Opinião

Transferência de bovinos entre propriedades de um mesmo contribuinte

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2 de junho de 2022, 16h06

Para cada transferência de bovinos, de uma propriedade para outra, do mesmo contribuinte, ainda que não haja a transferência de titularidade do gado, é cobrado ICMS. Tal prática viola direito líquido e certo dos contribuintes, visto que a transferência interestadual de bovinos entre propriedades do mesmo contribuinte, não gera incidência do ICMS, conforme Súmula 166 do STJ e Tema 1.099 do STF, o que tem levado a distribuição de diversas ações judiciais.

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Sabe-se que o fato gerador do ICMS é a operação relativa à "circulação de mercadorias" ou a "prestação de serviços de transporte ou de comunicação". Assim, só incide o imposto, no caso de mercadorias, na hipótese de ocorrer a sua efetiva circulação. De fato, a mera saída física do gado de uma fazenda para outra do mesmo proprietário não constitui "circulação", para efeito de incidência do ICMS, que pressupõe a transferência da propriedade ou posse dos bens, ou seja, a mudança de sua titularidade por força de uma operação jurídica, tal como: compra e venda, doação, permuta.

Tal entendimento encontra respaldo na Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça [1], que em interpretação do artigo 155, II, da Constituição Federal, pacificou que não cabe a cobrança de ICMS quando há deslocamento de mercadorias de um estabelecimento a outro do mesmo contribuinte. Embora a citada súmula tenha sido publicada em 14/8/1996, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, tal entendimento permanece. Assim, tendo em vista a quantidade de precedentes, a primeira seção do STJ admitiu no julgamento do REsp nº 1.125.133-SP pelo rito dos recursos repetitivos (artigo 543-C do CPC/1.036 do novo CPC) a fim de que fosse pacificado o entendimento. Esse, também foi consolidado pelo STF em decisão recente que julgou o recurso de agravo de instrumento em recurso extraordinário com repercussão geral ARE nº 1.255.885 (Tema 1.099 [2]).

Mencionado julgado STF assim decidiu:

"Recurso extraordinário com agravo. Direito Tributário. Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Deslocamento de mercadorias. Estabelecimentos de mesma titularidade localizados em unidades federadas distintas. Ausência de transferência de propriedade ou ato mercantil. Circulação jurídica de mercadoria. Existência de matéria constitucional e de repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência da Corte sobre o tema. Agravo provido para conhecer em parte do recurso extraordinário e, na parte conhecida, dar-lhe provimento de modo a conceder a segurança. Firmada a seguinte tese de repercussão geral: Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia."

No entanto, tendo em vista a importância do tema, bastante discutido nos judiciários estaduais nos últimos anos, bem como a alegação dos estados de que existe uma necessidade de impedir a concorrência desleal e o enriquecimento ilícito (contribuinte não pode querer apenas o bônus do benefício fiscal e furtar-se do cumprimento das condições legais), alguns estados, como é o caso do estado do Mato Grosso do Sul, tem exigido o recolhimento de ICMS da cadeia anterior, relativo à compra de terceiros, e que teve a exigência postergada em razão da benesse. Tal recolhimento não será exigido apenas daqueles contribuintes que possuem a produção própria de gado (gado crioulo).

Dessa forma, a cobrança de ICMS na transferência de bovinos, de uma propriedade para outra, do mesmo contribuinte, é considerada violação de direito líquido e certo dos contribuintes, visto que não se trata de fato gerador do ICMS, conforme Súmula 166 do STJ e Tema 1.099 do STF. O requerimento para que seja obstada a cobrança de ICMS nas hipóteses em que tal ato tenha como fato gerador a transferência interestadual de bovinos entre propriedades do mesmo contribuinte deve ser feito via mandado de segurança, o qual deve ser impetrado no foro competente, sendo que, em se tratando de mandado de segurança, a competência para processamento e julgamento da demanda é estabelecida de acordo com a sede funcional da autoridade apontada como coatora.

Com esse entendimento, o juiz Idail de Toni Filho, da Vara de Ribas do Rio Pardo (MS), concedeu liminar para impedir o estado de Mato Grosso do Sul de cobrar o imposto na transferência interestadual de gado bovino entre duas fazendas do mesmo proprietário.

A tese dos autores foi defendida pelo Gottardi & Cury Sociedade de Advogadas e acolhida pelo magistrado, o qual após analisar os documentos comprobatórios da titularidade das duas propriedades rurais e verificar que os impetrantes também criam e engordam bovinos e que necessitam realizar a transferência entre suas propriedades frequentemente, aplicou a Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça e determinou a autoridade coatora que se abstenha de cobrar ICMS quando a situação versar sobre a transferência interestadual de bovinos entre os mesmos titulares e suas propriedades.

Na decisão mencionada, o magistrado mencionou que a circulação da mercadoria subentende a mutação do titular, passando de um patrimônio para outro, o que, todavia, não pode ser confundida com sua saída física para estabelecimentos do mesmo proprietário, o que se caracterizaria como mero transporte.

Por fim, ressalta-se, ademais, que a tese esposada pelo i. magistrado é a mesma adotada pelo STJ, a qual revela-se em harmonia com precedentes do Supremo Tribunal Federal, restando mais do que sedimentado que a simples saída da mercadoria de um estabelecimento para outro da mesma pessoa não basta para configurar a ocorrência do fato gerador do ICMS.


[1] "O simples deslocamento da mercadoria de um estabelecimento para outro, do mesmo contribuinte, sem tipificar ato de mercancia, não legitima a incidência do ICMS."

[2] Tema 1.099 — Incidência de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o deslocamento de mercadorias de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos.

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