Opinião

Expansão do quarto poder e manipulação nas redes sociais

Autores

30 de julho de 2022, 12h06

Em 1748, o Barão de Montesquieu publicou "O Espírito das Leis", livro que se tornaria um clássico da ciência política ao definir uma das principais bases das democracias modernas: a repartição de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário, que serve até hoje como mecanismo de freios e contrapesos entre os poderes.

Passados os anos, surgiu uma espécie de "quarto poder", utilizado em pelos menos dois contextos completamente distintos. Um deles é no Brasil Império, quando foi criado o Poder Moderador, que atribuía uma força decisória ao imperador em casos de impasse entre os outros poderes, podendo até contrariar decisões elaboradas por eles.

Em outro contexto — que é o que nos interessa — quarto poder define a importante influência da mídia, dos veículos de imprensa e comunicação na determinação do julgamento da opinião pública sobre fatos de interesse geral.

À medida que a tecnologia avançava durante os séculos 19 e 20, principalmente com a ascensão dos veículos de rádio e telecomunicações, o quarto poder se fortalecia, seja para o orgulho dos comunicadores, seja como instrumento de campanhas de educação ou de fomento do debate público de questões cruciais para o desenvolvimento das sociedades. O lado obscuro deste fortalecimento é que os detentores do poder político e do poder econômico também aprenderam formas de manipular atores do quarto poder em prol de causas menos nobres.

O filme "Todos os Homens do Presidente", dirigido por Alan Pakula e estrelado por Robert Redford e Dustin Hoffman, mostra a ação da imprensa para derrubar o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. Um exemplo de manipulação na mídia, pelo menos em seu enredo, foi a série "House of Cards", que mostra a constante manipulação da imprensa coordenada pelo casal Frank e Claire Underwood, interpretados por Kevin Spacey e Robin Wright. A ironia é que Spacey foi cortado da série após várias denúncias de assédio sexual, fruto do trabalho da mesma imprensa, que seu personagem insistentemente manipulava, e das mídias sociais.

Com a intensa e frenética evolução dos meios tecnológicos, da internet, das telecomunicações, redes sociais e, já batendo às nossas portas, do metaverso, seria possível questionar se as novas mídias estariam substituindo as chamadas mídias tradicionais no seleto grupo do que se chama quarto poder?

Em recente palestra a respeito de fake news, o ministro do STF Luís Roberto Barroso relatou a enorme dificuldade que tem em desmentir uma informação falsa que correu nas redes, de que ele teria participado de uma orgia em Cuba, a convite do ex-ministro José Dirceu. Por mais que o ministro afirme que "nunca esteve em Cuba e que não é dado a orgias", ele ainda recebe inúmeros questionamentos pela falsa informação.

Na palestra, Barroso chegou a comparar a tiragem dominical do principal jornal do país, que alcançaria aproximadamente 250 mil exemplares, ao número de potenciais pessoas informadas por grupos de WhatsApp, que alcançaria milhões de brasileiros.

O que o cantor e compositor Tom Zé qualificou como o "tribunal da internet" é uma realidade inconteste. Ao se tornar um mecanismo de pressão, tanto para fatos positivos quanto para negativos, as mídias sociais passaram a requerer uma resposta imediata a notícias divulgadas, independente se são falsas ou não.

Além das fake news, outro aspecto negativo deste avanço é um outro tipo de manipulação, onde empresas de tecnologia, baseadas em um gigantesco banco de dados, conseguem construir perfis de seguidores com diferentes características e elaborar um plano de comunicação que o atinja e corrobore seus desejos, seus anseios e seus medos.

Durante as eleições que elegeram o presidente norte-americano Donald Trump, a consultoria Cambridge Analytics, que teve acesso ilegal a dados de 87 milhões de usuários do Facebook, conseguiu construir cinco perfis que agregaram diversos comportamentos e permitiam direcionar comunicações quase que personalizadas a cada público. A pesquisa foi oferecida à campanha de Trump, que se utilizou dos dados para elaborar mensagens distintas a cada perfil, colaborando para a sua eleição, configurando uma das maiores invasões de privacidade até então.

Na campanha eleitoral brasileira de 2018, os principais partidos ainda não tinham consciência do poder das mídias sociais nas eleições, à exceção da coordenação da campanha de Jair Bolsonaro. Inclusive o ex-presidente Lula, quando ainda podia se candidatar, se preocuparam mais em formar alianças que promovessem maior tempo de campanha na TV que, evidentemente, não deixou de ser um canal importante para se alcançar os eleitores.

Porém, a experiência das eleições daquele ano mostrou que é possível construir uma narrativa que se dissemina de forma muito mais fluida, quase instantânea e com mais credibilidade e de progressiva geométrica. Bolsonaro foi eleito por vários motivos, mas essa construção midiática foi uma das principais contribuições para a sua vitória.

Este ano, apesar de a campanha oficialmente não ter começado, começa-se a perceber que todos aprenderam a lição. Constata-se maior participação e mais investimentos em aparições nas redes sociais. O que é preocupante porque pode provocar um aumento ainda maior de propagação de fake news e mais sobrecarga ao Judiciário.

Essa manipulação não se restringe à política. As redes sociais foram construídas para instigar desejos, sentimentos e uma vontade de participação da população. Em muitos casos, existe um amplo monitoramento sobre os comportamentos das pessoas. Uma pessoa que consome medicamentos contínuos para combater a pressão é lembrado na véspera de que eles estão acabando e a rede de drogarias onde costuma fazer a compra o convida a renovar seu estoque, conseguindo fidelizar o cliente.

O documentário "O Dilema das Redes Sociais", disponibilizado pela Netflix, mostra como esses inúmeros comandos enviados aos internautas os incentivam a comprar, mesmo sem ter recursos, lhes provoca medo, mesmo que inexistente, e até mesmo os lembra de que "faz tempo que vocês não nos vêm visitar…" ou "se você não paga pelo produto, o produto é você".

É uma reflexão dicotômica. Se, por um lado, as mídias sociais se tornaram um instrumento que pode impulsionar novos negócios e novos relacionamentos, elas também podem ser responsáveis pela destruição de carreiras e de marcas consolidadas ou até mesmo definir o futuro de uma nação. Com tanto poder nas mãos, é razoável considerar que as redes sociais se tornaram, sim, um integrante do chamado quarto poder.

Como afirmou o sociólogo espanhol Manuel Castells, um dos mais renomados especialistas em redes, no prefácio de seu livro "O Poder da Identidade", "este volume explora a construção de identidades coletivas em relação aos movimentos sociais e lutas de poder na sociedade em rede. Também trata da transformação do Estado, da política e da democracia nas condições da globalização e das novas tecnologias de comunicação. A compreensão desses processos visa fornecer novas perspectivas para o estudo da mudança social na Era da Informação".

Autores

  • é advogado, publicitário, fundador da BBDE Comunicação, consultor, palestrante e autor da obra "Marketing Jurídico na Prática", publicada pela Editora Revista dos Tribunais.

  • é advogado, sócio diretor do Nelson Wilians & Advogados Associados, membro dos Núcleos de Infraestrutura e Internacional.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!