Opinião

Startups, crise e competitividade: fintechs e potencial competitivo da publicidade

Autor

  • Mário André Machado Cabral

    é advogado doutor em direito econômico pela USP e mestre (LLM) em direito da concorrência inovação e informação pela New York University (NYU) onde é pesquisador no Engelberg Center on Innovation Law & Policy.

26 de julho de 2022, 16h07

1. Crise e competitividade
Muito tem se discutido sobre eventual crise nas startups. Entre as explicações, diz-se que, em cenário incerto com guerra, inflação e política monetária contracionista, investidores têm preferido investimentos menos arriscados. Assim, tem-se argumentado que, neste momento, startups devem confiar menos em novos investimentos e colocar mais energia em crescimento orgânico. Em alguns segmentos, uma ferramenta fundamental para o crescimento e a sustentabilidade competitiva dos negócios é a publicidade. Algumas fintechs brasileiras têm entendido bem essa dinâmica.

O mercado Bitcoin estampa o uniforme do Corinthians. O Will Bank veicula propaganda com jovens celebridades como Whindersson Nunes, Pabllo Vittar e Maísa no YouTube e na TV aberta. Com Anitta, o Nubank esteve no intervalo do Jornal Nacional. A Stone já teve Juliana Paes estrelando suas campanhas. Os exemplos são vários. Os mercados de produtos financeiros já foram áridos, dominados por poucas grandes instituições e marcados por engessados ritos e tradições; nos últimos anos, porém, passam por grandes transformações. A publicidade como instrumento de competição por startups é parte dessas transformações.

Mais concorrência e mais digitalização trouxeram opções ao consumidor e obrigaram os incumbentes de grande porte a se mexerem, modernizarem seus serviços e buscarem repaginações tecnológicas e de marketing. A força da disputa competitiva via publicidade é uma clara ilustração desse quadro concorrencial salutar e mais acirrado. Do ponto de vista jurídico, há um aspecto em particular que pode despertar preocupação: a publicidade é uma importante ferramenta para que startups concorram no mercado e se tornem conhecidas de potenciais consumidores; logo, restrições legais e infralegais à publicidade acabam por ter efeitos econômicos negativos. É preciso se manter atento a esse risco.

As instituições que ofertam produtos financeiros enfrentam um conjunto complexo e restritivo de normas provenientes das autoridades monetárias. O esforço de simplificação e desburocratização é válido, mas reconhece-se que certos cuidados regulatórios são demandados em virtude das particularidades do segmento e das precauções com as assimetrias informacionais que podem prejudicar consumidores. Mesmo com um corpo regulatório denso a lidar, não há nesse segmento tantas restrições à publicidade quanto em outros mercados.

2. Restrições à publicidade
Há atividades econômicas que contam com significativas barreiras regulatórias à publicidade. Dois exemplos são os setores de contabilidade e advocacia. No caso do primeiro, o Conselho Federal de Contabilidade publicou em 2019 uma versão atualizada do seu Código de Ética estabelecendo restrições à publicidade. Alguns dispositivos vedam a publicidade "mercantilizada", "imoderada e indiscreta" e que "denigra [sic] a reputação da ciência contábil, da profissão ou dos colegas" [1]. Além da subjetividade dos conceitos (que podem dar ensejo a arbitrariedades) e da ausência de base legal para as restrições, observe-se que a publicidade de atividades econômico-empresariais tem caráter tanto informativo quanto comercial. Nesse sentido, vedar o elemento mercantil da publicidade favorece apenas incumbentes dominantes. Limita-se o escopo de atuação de entrantes e players de menor porte, como empresas de contabilidade online, que precisam comunicar aos consumidores suas vantagens competitivas, a exemplo de um novo modelo de negócios menos custoso e de mais qualidade [2].

No caso das atividades advocatícias no Brasil, o Provimento OAB 94/2000 continha uma série de restrições à publicidade, como a proibição de rádio e televisão como veículos de propaganda. Essa realidade contrasta com o que se vê em países como os Estados Unidos, em que o marketing advocatício não encontra tantas barreiras [3]. Contudo, uma alteração recente, de julho de 2021, revisando o referido provimento, sugere que a classe está começando a compreender as novas dinâmicas de marketing dos tempos atuais. Com o novo texto, apesar da manutenção da subjetividade e arbitrariedade de alguns termos (como "discrição e sobriedade" da publicidade), a Ordem demonstra que está aos poucos flexibilizando a comunicação publicitária na atividade advocatícia, admitindo-se, por exemplo, o impulsionamento de postagens de escritórios e advogados em redes sociais, o que deve ser favorável a lawtechs/legaltechs e novos profissionais [4].

