Opinião

Métodos alternativos de resolução de conflitos no contexto internacional

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4 de junho de 2022, 13h04

A mediação é um método autocompositivo de resolução de conflitos. Tendo como um de seus intuitos restabelecer a relação entre as partes, uma sessão é conduzida por um terceiro imparcial, o mediador. A principal função desse mecanismo é facilitar a comunicação entre as partes, corrigindo eventuais ruídos e ajudando se expressarem de forma mais eficiente para poderem chegar a um acordo.

Desde fevereiro de 2022, o mundo vem acompanhando os terríveis acontecimentos da guerra entre Rússia e Ucrânia. Deve-se crer, nesse cenário, que é o objetivo de todos os envolvidos cessar o conflito da forma mais rápida possível. Porém, mesmo com negociações iniciadas no dia 28 de fevereiro, apenas quatro dias após o início do confronto armado, as partes não parecem estar próximas de um acordo. O próprio vice-ministro de relações exteriores da Rússia tem afirmado que as negociações não estão acontecendo e as partes não se reúnem presencialmente há mais de um mês e meio.

À luz desse cenário, será que esse método alternativo de resolução de conflitos poderia ser utilizado para um caso como a guerra russo-ucraniana? O presente artigo buscará demonstrar que sim e, mais do que isso, não seria a primeira vez que a mediação estaria sendo utilizada para resolver conflitos armados entre Estados. Exemplos nesse sentido seriam 1) a mediação argelina na liberação de reféns americanos no Irã e 2) o trabalho como mediador que o Brasil ocupou nos conflitos entre Equador e Peru.

Iniciando-se pelo caso da mediação argelina [1] [2], após a Revolução Islâmica em janeiro de 1979, o xá iraniano Mohammad Reza Pahlavi foi deposto e exilado no México por questões políticas e sociais. Entretanto, um ano depois, os Estados Unidos decidiram pela liberdade do monarca e o receberam em seu território. Em reação imediata à indignação, 400 estudantes iranianos atacaram a Embaixada dos Estados Unidos em Teerã, capital do Irã.

Os alunos, nesse contexto, após manter o grupo sob ameaça por duas horas, fizeram 63 americanos reféns, além da equipe administrativa da embaixada. Os revoltosos apresentaram uma demanda clara: a soltura dos reféns americanos em troca do xá iraniano, para que o monarca pudesse ser, então, julgado em seu território.

Os Estados Unidos, contudo, negaram o pedido. Além disso, impuseram sanções econômicas ao Irã e congelaram bens iranianos em bancos americanos. Na sequência, 13 reféns foram libertados, enquanto outros 52 foram mantidos como prisioneiros por mais 444 dias. Após missões de resgate mal sucedidas e a morte do xá, houve tentativa de estabelecer uma negociação entre as partes, a qual também não vingou. Em 1980, finalmente, a Argélia se envolveu no conflito como a principal mediadora.

A mediação argelina atuou no modelo de flying commitee, ou seja, especialistas do governo argelino asseguraram a comunicação entre as partes americana e iraniana, através de visitas frequentes a Washington e a Teerã, além de receber autoridades dessas nações em Argel. Os mediadores envolvidos deveriam, portanto, apresentar determinados critérios, como, por exemplo, experiências prévias em negociações internacionais, alto nível de profissionalismo e conhecimento técnico em múltiplos campos, a fim de avaliar e se adaptar a casos diversos. Os representantes argelinos selecionados para essa questão foram: Abdelkrim Ghrïeb (embaixador argelino em Teerã), Redha Malek, (embaixador argelino nos Estados Unidos) e Seghi Mostefaï (chefe do Banco Central da Argélia).

Os mediadores iniciaram suas ações em 10 de novembro de 1980. Além de se tornar um canal de comunicação entre as partes americana e iraniana, o grupo de especialistas tinha como objetivo desenvolver uma solução eficaz, que considerava as posições e opiniões de cada participante. A medida deveria satisfazer a ambas as nações e ser aceita por elas.

Após algumas discussões, o processo de mediação se estagnou em um ponto específico: a quantidade financeira dos bens iranianos apreendidos pelos Estados Unidos. Assim sendo, a equipe de mediadores propôs a "Declaração Argelina", que estabeleceu obrigações independentes para cada nação, ao invés do clássico acordo bilateral. Em janeiro de 1981, o acordo foi assinado e os reféns libertados, podendo, assim, retornar à terra natal.

