Opinião

Cooperação judiciária nacional: notas introdutórias à Resolução 775 do STF

Autores

  • Mário Augusto Figueiredo de Lacerda Guerreiro

    é juiz de direito do TJ-RS e juiz auxiliar da Presidência do STF. Ex-conselheiro do CNJ onde presidiu a Rede Nacional de Cooperação Judiciária e relatou a Resolução 350/2020. Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Coimbra.

  • David Laerte Vieira

    é assessor da Presidência do Supremo Tribunal Federal procurador do estado do Acre (cedido ao STF) mestrando em Constituição e Sociedade/IDP especialista em Direito Público e em Administração Pública ex-secretário-geral da Câmara Técnica do Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal ex-procurador-geral adjunto do do Acre ex-assessor especial do PGE-AC ex-chefe da Procuradoria Administrativa da PGE-AC palestrante e autor de vários artigos publicados em revistas jurídicas especializadas.

  • Victor Meneses de Carvalho Coelho

    é graduado em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Pós-Graduado em Direito Constitucional e Controle da Administração Pública pela UFPI. Assessor Jurídico na Secretaria Geral da Presidência do Supremo Tribunal Federal.

2 de junho de 2022, 10h01

A concretização de um processo judicial eficiente, com uma tramitação célere e duração razoável, além de princípio fundamental expresso na Constituição Federal, é uma antiga meta do Judiciário brasileiro.

Antes mesmo da promulgação do novo Código de Processo Civil (CPC), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já buscava mecanismos que ampliassem a eficiência dos tribunais e, para tanto, traçou as diretrizes iniciais para uma cooperação interna entre os órgãos do sistema judiciário, por meio da Recomendação 38/2011, que propôs a criação de uma Rede Nacional de Cooperação Judiciária.

A recomendação sugeriu dois mecanismos que merecem destaque: a) o juiz de cooperação, com a função de interligar magistrados a fim de imprimir celeridade aos atos judiciais, e b) o núcleo de cooperação judiciária, um espaço institucional de diálogo entre os diversos órgãos julgadores, com o intuito de identificar problemas e características da litigiosidade de cada localidade, almejando delinear coletivamente uma política judiciária mais eficiente.

O pioneirismo da citada recomendação é inegável: o que o ato normativo pretendia não era apenas uma evolução da política judiciária, mas uma verdadeira mudança de cultura, abandonando-se o paradigma do julgador solitário para se adotar a figura do juiz cooperativo, que busca soluções pensadas e desenvolvidas em conjunto com outros órgãos do Poder Judiciário.

Posteriormente, o Código de Processo Civil de 2015 abandonou a antiga relação triangular (autor, réu e juiz) e estabeleceu, em seu artigo 6°, o princípio da cooperação, aplicável a todos os sujeitos processuais, a fim de que "se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".

O artigo 67 do CPC, por sua vez, instituiu o dever de cooperação recíproca entre os órgãos do Poder Judiciário, estadual ou federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, incluindo os tribunais superiores, por intermédio de seus magistrados e servidores.

A perseguida celeridade processual precisava, então, romper as barreiras do Código de Processo Civil, já que a mera positivação da cooperação judiciária nacional não tornava, por si só, a jurisdição automaticamente mais eficiente, cabendo ao Poder Judiciário instrumentalizar a aplicação desses dispositivos.

Um passo importante nesse sentido foi dado pelo Conselho Nacional de Justiça, por intermédio da sua Resolução 350/2020. Valendo-se do caráter imperativo das novas normas legais trazidas pelos artigos 67 a 69 do CPC, o CNJ foi capaz de editar ato igualmente impositivo (resolução), que veio a substituir a antiga recomendação sobre o tema.

Muitas foram as inovações introduzidas pela nova resolução, para além do acolhimento das bases normativas já existentes na anterior recomendação. Embora não seja esse o objeto deste estudo, podem-se ressaltar novos institutos como a cooperação em matéria administrativa, a cooperação interinstitucional com entidades constituídas fora do Poder Judiciário e a efetiva instituição da Rede Nacional de Cooperação Judiciária, agora sob a supervisão do CNJ e com a participação obrigatória de todos os tribunais do Brasil, exceto os superiores e o STF, aos quais era facultada a adesão.

Nessa toada, a Resolução 775, de 31 de maio de 2022, regulamentou a cooperação judiciária nacional no âmbito do Supremo e estabeleceu as balizas normativas para a prática de atos judiciais e administrativos mediante cooperação.

