Créditos e exonerações envolvendo operações com a ZFM e demais áreas livres
6 de junho de 2022, 13h03
A Zona Franca de Manaus e as áreas de livre comércio de Boa Vista e de Bonfim vêm, recentemente, ganhado destaque na imprensa, em razão de recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu, em ação direta de inconstitucionalidade, intentada pelo Solidariedade (ADI 7.153), a redução do IPI, veiculada por decretos presidenciais, especificamente em relação aos produtos fabricados naquela região incentivada. Tal decisão se pautou no argumento, aceito pelo ministro, de que as reduções veiculadas pelo governo federal gerariam uma concorrência injusta com os produtos fabricados na ZFM e áreas de livre comércio, implicando, na prática, na anulação ou quando menos redução dos efeitos almejados pelos incentivos fiscais, protegidos pela Constituição, para essa região de nosso país, cujo interesse nacional de desenvolvimento deve prevalecer.
Realmente, conforme já analisado em diversas oportunidades pelo próprio STF, a Zona Franca de Manaus (e também as regiões de livre comércio acima referidas), foi expressamente mencionada na Constituição Federal de 1988, no artigo 40 de seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que assim recepcionou e constitucionalizou o regime jurídico fiscal incentivado do Decreto-lei 288/1967.
Segundo tal previsão constitucionalizada, as vendas para tal região equiparam-se, para todos fins, a exportações ao exterior. Esse regime fiscal favorecido, previsto para ser provisório na ADCT da CF/88 (25 anos), como tudo no Brasil com essa conotação, acabou sendo continuamente postergado por sucessivas Emendas Constitucionais, tornando-se, assim, praticamente perene (última EC, a Emenda Constitucional 83/2014, prorrogou os benefícios até 2073).
Sendo assim, é oportuno lembrar algumas das possibilidades legais de desoneração e recuperação tributária, no que se refere a tributação federal, envolvendo as operações de compras e também vendas para Zona Franca de Manaus e as áreas de livre comércio antes referidas.
1) Crédito de IPI sobre as aquisições nacionais de mercadorias isentas do IPI, provenientes da ZFM, por empresas fora dessas regiões;
2) Crédito Presumido do IPI (para empresas no regime cumulativo do PIS e da Cofins) e também a Apuração e aproveitamento de créditos no Reintegra, previsto na Lei 12.546/2011;
3) Exclusão das receitas decorrentes das vendas para a ZFM (e áreas de livre comércio) da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB), instituída pela Lei nº 12.546/2011, dentro da chamada desoneração da folha de pagamento.
Passamos a analisar, abaixo, detalhadamente, cada uma dessas possibilidades:
4) Crédito de IPI sobre as aquisições nacionais de mercadorias isentas do IPI, provenientes da ZFM e áreas de livre comércio, por empresas fora dessas regiões;
O STF, no dia 25/4/2019, decidiu, sob o regime de repercussão geral, no julgamento do recurso extraordinário 592.891/SP (Tema 322), que as aquisições de mercadorias industrializadas provenientes da ZFM, mesmo isentas do referido imposto, por conta justamente da produção em tal região incentivada, geram, para os seus adquirentes, o direito ao crédito do IPI, segundo a classificação fiscal da Tipi, como se tivesse o referido imposto sido destacado.
A nossa Suprema Corte baseou seu entendimento no fato de que a isenção (na verdade uma imunidade) decorrente da Zona Franca de Manaus possui "caráter especialíssimo", condizente com os interesses da Nação naquela localidade. Disso decorre que a aquisição sem a permissão do respectivo crédito do IPI resultaria em desestímulo à produção na referida região do país. Sendo assim, a fim de que não reste anulada a vantagem fiscal prevista no Decreto-lei 288/1967 e corroborada pelo artigo 40 do Ato da Disposições Transitórias da Constituição, deve ser autorizado ao adquirente de tais produtos a possibilidade de um crédito ficto, aplicando-se sobre o valor da nota fiscal de aquisição a alíquota do IPI de acordo com a classificação fiscal da mercadoria adquirida. Argumento esse idêntico ao agora utilizado pelo Ministro Alexandre de Moraes para suspender as reduções do IPI em relação a itens fabricados na região em comento.