A atuação da Argélia nesse caso revela seus próprios valores enquanto nação, visto que, desde sua independência (em 1962), o país visa a preservar o diálogo e a cooperação. Os argelinos, assim, não hesitaram em fornecer apoio e contribuição ao notar o conflito entre Estados Unidos e Irã, atentando-se a manter a neutralidade para que houvesse um resultado agradável para ambos os lados.

Quanto aos casos em que o Brasil atuou como mediador, trata-se dos conflitos entre Equador e Peru, que datam desde a separação das antigas colônias da América Espanhola. A sucessão de territórios oriunda do término da colonização deixou, na região, profundos conflitos relacionados à demarcação de fronteiras, fato originalmente responsável pelos longos conflitos entre os dois países.

Historicamente, a mediação de outros países no conflito não é recente. Desde 1854, há registros de tentativas por parte da Argentina, dos Estados Unidos e do Brasil que, apesar dos esforços, não foram capazes de impedir o conflito armado. Em 1942, contudo, os países mediadores sucederam em estabelecer um acordo entre os dois países, o qual consumou-se no Protocolo do Rio de Janeiro de 1942.

Lamentavelmente, em 1960, o Equador revogou unilateralmente o Protocolo, acusando o Peru de ter descumprido suas obrigações e de terem surgido novas informações que alteravam as circunstâncias fáticas do acordo. Estabeleceu-se, com isso, um novo conflito armado entre os dois países em 1995, o qual foi finalizado por mediação em 1998.

A última e bem-sucedida mediação, ocorrida em 1998, teve como figurantes os mesmos mediadores  Argentina, Brasil e Estados Unidos , apenas acrescido o Chile. Na mediação, definiu-se o emprego de observadores militares estrangeiros, que acompanharam por um ano a pacificação da região.

Ao tratar especificamente do papel desempenhado pelo Brasil, nota-se a importância de sua atuação na mediação. O marco inicial do apaziguamento dos conflitos, ainda que mal sucedido, foi firmado em 1942, no Rio de Janeiro. O documento formulado nessa ocasião serviu como base para o desenvolvimento das recomendações após o conflito que eclodiu em 1995. No mesmo ano de sua eclosão, firmou-se a Declaração de Paz do Itamaraty, que estabelecia, gradativamente, as ações que deveriam ser tomadas para o fim das tensões.

Além disso, quando da mediação final, os países mediadores dividiram-se em comissões para abordar as diferentes questões polêmicas. Na divisão, o Brasil restou com a comissão mais sensível, que abordava o estabelecimento das fronteiras. O então presidente Fernando Henrique Cardoso sugeriu que a região mais disputada fosse transformada em um parque natural binacional, o qual não poderia desfrutar de exploração financeira por nenhuma das partes. A solução foi imediatamente aceita.

Compreende-se, portanto, um papel histórico e essencial que a mediação desempenha no contexto internacional. O Brasil, também, apesar de não figurar como mediador principal em diversos conflitos internacionais, apresenta um histórico bem sucedido em uma longa mediação ocorrida na América Latina [3].

Além desses casos, destaca-se também como os métodos autocompositivos de resolução de conflitos solucionam casos que quase resultaram em guerras, como o conflito da Península do Sinai. Levando esses casos de sucesso em consideração, acredita-se que a mediação pode ser um método apropriado para atenuar o conflito entre Rússia e Ucrânia. Tanto que, países como China e Israel já se ofereceram para mediar o conflito. Ficamos no aguardo.


[1] ZARTMAN, W. and TOUVAL, S.. International Mediation: Conflict Resolution and Power Politics. Athens University of Economics and Business. 1985.

[2] CHIKAOUI, A. 40 YEARS LATER: THE ROLE OF ALGERIAN DIPLOMACY DURING THE IRAN HOSTAGE CRISIS. Near East South Asia Center of Strategic Studies. 2021. Disponível em: <https://nesa-center.org/40-years-later-the-role-of-algerian-diplomacy-during-the-iran-hostage-crisis/>. Acesso em: 5 maio 2022.

[3] BELLÉ, Richeli. O papel do Brasil como mediador de conflitos no cenário  internacional. Orientadora: Profa. Dra Martha Jimenez. 2015. 60 f. TCC (Pós-Graduação)  Curso de Pós-Graduação em Direito Internacional, Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2015. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/143285. Acesso em: 9 maio 2022.

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