Opinião

Fase preliminar e interface com a nova Lei de Licitações no Decreto 11.129/22

Autores

  • Filipe Lovato Batich

    é advogado associado da prática White Collar & Compliance do Madrona Advogados mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (FD-USP) e professor universitário.

  • Pedro Luiz Ferreira de Almeida

    é bacharel e mestre em Direito pela PUC-SP integrante do Grupo de Pesquisa Direito e Corrupção (PUC-SP/CNPq) associado fundador do Instituto de Direito Administrativo Brasileiro (Idasan) integrante do Grupo de Pesquisa Ensino e Extensão em Direito Administrativo e Econômico diretor executivo de extensão do Centro para Estudos Empíricos Jurídicos (Ceej) e advogado no Madrona Advogados.

  • Fernando Bernardi Gallacci

    é advogado sênior da área de infraestrutura no Madrona Advogados bacharel e mestre em Direito pela PUC-SP.

27 de julho de 2022, 16h13

Desde 18 de julho de 2022 está em vigor o Decreto 11.129/2022, que regulamenta a Lei 12.846/2013 ("Lei Anticorrupção"), que dispõe a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. O novo decreto substitui o antigo Decreto 8.420/2015, inovando em diversos aspectos na responsabilização das empresas pela prática de atos de corrupção.

Fase preliminar de investigação
O decreto inova ao dispor sobre o procedimento de investigação preliminar prévio ao processo administrativo de responsabilização (PAR). Essa fase possui caráter sigiloso e não punitivo, tendo como finalidade apurar os indícios de autoria e materialidade dos atos de corrupção contra a administração pública federal.

Trata-se uma etapa que visa a dar cautela às investigações sobre os atos de corrupção. Mesmo porque a simples instauração de um PAR, quando não determinado o sigilo sobre os autos, já possui um efeito deletério sobre a pessoa jurídica processada. O conhecimento sobre um PAR com a eventual divulgação pela mídia, já pode atrair uma rejeição do público e do mercado, de modo que a investigação preliminar confere uma certa "justa causa" no ato de instauração do PAR, tal qual ocorre no âmbito da responsabilização por improbidade administrativa.

O artigo 3º, § 3º, do decreto dispõe que na investigação preliminar serão praticados os atos necessários à elucidação dos fatos sob apuração, compreendidas todas as diligências "admitidas em lei".

Seu artigo 3º, § 3º, ao tratar dos atos a serem praticados à elucidação dos fatos, começa dispondo sobre a deliberação de se suspender cautelarmente os efeitos do ato investigado. Muitas vezes, é necessário que o ato continue a ser executado com o fim de obtenção de provas, especialmente quando as infrações apuradas não foram frutos de acordos de leniência por parte de um dos envolvidos. Inclusive, ele se comunica diretamente com a possibilidade de se requerer diligências às autoridades policiais, como buscas e apreensões.

Há a previsão de convocação de especialistas com conhecimentos técnicos ou operacionais alocados em outros entes públicos. Porém, não trata da possibilidade específica de convocação de funcionários que trabalham para órgãos responsáveis por investigações criminais, por exemplo, como a Polícia Federal, especialmente se corpo de peritos criminais federais, que possuem expertise na coleta e análise de equipamentos e arquivos eletrônicos, diligência de suma importância para a investigação e crimes de corrupção ou de fraudes em licitação. Da mesma forma, para investigações de grande repercussão, seria o caso até de se permitir a contratação da iniciativa privada na consecução dessa tarefa.

Todavia, o decreto dispõe sobre a solicitação de informações bancárias de movimentações de recursos públicos, sem fazer referência a prévia autorização judicial, contrariando a Lei Complementar 105, que regula o sigilo bancário. Nesse caso, não é possível confundir o sigilo bancário com a transparência sobre os gastos públicos. Como informações bancárias não tratam apenas do ente público titular da conta, mas todos que realizaram transações com ele, a autorização judicial mostra-se imprescindível para assegurar a legalidade desse tipo de prova. Ademais, assim como ocorre com procedimentos tributários, é questionável se seria possível a obtenção dessa informação em investigações preliminares, ou só quando se tiver procedimentos administrativos formalmente instaurados. A possibilidade de solicitar informações fiscais, também prevista no Decreto 11.129, sem a instauração de um processo administrativo formal não está de em consonância com Código Tributário Nacional e a posição dos tribunais superiores nacionais (AREsp 1.068.263, STJ), que impõem a necessidade de se existir um processo administrativo instaurado.

