vieira da Costa

    é advogado. Autor dos livros "Estatuto da OAB regulamento geral e código de ética interpretados" (LTr 1. ed./2016 e 2. ed./2021) "Honorários advocatícios" (LTr 2019) e "A Trajetória da Advocacia no Estado de Rondônia" (2015). Presidiu a OAB — Seccional Rondônia nos triênios 2007/2009 e 2010/2012.

  • Zênia Cernov

    é advogada nas áreas trabalhista e administrativa. Autora dos livros "Estatuto da OAB Regulamento Geral e Código de Ética interpretados artigo por artigo" (LTr 1ª Ed./2016 e 2ªEd./2021) "Honorários Advocatícios" (LTr/2019) "Greve de Servidores Públicos" (LTr/2011) e "Marketing Jurídico e a nova publicidade na Advocacia: Comentários ao Provimento n° 205/2021" (Temática/2021). Membro da Academia Rondoniense de Letras Ciências e Artes. Coordenadora da Revista da Advocacia de Rondônia.

7 de junho de 2022, 13h23

A recente Lei nº 14.365, de 2 de junho de 2022, que altera e insere disposições do Estatuto da Advocacia, traz em seu conteúdo um importante reforço nas prerrogativas do exercício da advocacia no âmbito dos processos administrativos.

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A advogada Zênia CernovDivulgação

O reconhecimento de que o advogado também é indispensável na esfera administrativa nos processos administrativos sempre foi uma das grandes lutas da Ordem dos Advogados do Brasil. O artigo 1º do Estatuto da OAB, ao referir-se às atividades privativas da advocacia, fez menção à postulação perante os órgãos do Poder Judiciário (inciso I) e às atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas (inciso II).

A atuação da advocacia nos processos administrativos, no entanto, sempre foi muito ampla. Desde a defesa técnica propriamente dita, quando o administrado ou o servidor público responde a uma acusação de irregularidade (processo disciplinar, tomada de contas, malha fiscal, etc.), a intervenção no curso de atos administrativos complexos (concursos públicos, contratos, licitações, desapropriação, etc.) até a participação na formação de leis e atos administrativos, a atuação nessa área encontra como único limite o interesse do cliente em se ver amparado pelos conhecimentos técnicos do advogado constituído.

Esse reconhecimento nem sempre foi fácil, pois por muito tempo existiu uma compreensão equivocada de que a atuação da advocacia se limitava ao Poder Judiciário, e que as suas garantias legais não se estendiam aos processos administrativos. Algumas batalhas tiveram que ser travadas injustamente. A título de exemplo, foi necessária a palavra do Supremo Tribunal Federal para garantir o que já estava previsto no Estatuto da OAB: "O advogado regulamente constituído tem direito a ter vista do processo administrativo disciplinar, na repartição competente, ou retirá-lo no prazo legal" (MS 22921, Rel. Carlos Velloso, Pleno, DJ 28/6/2002, p. 89). Esse julgado demonstra o quão absurdo é um advogado precisar se valer de um mandado de segurança para garantir um simples direito de vista, previsto no artigo 7º, XV do Estatuto, direito este que se estende a "processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza".

No âmbito do processo administrativo disciplinar, a advocacia sempre defendeu que a importância de sua atuação se eleva à condição de indispensável e privativa, com a nulidade de eventual aplicação de pena disciplinar em processo no qual falte essa intervenção. A tese ganhou força na doutrina e na jurisprudência. Em sua obra "Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos", Cármen Lúcia Antunes Rocha1 defendeu:

A apresentação de defesa formal, produzida com a argumentação que comprove a sua contradição ao quanto contra ele se alega, pode ser feita diretamente ou mediante patrocínio profissional. A garantia do advogado (at. 133 da Constituição da República) exige mesmo que o Estado providencie um, ainda que no processo administrativo, para aquele que o requisitar, comprovando-se que não o pode contratar sem o comprometimento de suas condições de subsistência ou de seus dependentes.

Como essa compreensão ganhou força na jurisprudência de nossos Tribunais, em 12 de setembro de 2007 o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 343 ditando que: "É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar".

Entretanto, esse entendimento veio a ser posteriormente rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, ao editar a Súmula Vinculante nº 5, sedimentou a conclusão de que "A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição". A súmula teve ainda o efeito de posterior cancelamento, pelo STJ, de sua Súmula nº 343, para alinhar-se ao entendimento do STF.

