Opinião

Do capitalismo de stakeholder ao ativismo de stakeholder: a força dos minoritários

Autor

  • Leonardo Barém Leite

    é sócio sênior do escritório Almeida Advogados especialista em Direito Societário e Contratos fusões e aquisições governança corporativa sustentabilidade ESG e compliance e presidente da Comissão de Direito Societário Governança Corporativa e ESG da OAB-SP/Pinheiros.

28 de julho de 2022, 17h04

Vivemos um período de grandes transformações sociais, comportamentais e empresariais, que também convidam a todos a uma tomada de posição sobre praticamente todas as questões e pautas atuais. Nesse cenário, é natural que surjam e cresçam grupos ativistas, em vários aspectos e formatos, o que já se verifica no tocante ao stakeholder, especialmente para influenciar na construção da pauta e da cultura da sustentabilidade nas empresas.

Os stakeholders são cada vez mais importantes e ativos nas organizações de diversas formas, razão pela qual será preciso que as empresas reconheçam e aprendam a lidar com essa nova realidade. Assim como já se vê há mais tempo, no caso de representantes da sociedade em geral, da mídia, de consumidores e de colaboradores, os stakeholders e também os acionistas minoritários estão entrando em cena.

Já não se consegue mais ignorar a urgência da construção de bairros, cidades e países mais comprometidos com a sustentabilidade, ao mesmo, tempo em que não se pode seguir aceitando práticas e modelos de negócios que ignorem direitos humanos e sociais, ou que gerem abuso ao meio ambiente. O conceito de desenvolvimento e de progresso está sendo revisto, e praticamente todas as empresas terão que se adaptar e ajustar, em menor ou em maior escala.

O que já foi considerado normal e um custo aceitável, em termos de custo operacional já não é mais, sendo preciso respeitar limites e encontrar o equilíbrio, de forma que as empresas e o mundo dos negócios também não podem seguir alheios ao novo momento.

No campo da sustentabilidade e da responsabilidade socioambiental, o que antes era um plus, algo voluntário, ou até mais ideológico e ocorria com mais frequência na vida privada ou estava presente apenas em poucas organizações, ganhou espaço e relevância, chegou à mídia e nas conversas entre amigos, encontrou espaço na televisão, nos filmes, nos livros, nas redes sociais, na publicidade e nas famílias.

Já se observa o aumento do papel do stakeholder, sob diversas maneiras, tanto no novo formato do capitalismo moderno, como em iniciativas mais ativistas, impactantes e ruidosas. Os temas têm sido cada vez mais interligados, de forma que questões climáticas, jurídicas, sociais, econômicas, políticas, sanitárias e tecnológicas agora fazem parte de tudo o que lemos, ouvimos, vemos e fazemos. Além de serem cada vez mais presentes nas reuniões de conselhos e de diretorias, assim como nas assembleias gerais das organizações.

O que antes poderia ser mais ligado às áreas de produção ou de recursos humanos nas organizações, agora permeia as metas e as reuniões de todos nas empresas, pois a grande questão é a maneira como as empresas, de forma geral, se comportam. E se nessa questão, há efetiva coerência entre o discurso e a prática, e entre todos os departamentos e áreas da empresa.

O ativismo chegou aos investidores (inclusive minoritários e geralmente mais passivos), e tende a chegar rapidamente aos clientes e consumidores, como formas adicionais de pressão pela sustentabilidade empresarial plena, razão pela qual é importante que as empresas prestem bastante atenção a esse ponto.

A pauta ESG e da sustentabilidade, assim como antes já ocorreu com a governança corporativa e o compliance, chegaram para ficar e tem ganhado espaço e relevância no universo corporativo, bem como na sociedade em geral, tanto pelo aumento da consciência das pessoas e das empresas, quanto pelo que se vê na mídia e na grande quantidade de eventos em que se discute tais tópicos (inclusive nos grandes encontros das superpotências mundiais).

O que alguns acreditaram que fosse mero modismo ou até marketing, está crescendo e se consolidando, e chamando a atenção de autoridades, agências e do legislativo ao redor do globo. Além de também integrar a agenda corporativa atual.

O principal modelo econômico mundial já foi classificado e chamado de várias formas, como: capitalismo selvagem, e capitalismo de stockholder. Foi de extrema importância e necessário termos vividos aquele período, com o qual aprendemos muito sobre como fazer e como não fazer, em vários aspectos. Tempo que conceitos como o foco nos resultados financeiros, na geração apenas de riquezas e de lucros vigorou por muito tempo.

Houve avanços e progressos em termos de produção, mas que cobraram preços altos, tanto em termos ambientais quanto sociais, e hoje, muitos dos antes chamados exemplos de desenvolvimento foram equivocados ou exagerados. Agora, mais conscientes, precisamos que toda a sociedade se conscientize e atue fortemente, de maneira coerente, para identificar tudo o que precisa ser corrigido e melhorado.