Por derradeiro, o decreto trata da possibilidade de se requerer diligências e outras medidas que dependem de ordem judiciais bem como requerer cooperações internacionais, quando possíveis e necessárias, lembrando que a maioria dos acordos de cooperação bi e multilaterais que o Brasil é signatário permitem cooperação por órgãos de persecução penal, e não na esfera administrativa, como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

Um tipo de diligência que seria importante ser expressamente regulada pelo Decreto 11.129, é a de coleta e análise de equipamentos eletrônicos e de servidores de e-mail de agentes públicos que possam estar ligados às infrações investigadas. Além disso, o Decreto não dispõe sobre a cadeia de custódia de provas coletadas, sistemática que visa proteger a integridade das provas produzidas, como já vem sendo realizado em investigações criminais desde 2019.

Interface com a Lei 14.133/2021
Outro ponto relevante do Decreto 11.129/2022 é a interface com a Lei 14.133/2021, que estabelece a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

A Lei 14.133/2021, apesar de vigente, ainda não é plenamente aplicável em razão da ausência de regulamentação sobre suas disposições. Nesse sentido, o Decreto 11.129/2022 apresenta uma relação entre os procedimentos nele previstos e as infrações e sanções administrativas constantes da Lei 14.133/2021.

O artigo 155 da Lei 14.133/2021tipifica diversas infrações administrativas que podem ser praticadas pelo licitante ou pelo contratado.

Já o artigo 16 do Decreto 11.129/2022 dispõe que os atos previstos como infrações administrativas nos termos da Lei 14.133/2021 ou outra norma de licitação e contrato que também sejam tipificados como atos de corrupção nos termos da Lei Anticorrupção serão apurados e julgados conjuntamente, nos mesmos autos, e seguindo o mesmo procedimento do PAR.

O § 1º do mesmo artigo dispõe que, concluída a apuração e havendo autoridades distintas competentes para o julgamento, o processo será encaminhado primeiro para a de maior nível hierárquico. O § 2º dispõe que a autoridade responsável pela gestão de licitações e contratos deve comunicar a autoridade responsável e competente eventuais fatos que configurem atos de corrupção, nos termos da Lei Anticorrupção.

Nesse ponto, pelo exposto, o Decreto aparenta estabelecer que o procedimento do PAR só é aplicável para as infrações previstas na Lei 14.133/2021 que sejam ao mesmo tempo atos lesivos nos termos do artigo 5º da Lei Anticorrupção. Em face dessa interpretação, a apuração de infrações administrativas que não configurem atos lesivos nos termos da Lei Anticorrupção deverá seguir os termos da Lei 9.784/1999 e respectivos edital e contrato, não havendo incidência do Decreto 11.129/2022.

No entanto, ao tratar sobre acordo de leniência em seu artigo 33, o decreto permite que tais acordos sejam destinados às empresas responsáveis pela prática de atos de corrupção e de ilícitos administrativos 14.133/2021. Nesse caso, não há ressalva no texto normativo com relação à necessidade de o ilícito ser ao mesmo tempo infração administrativa nos termos da Lei 14.133/2021 e ato de corrupção nos termos da Lei Anticorrupção.

Dessa forma, no que diz respeito ao acordo de leniência, o decreto amplia um benefício que pode ser comumente aplicável tanto para Lei Anticorrupção quanto para a Lei 14.133/2021.

Interessante notar que o Decreto 11.129/2022 reforça a independência das esferas de responsabilização da Lei Anticorrupção e da Lei 14.133/2021 ao prever um procedimento comum para uma conduta ao mesmo tempo tipificada pelas duas normas, mas mantendo sanções autônomas. Contudo, o decreto pouco menciona a Lei 8.429/1992, conforme alterações da Lei 14.230/2021, mantendo a tônica de utilizar a improbidade administrativa como um sistema de responsabilização preponderantemente voltada para servidores públicos.

Autores

  • é advogado associado da prática White Collar & Compliance do Madrona Advogados, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (FD-USP) e professor universitário.

  • é bacharel e mestre em Direito pela PUC-SP, integrante do Grupo de Pesquisa Direito e Corrupção (PUC-SP/CNPq), associado fundador do Instituto de Direito Administrativo Brasileiro (Idasan), integrante do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direito Administrativo e Econômico, diretor executivo de extensão do Centro para Estudos Empíricos Jurídicos (Ceej) e advogado no Madrona Advogados.

  • é advogado sênior da área de infraestrutura no Madrona Advogados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!