Embora a ausência de defesa técnica no processo disciplinar não seja capaz de anular o processo por si mesma, não menos correto é afirmar que, uma vez constituído, o advogado deve participar de todas as fases do processo disciplinar, sob pena de nulidade. A defesa técnica formulada por advogado ainda é, sem dúvida, a forma mais eficiente de concretizar a ampla defesa em favor do servidor acusado.

Com a edição da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal (cujo teor é repetido em muitas das legislações estaduais e municipais), houve uma grande valorização da participação da advocacia, ao dispor em seu artigo 3º que o "O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados: IV – fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei".

A mesma lei garantiu com mais amplitude o direito de defesa, garantindo ao administrado os direitos de ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas (artigo 3º, inciso II); formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente (artigo 3º, III); garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio (artigo 2º, parágrafo único, inciso X), além de impor a garantia de observação dos princípios da ampla defesa e contraditório, no caput do artigo 2º. De uma forma geral, tudo o que envolve o contraditório e a ampla defesa é campo de trabalho para o advogado, pois, embora não tenha sido alçado à condição de indispensável no processo administrativo, tem reconhecida a relevância de sua atuação, quando constituído.

A Lei nº 14.365/2022 reforça mais ainda a presença do advogado na esfera administrativa, ao inserir no art. 2º o § 2º-A que assim dispõe:

Art. 2º
§ 2º-A No processo administrativo, o advogado contribui com a postulação de decisão favorável ao seu constituinte, e os seus atos constituem múnus público.

Veja-se que referido texto equipara a advocacia judicial e administrativa, conferindo a ambas as modalidades de atuação o mesmo grau de importância, pois que o § 1º do mesmo dispositivo afirma que "No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público". A repetição da mesma redação em ambos os dispositivos é proposital: o legislador pátrio, com o intuito de reafirmar as prerrogativas da advocacia em sua atuação na esfera administrativa, deixou evidente que o exercício da advocacia no âmbito administrativo tem o mesmo valor, a mesma importância e o mesmo status de múnus público que possui a advocacia exercida no âmbito judicial.

De tal equiparação resulta uma conclusão muito simples: o advogado tem, em sua atuação no âmbito administrativo, os mesmos direitos e prerrogativas que possui em sua atuação no âmbito judicial.

Entre outros, tem o direito de ser intimado para todos os atos, acompanhar diligências e perícias, direito de vista e carga dos autos, sustentar oralmente, ser recebido pela autoridade responsável pela condução do processo, ingressar livremente em qualquer edifício ou recinto em que funcione serviço público onde deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional e assistir seus clientes durante a apuração de infrações, entre outros. Nessa parte, inclusive, a mesma Lei alterou a redação do inciso X do artigo 7º do Estatuto para dispor que o advogado tem o direito de "usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, órgão de deliberação coletiva da administração pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou a afirmações que influam na decisão", ampliando a redação originária que fazia referência somente ao juízo ou ao tribunal.

Além disso, aplicam-se à sua atuação administrativa a imunidade profissional por seus atos e manifestações (artigo 2º, § 3º), o direito a ser desagravado publicamente, se ofendido no exercício da profissão (artigo 7º, XVII), além da circunstância de que, também em sua atuação nessa esfera, constitui crime a violação de seus direitos ou prerrogativas (artigo 7º-B do Estatuto).

Essa atuação é ampla e não pode ser vislumbrada como limitada à defesa nas situações em que o administrado responde a um processo ou outra modalidade de ato administrativo do qual possa lhe resultar uma sanção. Muitas das vezes, ela está ligada ao próprio agir administrativo. Assim, não é incomum o advogado ser constituído para protocolar e/ou acompanhar requerimentos de direitos perante os poderes públicos, como, no melhor dos exemplos (e naquele onde temos encontrado grande resistência), os benefícios previdenciários. Na busca do benefício de seu cliente, o advogado tem direito de requerer, acompanhar, ser atendido presencial ou virtualmente, acompanhar perícia médica, sustentar oralmente em julgamento de recurso, enfim, praticar todos os atos de advocacia e ter garantidos em seu favor todos os direitos conferidos pelo Estatuto da Advocacia. Além dos benefícios previdenciários (que é só um exemplo), o mesmo se afirma em termos de qualquer outro direito do qual o administrado dependa da análise do Poder Público (licença ambiental, habilitação profissional, concursos públicos, alvarás de funcionamento, licitações, entre outros exemplos mais comuns).