Conceitos como progresso, desenvolvimento e evolução estão sendo repensados e rediscutidos para considerar as maneiras, os limites, e os critérios para sua implementação na realidade atual. O mundo precisa, sim, de crescimento, de melhores condições de vida para todos e de novos produtos e serviços, inclusive por conta do crescimento populacional. Mas em que direção, de que forma e a que custo ambiental e social?

Nessa linha, já se estuda e acompanha o chamado capitalismo consciente, ou capitalismo de stakeholder, que congrega novas visões e modelos de negócios para os investimentos, objetivos mais amplos para as empresas e a maior participação dos stakeholders nessa caminhada, considerando mais do que apenas o stockholder, o retorno financeiro do investimento e o lucro a qualquer custo.

Um dos pilares propostos é que mais temas, aspectos, agentes, e públicos sejam considerados na construção de uma nova economia, mais sustentável, responsável, consciente e coerente e que se ocupe com temas além das questões econômicas, mas também, sem esquecê-las.

Esse capitalismo mais consciente, mais responsável e com maior e melhor governança corporativa, integra a atual demanda pela construção da sustentabilidade plena, também conhecida como E-ESG. Essa nova realidade, que vem crescendo e ganhando mais corpo, precisa ser incentivada.

Tudo indica, que logo cheguemos a uma etapa ainda mais disruptiva do que começou como apenas um debate, e cresceu para se tornar uma prática diária nas organizações, especialmente no mercado de capitais, visando as empresas abertas, com a chegada do chamado "Ativismo de Stakeholder", congregando investidores (ainda que com poucas ações), colaboradores, parceiros comerciais e clientes/consumidores.

Tanto investidores que já sejam acionistas das empresas, quanto outros que assim se tornem justamente para terem uma forma adicional de influenciar internamente, devem se movimentar mais e mais nos próximos meses, para pressionar organizações e seus administradores a considerarem a pauta da sustentabilidade no centro do negócio e do planejamento estratégico.

Em alguns casos, esses ativistas (como investidores minoritários) serão mais ruidosos e procurarão maneiras de influenciar a pauta da sustentabilidade, tanto nas assembleias gerais quanto na interação empresa-acionista. Esses investidores são mais ativos, movimentam-se mais, fazem campanhas, participam de reuniões e assembleias, organizam grupos, etc. Dessa maneira acabam chamando mais a atenção das companhias.

Acredita-se que esse movimento irá crescer, e que esse crescimento ajude a fortalecer a pauta da sustentabilidade sob um prisma adicional, para o qual as organizações precisam dar atenção, e se preparar. Muitos desses atuantes, serão acionistas que gostam da empresa, e querem que ela cresça, bem como querem que ela prospere e gere lucros, mas que também querem que alguns ajustes sejam implementados para corrigir distorções, abusos e práticas já não aceitáveis.

Tanto investidores quanto clientes e consumidores mais comprometidos com causas de sustentabilidade, provavelmente aliados a colaboradores e parceiros comerciais igualmente conscientes, devem ampliar suas vozes, pressionando de todos os lados, as empresas, para que (ainda que paulatinamente, quando necessário) façam seus ajustes e planos de transição para modelos de negócios e práticas mais responsáveis e sustentáveis.

Logicamente, não se pode abandonar o aspecto econômico, pois a ideia não é e não pode ser a de se matar empresas  ao contrário. A ideia é que as empresas se tornem melhores, mais atuais, mais modernas e com uma nova mentalidade corporativa.

O que se pretende é que tenhamos empresas mais sustentáveis, mas também mais valiosas e rentáveis, como já se vê em diversos casos nos planos de negócios, nos targets para aquisições, e no cuidado com campanhas publicitárias que demonstrem maior preocupação com o planeta (em todos os seus aspectos).

Os anos 2020 começaram com diversas categorias de crises, da sanitária à econômica, envolvendo diversos conflitos sociais e até guerras, além dos cada vez mais frequentes desastres climáticos, mas precisamos ser otimistas e lutar para a construção de uma década que deixe como legado, também a reforma da sustentabilidade.

Tudo indica que os stakeholders conquistarão protagonismo cada vez maior no universo corporativo, e que as organizações precisam se preparar para essa nova realidade, tanto por ser uma tendência do mercado e reflexo da atual pauta corporativa mais importante, quanto por serem (os ativistas) muitas vezes acionistas  que têm o direito de se expressar e de serem ouvidos.

O direito societário e o do mercado de capitais, assim como a boa governança corporativa, e todos os agentes financeiros e econômicos, estão em constante evolução, e precisam se adaptar a esses novos tempos  rapidamente.

Autores

  • é sócio sênior do escritório Almeida Advogados, especialista em Direito Societário, M&A, Governança Corporativa, ESG, Contratos, Projetos e novos negócios, "Compliance", Direito Corporativo e árbitro corporativo.

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