Dentre os potenciais partícipes dos atos de cooperação estão não só os órgãos do Poder Judiciário, como também outras entidades que demonstrem interesse em contribuir com a administração da justiça, tais como os órgãos da Advocacia Pública, os Tribunais de Contas, o Ministério Público, as agências reguladoras e entidades da sociedade civil, nos termos do artigo 2° da resolução.

Outro ponto que merece atenção diz respeito à possibilidade de o pedido de cooperação endereçado ao STF eventualmente ser recusado, desde que fundamentadamente, nos termos expostos pelo artigo 1°, § 2°, da referida resolução.

Vale frisar, outrossim, que os atos de cooperação, pautados pelos princípios da consensualidade e informalidade, constituem mecanismos de desburocratização para o ágil cumprimento de atos judiciais. O pedido de cooperação e todo o seu procedimento, por isso, dispensam forma específica e devem, sempre que possível, priorizar os meios eletrônicos de comunicação e armazenamento (artigo 69 do CPC e artigo 3° da Resolução 775/2022).

Por outro lado, a informalidade do procedimento cooperativo não dispensa a adequada fundamentação e publicização dos seus atos. A definição clara das competências e atribuições de cada órgão é medida que se impõe, inclusive quanto ao custeio, quando for o caso.

Ademais, o requerimento de cooperação pode ser executado na forma de auxílio direto, de atos conjuntos, ou mesmo através de atos concertados entre os órgãos cooperantes (artigo 69 do CPC e artigo 4° da Resolução 775/2022).

A resolução traz, ainda, um rol exemplificativo de atos de cooperação que podem ser praticados pelo STF (artigo 5°), não se podendo olvidar, todavia, que qualquer outro ato jurisdicional ou administrativo poderá ser objeto de cooperação (artigo 1°, § 1°).

De início, sobressai que a sistemática da repercussão geral do recurso extraordinário tem um foco especial no que concerne à integração entre os tribunais e a Suprema Corte através de um diálogo institucional mais ativo, que permite uma maior e mais qualificada troca de informações.

Com efeito, o Secretário de Gestão de Precedentes do STF, durante o seminário "Repercussão Geral 15 anos: origens e perspectivas", realizado no dia 27 de maio deste ano, afirmou que atualmente são realizadas reuniões semanais com representantes dos Núcleos de Gerenciamento de Precedentes (Nugep) de todo o país (Projeto Sextas Inteligentes).

Nesse contexto, os servidores de diversos tribunais mantêm contato direto por aplicativos de troca de mensagens, e-mail ou telefone, de maneira desburocratizada, em uma estreita interlocução sobre as melhores práticas de gestão de processos representativos de controvérsia ou as políticas judiciárias mais adequadas à suspensão nacional de processos, por exemplo.

Já em agosto de 2020, ainda na presidência do ministro Dias Toffoli, foi criado o Centro de Mediação e Conciliação (CMC) no âmbito do STF , pela Resolução 697/2020. O CMC busca, mediante mediação ou conciliação, solucionar questões jurídicas sujeitas à competência do STF que permitam a consensualidade. Com a entrada em vigor da Resolução 775/2022, a cooperação judiciária passa a ser mais uma ferramenta disponível na busca por soluções autocompositivas das demandas que chegam ao Supremo.

As soluções de tecnologia são outro campo que passa a admitir maiores iniciativas de cooperação judiciária com a edição da nova resolução. Para além de questões atinentes ao desenvolvimento e expansão do processo eletrônico, também a utilização da inteligência artificial ganha novo relevo.

A cooperação envolvendo os processos repetitivos mereceu, igualmente, lugar de destaque no artigo 6º da resolução, no qual tratada a técnica da centralização, que o CPC classifica como ato concertado entre os juízes cooperantes, sendo ainda prevista, expressamente, a gestão desses feitos.

Essa centralização, que pode ocorrer por período certo, atende ao princípio da eficiência no âmbito do Judiciário e aprimora a administração da justiça, evitando a prática de atos repetidos com o dispêndio de tempo e força de trabalho.

Note-se, ainda, o fato de a resolução, na esteira do diploma processual, fazer emprego da expressão "processo repetitivo", não se limitando, portanto, apenas aos recursos repetitivos e vindo a alcançar também as ações originárias. Observa-se, por exemplo, grande número de reclamações no âmbito do STF por suposto descumprimento da suspensão nacional determinada pelo relator do Tema 1.046 da sistemática da repercussão geral, sendo a cooperação ferramenta indicada para gerenciar situações como essas.

A gestão dos processos repetitivos, por seu turno, contempla a gestão da competência jurisdicional e também a do respectivo suporte administrativo, relacionado às funções de planejamento, organização, direção e controle aplicadas ao sistema de gerenciamento processual e conduzidas pelos diferentes setores do tribunal, com o intuito de conferir celeridade e eficiência à atividade jurisdicional.