Por conta desse precedente com repercussão geral, todos os contribuintes que realizaram ou realizam aquisições da ZFM podem, em nossa opinião, efetuar o levantamento dos créditos fiscais do IPI sobre tais compras, dos últimos cinco anos, sem a necessidade de uma discussão judicial, sendo ainda possível, também em nosso entendimento, a correção monetária desse crédito, até 25/04/2019 ao menos (data em que cessou a proibição a tal crédito imposta até então pela Receita Federal, por conta da repercussão geral do STF), juros esses não tributáveis, conforme precedente mais contemporâneo, do próprio STF (Tema 962, RE 1063187).
2) Crédito Presumido do IPI (para empresas no regime cumulativo do PIS e da Cofins) e também a Apuração e aproveitamento de créditos no Reintegra, previsto na Lei 12.546/2011
A empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais faz jus a um crédito presumido de IPI, como forma de ressarcimento do PIS e da Cofins incidentes sobre as respectivas aquisições, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem utilizados no processo produtivo, conforme previsto no artigo 1º da Lei 9.363/1996 [1].
E as vendas para a Zona Franca, conforme previsto na Constituição e já reafirmado pelo mesmo STF em diversas oportunidades, equivalem, para todos os efeitos legais e fiscais, a exportações de mercadorias ao exterior, aplicando-se, assim, a elas, todos os benefícios direcionados aos exportadores, cujo princípio básico de proteção reside na ideia fundamental de que o Brasil não deve exportar tributos, sob pena de malferimento de sua competitividade e de seus produtos no mercado internacional.
Sendo assim, sobre tais vendas para a ZFM, as empresas fora do regime não-cumulativo do PIS e da Cofins, possuem o direito de também calcularem e se aproveitarem do mesmo ressarcimento do IPI aplicável a exportadores, aproveitando-o para quitação do próprio IPI, ou utilizando o saldo credor do IPI gerado a cada três meses pela empresa, para a compensação de outros tributos federais, como o próprio PIS e Cofins.
Ocorre, todavia, que a Receita assim não entende, sendo necessária, em razão disso, a busca da realização desse direito por meio de uma ação judicial. Sobre o tema, pouco discutido ainda nos tribunais, nosso escritório tem obtido esse reconhecimento judicial do direito de crédito, valendo mencionar acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região sobre o tema, assim ementado:
"(…).. PIS E COFINS. VENDA DE MERCADORIAS PARA A ZONA FRANCA DE MANAUS. EQUIPARAÇÃO À EXPORTAÇÃO. ARTIGO 40 DO ADCT. ARTIGO 14, §2º, I DA MP Nº 1.858-6/99 E REEDIÇÕES POSTERIORES. SUSPENSÃO DA EFICÁCIA. ADIN Nº 2.348-9. IMUNIDADE. ARTIGO 149, §2º, I DA CRFB. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. COMPENSAÇÃO. ARTIGO 170-A. APLICABILIDADE. IPI. CRÉDITO PRESUMIDO. LEI Nº 9.363/96. CREDITAMENTO. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. omissis
2. O Decreto-Lei n.º 288/67, que regulou a Zona Franca de Manaus, determinou em seu artigo 4º que, havendo um benefício fiscal instituído com o objetivo de incentivar as exportações de mercadorias nacionais, este deve ser estendido às vendas de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus. Significa dizer que as mesmas regras jurídicas determinadas aos tributos que atingem exportações foram estendidas às operações realizadas com a Zona Franca de Manaus.
3. O artigo 40 do ADCT, com o objetivo de promover o desenvolvimento da região Amazônica e reduzir as desigualdades sociais e regionais, determinou a manutenção da Zona Franca de Manaus pelo prazo de 25 anos.
4. O incentivo fiscal destinado às exportações de mercadorias para o estrangeiro, em relação ao PIS e à Cofins, estende-se às vendas de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus.
(…) omissis
6. Precedentes do C. STJ acompanhando o entendimento proferido na liminar da ADIN 2.348-9/DF. A Zona Franca de Manaus ganhou status constitucional e, como tal, não estaria passível de alteração por norma infraconstitucional".