Não se diga que todas essas garantias não se aplicavam, antes mesmo dessa alteração legal, à atuação da advocacia em processos e requerimentos administrativos. Sempre foi assim, face à circunstância de que a atuação do advogado em qualquer instância judicial, administrativa ou privada, impõe o respeito a essas prerrogativas. Mas, vivendo num país onde por vezes um advogado precisa se valer de uma medida judicial para garantir um simples pedido de vista de um processo, é certo que o reforço contido na referida previsão legal é bem-vindo ao nosso Estatuto da Advocacia.

Desnecessária — é importante ressaltar — qualquer outra legislação prevendo essa intervenção. O Estatuto da Advocacia aplica-se genericamente à atuação "no processo administrativo". Para se ter uma ideia da amplitude dessa expressão, vale transcrever as lições de Di Pietro2:

Assim, pode-se falar em processo num sentido muito amplo, de modo a abranger os instrumentos de que se utilizam os três Poderes do Estado — Judiciário, Legislativo e Executivo para a consecução de seus fins. Cada qual, desempenhando funções diversas, se utiliza de processo próprio, cuja fonte criadora é a própria Constituição; ela estabelece regras fundamentais de competência e de forma, institui os órgãos, define as suas atribuições, confere-lhes prerrogativas, impõe-lhes obrigações, tudo com o objetivo de assegurar a independência e o equilíbrio no exercício das funções institucionais e, ao mesmo tempo, garantir que esse exercício se faça com respeito aos direitos individuais, também assegurados pela Constituição.

O processo administrativo, que pode ser instaurado mediante provocação do interessado ou por iniciativa da própria Administração, estabelece uma relação bilateral, "inter partes", ou seja, de um lado, o administrado que deduz uma pretensão e, de outro, a Administração que, quando decide, não age como terceiro, estranho à controvérsia, mas como parte que atua no interesse e nos limites que lhe são impostos por lei. Provocada ou não pelo particular, a administração atua no interesse da própria Administração e para atender a fins que lhe são específicos.

É sobre esse processo administrativo, em sentido amplo, assim considerada a série de atos coordenados formalizados para a realização de uma finalidade administrativa, que se refere o artigo 2º-A do Estatuto da Advocacia.

A nosso ver, o exercício da Advocacia no âmbito dos processos administrativos é um gigantesco campo de trabalho que deve ser visto com mais carinho. A população — e até a maioria dos advogados — habituou-se à ideia de que só é necessária a constituição de um profissional quando se pretende mover uma ação judicial. E com isso, importantes nichos de atuação estão sendo relegados à ausência de acompanhamento jurídico.

Ocorre que a atuação no âmbito administrativo está — parte das vezes, como, por exemplo, as defesas disciplinares — desligada da necessidade de êxito, permitindo a percepção imediata de honorários pelo exercício do trabalho em si mesmo. Também em um amplo número de situações, o resultado definitivo é mais rápido que o Judiciário, fazendo com que a percepção dos honorários eventualmente ligados ao êxito seja igualmente mais rápida.

Em artigo assinado pela coautora da presente obra, Zênia Cernov3, a questão da adoção de nichos de atuação mais específicos foi assim abordada:

A advocacia de nicho tem uma série de vantagens: a) você cria autoridade naquele segmento, e passa a ser conhecido em sua região de atuação como ‘o melhor profissional’ da área; b) essa autoridade te permite valorizar mais o seu trabalho, em termos de valor dos honorários, pois as pessoas preferem pagar mais por um profissional reconhecidamente qualificado; c) você passa a se especializar mais naquele ramo, fazendo pós-graduações e outros cursos, pois tem plena convicção de que esse investimento terá retorno em respostas positivas na sua atuação; d) muitas vezes você chega a criar quase que uma ‘exclusividade’ para aquele tipo de demanda, e quanto mais o nicho é específico, menos concorrentes você tem; e) você passa a ser indicado por seus próprios colegas de profissão; f) você pode direcionar, de modo muito específico, o seu marketing jurídico, o que resulta em maior resposta com menos investimento.