A resolução inova, de outra banda, ao prever a prioridade na interlocução com os tribunais e outras entidades não integrantes do Poder Judiciário, como o Ministério Público, a Advocacia Pública e a Defensoria Pública. Para alcançar a finalidade pretendida na gestão e centralização dos processos repetitivos, prevê o ato normativo que os tribunais e outras entidades atuantes no sistema de justiça poderão indicar a multiplicidade de processos envolvendo a mesma controvérsia; os aspectos econômico, político, social e jurídico da questão veiculada em demandas judiciais; o reflexo que uma tese fixada está causando em alguma situação fática ou jurídica não abordada expressamente no julgamento do tema e os fatos que indiquem possível distinção ou superação do precedente firmado pelo STF.

O recurso extraordinário logrou expressa menção, justificada pela prática amplamente adotada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, sob a coordenação da Secretaria de Gestão de Precedentes, da possibilidade de estabelecimento de atos de cooperação quando veiculadas questões jurídicas repetitivas ou com potencial repetitividade. O Ofício-circular 19 da Presidência do STF, de 24 de novembro de 2020, dirigido aos Presidentes de Tribunais Superiores, Regionais Federais, de Justiça, da Turma Nacional de Uniformização e de Turmas Recursais e Unificadoras, nada obstante a sua natureza unilateral, bem retrata o sistema de colaboração entre os tribunais no que respeita à admissibilidade de recursos extraordinários representativos de controvérsia.

A cooperação poderá ser utilizada, outrossim, para difundir orientações aos tribunais e às turmas recursais no tocante aos procedimentos relacionados ao envio e recebimento de recursos, ao sobrestamento de ações e à seleção de demandas representativas de possíveis novos temas de repercussão geral, conforme a peculiaridade da questão jurídica repetitiva, o que permitirá a ampliação das práticas colaborativas já adotadas pelo STF, como é o caso dos treinamentos dos servidores de outros tribunais e o compartilhamento de orientações em grupos eletrônicos, como já mencionado.

Quanto ao ponto de contato para pedidos de cooperação dirigidos ao STF, de maneira louvável, a resolução prevê a possibilidade de sua formulação diretamente entre os órgãos cooperantes, mas faculta também a intermediação da Presidência do STF, que prestará, em todo caso, o apoio necessário à cooperação judiciária.

A resolução ainda institui o Centro de Cooperação Judiciária do STF (CCJ), constituído de juízes auxiliares e servidores com atuação tanto na área administrativa quanto na jurisdicional. As atribuições do órgão se assemelham às dos núcleos de cooperação instituídos pela Resolução 350/2020 do CNJ. No âmbito da Presidência do Supremo, é o CCJ o responsável pela cooperação judiciária, devendo seus canais de contato e os nomes dos seus integrantes serem divulgados no Portal do STF, a facilitar e tornar efetiva a comunicação.

Por fim, prevê a resolução que o STF, quando solicitado, irá cooperar com a Rede Nacional de Cooperação Judiciária criada pelo CNJ e com os seus integrantes, porém não a integrará, na medida em que a Suprema Corte é o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, não se sujeitando aos atos normativos daquele conselho.

Em breves linhas introdutórias, são esses alguns dos principais pontos de destaque da Resolução 775/2022 do STF. Espera-se que seu conteúdo seja difundido no meio jurídico e suas disposições efetivamente utilizadas na atividade jurisdicional, contribuindo-se, assim, para o desenvolvimento de uma cultura de cooperação no Poder Judiciário brasileiro.

Clique aqui para ler a íntegra da resolução

Autores

  • é juiz de direito do TJ-RS e juiz auxiliar da Presidência do STF. Ex-conselheiro do CNJ, onde presidiu a Rede Nacional de Cooperação Judiciária e relatou a Resolução 350/2020. Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Coimbra.

  • é assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal, procurador do Estado do Acre, mestrando em Constituição e Sociedade/IDP, especialista em Direito Público e em Administração Pública, ex-secretário-geral da Câmara Técnica do Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, ex-procurador-geral adjunto do Estado do Acre, ex-assessor especial do PGE/AC, ex-chefe da Procuradoria Administrativa da PGE/AC, palestrante e autor de vários artigos, comunicados científicos e teses em congressos jurídicos.

  • é graduado em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Pós-Graduado em Direito Constitucional e Controle da Administração Pública pela UFPI. Assessor Jurídico na Secretaria Geral da Presidência do Supremo Tribunal Federal.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!