(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, ApReeNec — APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA — 1578190 — 0000304-72.2008.4.03.6119, relatora DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 31/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/08/2014 )
Na mesma linha, é o direito à inclusão das vendas à Zona Franca de Manaus na base de cálculo dos créditos permitidos pela Lei 12.546/2011, que criou o chamado Reintegra, para a compensação de resíduos tributários no mercado interno, aplicável aos exportadores e, logo, também às empresas que realizam operações de vendas à Zona Franca de Manaus, conforme precedentes sobre a matéria, dos quais se destaca um dos mais recentes sobre o assunto:
"MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. LEI Nº 12.546, DE 2011. REINTEGRA. ZONA FRANCA DE MANAUS. ÁREAS DE LIVRE COMÉRCIO. EQUIPARAÇÃO À EXPORTAÇÃO. As receitas decorrentes de vendas realizadas para a Zona Franca de Manaus e para as áreas de livre comércio de Boa Vista e de Bonfim, às quais são equiparadas às exportações, devem compor a base de cálculo do Reintegra, incentivo fiscal instituído para aumentar a competitividade da indústria nacional mediante a desoneração das exportações". (TRF4 5000028-48.2022.4.04.7117, SEGUNDA TURMA, relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 17/05/2022)
Sendo assim, tendo sido ainda mais ressaltado recentemente o caráter especialíssimo dos benefícios fiscais envolvendo a ZFM, pelo primeiro julgado do STF destacado nesse pequeno texto, fica ainda mais evidente o direito das empresas de obterem o reconhecimento, pelos mesmos motivos expostos por aquela Corte (relevante interesse nacional), também de seus créditos presumidos do IPI ou o cálculo e aproveitamento de créditos dentro do Reintegra, previsto na Lei 12.546/2011, como forma de ressarcimento do PIS e da Cofins (crédito presumido) e de outros custos tributários (Reintegra) pagos no mercado interno sobre todos os insumos de produção aplicados às suas vendas, dos últimos cinco anos, para a referida região, já que equiparadas, para todos os fins, a exportações.
3) Exclusão das receitas decorrentes das vendas para a ZFM da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB), instituída pela Lei nº 12.546/2011
Finalmente, pela mesma motivação acima explanada, qual seja, o reconhecimento constitucional e pelo STF do caráter especialíssimo da ZFM e da equiparação de vendas para tal região incentivada, para todos os fins, a exportações ao exterior, salientamos que as receitas de vendas para a ZFM não podem ser submetidas à incidência da chamada CPRB, criada no âmbito da chamada "desoneração da folha de pagamento", por expressa exclusão de tais receitas de exportação (e portanto daquelas equiparadas) da base de cálculo desse tributo, contida no 9º da Lei nº 12.546/2011.
Nesse sentido, já existem vários precedentes a respeito, destacando-se, abaixo, recente acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado:
"TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SUBSTITUTIVA. RECEITA DAS VENDAS PARA A ZONA FRANCA DE MANAUS E ÁREAS DE LIVRE COMÉRCIO. RECEITAS EQUIPARADAS À EXPORTAÇÃO. ARTIGO 9º, II, 'A', DA LEI 12.546/11. 1. As receitas decorrentes de vendas realizadas para a Zona Franca de Manaus e para as áreas de livre comércio de Boa Vista e Bonfim devem ser excluídas da contribuição previdenciária prevista no artigo 8º da Lei nº 12.546, de 2011, pois equiparadas às exportações. 2. Os valores indevidamente pagos devem ser atualizados pela taxa Selic a partir do mês subsequente ao do recolhimento indevido e podem ser compensados, na forma do artigo 89, caput e §4º da Lei nº 8.212/91". (TRF4 5027214-10.2021.4.04.7108, SEGUNDA TURMA, relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 19/05/2022)
Vê-se, assim, portanto, que as aquisições e as vendas, da e para a Zona Franca de Manaus, devem ter o tratamento privilegiado conferido pela Constituição, ratificado em abril de 2019, pelo Supremo Tribunal Federal, como acima visto, afastando-se, dessa forma, quaisquer restrições ao aproveitamento de créditos fiscais e exonerações próprios desse regime fiscal privilegiado, inaugurado pelo Decreto-lei 288/1967 e cristalizado no artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República.
[1] A partir de 01.02.2004, por força da Lei 10.833/2003, artigo 14, o mencionado direito de ressarcimento do PIS e da Cofins não se aplica em relação a empresas sujeitas ao regime não cumulativo dessas contribuições, posto que as mesmas já se apropriam dos créditos dessas contribuições sobre os valores de suas aquisições. Todavia, ainda, hoje, para as empresas optantes ou vinculadas obrigatoriamente ao regime cumulativo do PIS e da Cofins, quando exportam, há esse direito de ressarcimento do PIS e Cofins pagos no mercado interno sobre todos os seus insumos, na forma do crédito presumido do IPI.
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