Partindo dessas premissas, deve-se ter em mente a amplitude de espaços que existem para atuação do advogado no âmbito dos processos administrativos: licitações, concursos públicos, tomada de contas, aposentadorias, pensão por morte e outros benefícios previdenciários, fiscalizações em geral, contratos administrativos, consórcios administrativos, convênios, prestações de contas, desapropriação, regularização fundiária urbana e rural, licenças de edificação, licenças ambientais e minerais, anulação ou desclassificação de multas, processos disciplinares de servidores públicos, processos éticos perante Conselhos profissionais, entre outros exemplos.

A criação de um nicho de trabalho nessa esfera tem ainda um grande aliado: o marketing jurídico. Como se disse, a população não tem arraigada no seu entendimento médio a ideia de que pode se valer de um advogado para auxiliá-los nos processos de âmbito administrativo, e por vezes sofre com pleitos mal formulados, documentação incompleta, falta de conhecimento de regras editalícias e legais, que lhes fazem perder tempo em repartições públicas e, por vezes, perder o próprio reconhecimento do direito. O mesmo se diz — e é ainda pior — em processos nos quais o administrado sofre fiscalização, multa, penas disciplinares, etc., nos quais é prejudicado por atos ilegais, nulos ou desproporcionais. Para fazer chegar ao conhecimento da população que podem se valer do auxílio de um profissional com conhecimentos específicos naqueles tipos de atos estatais, o marketing jurídico se mostra o elo de ligação perfeito.

Em nossa obra que comentou, artigo por artigo, o Provimento nº 205/2021 do Conselho Federal da OAB4, assim nos manifestamos:

O Brasil possui uma população que não conhece seus direitos, e isso se dá por vários motivos. Milhares de leis federais, estaduais e municipais que impossibilitam qualquer ser humano conhecer essa quantidade de legislação; ausência de um entendimento consolidado na interpretação de várias delas; pouca informação disponibilizada em meios de comunicação; falta de interesse das pessoas, que só procuram conhecer os direitos quando se sentem lesadas.

A ferramenta da publicidade de conteúdo jurídico já tem modificado essa realidade. A título de exemplo, as publicações espalhadas em redes sociais em formato de imagens ou vídeos curtos, despertam o interesse da população. 'Eu não sabia que existia esse direito' e 'eu não sabia dessa diferença' é uma reação comum, e muitas vezes ela ocorre em situações que parecem básicas para aquele que integra a advocacia, pois tem o conhecimento técnico adequado.

A partir de quando a população toma conhecimento de que existem escritórios especializados em determinados tipos de processos administrativos, e que o auxílio desses profissionais pode gerar não só celeridade como mais chances de êxito em seus interesses, o mercado da atuação certamente se amplia.

É claro que por todo o Brasil já existem escritórios que atuam amplamente na área administrativa, ou que têm nela seu principal campo de atuação. Mas a atuação estritamente judicial ainda é a mais comum.

Acreditamos que o reforço das prerrogativas da Advocacia no âmbito de sua atuação administrativa, equiparando-a à judicial, faz com que o trabalho nessa esfera se torne ainda mais atrativo, vindo a se tornar o nicho único, principal ou complementar de muitos escritórios.

Notas
1 Saraiva, 1999, p. 484.
2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, p. 598-599.
3 Jovem advocacia: você precisa de um nicho para chamar de seu. Disponível em: www.conjur.com.br/2021-ago-06/jovem-advocacia-voce-nicho-chamar.
4 VIEIRA, Hélio; CERNOV, Zênia. O marketing jurídico e a nova publicidade na advocacia: comentários ao provimento n. 205/2021. Porto Velho: Temática Editora, 2021. p. 34.

Autores

  • é advogado. Autor dos livros "Estatuto da OAB, regulamento geral e código de ética interpretados" (LTr, 1. ed./2016 e 2. ed./2021), "Honorários advocatícios" (LTr, 2019) e "A Trajetória da Advocacia no Estado de Rondônia" (2015). Presidiu a OAB — Seccional Rondônia nos triênios 2007/2009 e 2010/2012.

  • é advogada. Autora dos livros "Greve de servidores públicos" (LTr, 2011), "Estatuto da OAB, regulamento geral e código de ética interpretados" (LTr, 1. ed./2016 e 2. ed./2021), "Honorários advocatícios" (LTr, 2019) e "O marketing jurídico e a nova publicidade na advocacia" (Temática, 2021). Integrante da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes (ARL).

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