Opinião

É preciso acabar com o mútuo conversível

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  • Saulo Michiles

    é sócio fundador da Michiles Tavares Advocacia Empresarial autor do livro Marco Legal das Startups – um guia para advogados empreendedores e investidores e presidente da Comissão de Direito Digital e Startups da OAB-DF.

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  • André Fróes

    é CEO da Cotidiano Aceleradora de Startups.

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6 de junho de 2022, 6h40

Ao longo dos seis anos que atuo com startups me perguntei e muito me foi perguntado sobre o porquê de se utilizar o contrato de mútuo conversível em participação societária como padrão para os investimentos, principalmente no early stage. Outros ainda adicionavam: "por que não utilizar um contrato mais simples, como o Safe dos Estados Unidos?" Safe é a sigla de Simple Agreement for Future Equity, um padrão de contrato trazido pela Y Combinator no final de 2013 e adotado como padrão, desde então, pela maioria das startups early stage nos Estados Unidos.

Obviamente, a resposta que ouvi e aprendi a dar é longa, mas vou tentar encurtá-la. Seria impossível utilizar, no Brasil, um contrato de seis ou sete folhas como o Safe, já que o mercado de startups e venture capital dos Estados Unidos é muito mais maduro que o nosso e a jurisprudência de lá, principalmente de Delaware, está muito mais acostumada com os termos e tipos de transações utilizadas.

Por outro lado, como não havia um contrato no Brasil "pronto" o suficiente para atender a todas as minúcias envolvidas em um investimento em startups, fez-se a importação e adaptação das convertible notes, instrumentos de dívida, que poderiam ser convertidas em participação societária, à semelhança das debêntures conversíveis, que existem no Brasil, mas que, infelizmente, só podem ser emitidas por Sociedades Anônimas.

Esta importação foi feita com uma adaptação que resultou no mútuo conversível e que, com o tempo, foi ganhando maturidade e diversas cláusulas, a ponto de os contratos terem algo como 15 ou 20 páginas, trazendo complicação desnecessária para negociações que, em outros países, são feitas de maneira quase que padronizada, através do Safe, por exemplo.

Além disso, como o mútuo em si é uma operação de crédito, o mútuo conversível tem pelo menos dois grandes problemas: a possibilidade de incidência do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a possibilidade de o Judiciário entender que o investidor não é (somente) investidor, mas sim mutuante e que, portanto, pode cobrar o valor emprestado (e não investido) com juros e correção monetária, desvirtuando completamente o intuito de tal contrato e, em alguns casos, realizando a cobrança sobre as pessoas físicas dos founders das startups, gerando insegurança e risco para startups e seus fundadores.

São defeitos graves, a meu ver, mas que foram tolerados dada a dinâmica do mercado, que enxerga como primordial o distanciamento do investidor da figura de sócio e dada uma suposta necessidade de aproximar o contrato utilizado a um contrato conhecido e utilizado no Brasil, daí a escolha do mútuo.

Entretanto, não é mais necessário "aturar" o mútuo conversível como uma gambiarra jurídica a fim de formalizar os investimentos em startups. O Marco Legal das Startups, Lei Complementar 182/21, que entrou em vigor no início de setembro de 2021, deu completa liberdade para que o mercado se utilize do instrumento jurídico que bem entender para formalizar esses investimentos. O Artigo 5º, § 1º, VII, diz o seguinte:

"Artigo 5º — As startups poderão admitir aporte de capital por pessoa física ou jurídica, que poderá resultar ou não em participação no capital social da startup, a depender da modalidade de investimento escolhida pelas partes.
§ 1º. Não será considerado como integrante do capital social da empresa o aporte realizado na startup por meio dos seguintes instrumentos:
VII — outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor, pessoa física ou jurídica, não integre formalmente o quadro de sócios da startup e/ou não tenha subscrito qualquer participação representativa do capital social da empresa."

Diante dessa possibilidade expressa, entendo que não há mais vantagens em se utilizar o mútuo conversível, visto que um outro tipo de contrato pode capturar todas as vantagens do mútuo, eliminar as desvantagens que apontamos, acolher todas as necessidades da negociação e contar com plena e total segurança jurídica. É por isso que, em meu entender, o mútuo conversível foi ferido de morte, basta que nós, agentes do ecossistema, adotemos um novo padrão de instrumento, melhorado e adequado às nossas necessidades.

Essa necessidade é ainda mais precípua no momento em que estamos vivendo de retração de capital, em meio a uma crise econômica e alta de juros. O investidor deve lançar mão de toda a tecnologia jurídica disponível para mitigar seus riscos, aumentar a segurança e catapultar seus ganhos.

Portanto, conclamo advogados, founders e investidores a darem adeus ao contrato de mútuo conversível em participação societária e a passarmos a adotar um novo tipo contratual, com as vantagens do mútuo conversível e a simplicidade do Safe, algo como "contrato de investimento em startup (CIS)".

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