Restrições à publicidade, notadamente de associações profissionais ou órgãos reguladores dominados por grupos de interesse, inibem as possibilidades de acesso de entrantes ao mercado e de crescimento de players de menor porte. Ao consumidor, por sua vez, pode ser negado o acesso a informações importantes — sobre um novo ofertante, um novo produto, um novo modelo de negócio. Havendo prejuízos ao ambiente competitivo e não havendo previsão legal para as restrições, deve-se investigar a compatibilidade de normas restritivas da publicidade com relação às normas de defesa da concorrência.

3. Sustentabilidade econômica de modelos de negócios inovadores
Para empresas inovadoras, a publicidade permite a divulgação dos diferenciais competitivos. Startups podem se comunicar com potenciais clientes, atrair e fidelizar consumidores. Empresas que fazem da tecnologia o centro de sua estratégia negocial têm de manter altos investimentos, por exemplo, em infraestrutura, manutenção e recursos humanos. Um modelo de negócios intensivo em tecnologia usualmente implica altos custos fixos (como em investimento e pessoal de tecnologia da informação) e baixos custos marginais (custos para atender um cliente adicional). Esse modelo é viável economicamente na medida em que se amplie a base de clientes. Com baixo custo marginal, pode-se alargar essa base sem maiores dificuldades. Com isso, faz-se frente aos geralmente elevados custos fixos.

A fim de expandir a base de clientes e tornar o negócio sustentável, startups veem na publicidade uma ferramenta para atrair novos clientes e ganhar a escala necessária à viabilização do modelo. A publicidade tem (1) potencial informativo ao consumidor, (2) força persuasiva capaz de convencer o cliente a adquirir o produto e, evidentemente, (3) caráter comercial [5].

Ao informar o consumidor acerca das qualidades do produto, convencê-lo à compra e fortalecer comercialmente a empresa anunciante, a publicidade contribui para (1) a diluição dos custos fixos de empresas inovadoras, (2) a viabilização dos investimentos em tecnologia e (3) o surgimento e fortalecimento de novos modelos de negócios [6].

4. Visões sobre publicidade e concorrência
É intuitivo entender pelo caráter pró-competitivo da publicidade. Apesar disso, há algum debate teórico sobre o tema na literatura econômica de organização industrial. Em paper de 1995, Anusree Mitra e John G. Lynch Jr. esquematizaram duas formas de enxergar o impacto competitivo da publicidade nos mercados [7].

De um lado, uma corrente influenciada pela clássica obra de Joe Bain aponta que a publicidade ajuda a incrementar uma percepção de que os produtos dos variados produtores são diferenciados. Essa diferenciação de produto mitigaria a percepção de substitutibilidade entre os concorrentes e reduziria a elasticidade-preço da demanda. Rivais (como novas empresas, startups com pouco tempo de mercado etc.), por exemplo, teriam dificuldades de atrair clientes fidelizados dos incumbentes — não só pela limitada capacidade de enfrentar custos com publicidade semelhantes aos dos maiores players, mas também pela percepção do consumidor de que os produtos não são necessariamente substituíveis. A diferenciação de produtos – que pode ser acentuada pela publicidade — pode constituir, nesse sentido, uma barreira à entrada [8].

De outro lado, a partir de também clássicos trabalhos de George Stigler [9] e Lester Telser [10], passou-se a compreender que a publicidade pode contribuir com o aumento da elasticidade-preço da demanda, uma vez que provê ao consumidor informações a respeito da variedade de ofertantes e de suas qualidades. Um consumidor com conhecimento sobre os distintos concorrentes e munido de informações sobre as particularidades de cada produto está mais apto a decidir pela alternativa efetivamente mais competitiva.

Ademais, a visão da publicidade como fator de incremento das barreiras à entrada, sugerindo preocupação concorrencial, aplica-se, na ótica de Bain, às firmas já estabelecidas e em mercados concentrados. Não seria acertado vislumbrar potencial anticompetitivo na publicidade praticada por entrantes, rivais de menor porte e empresas sem posição dominante intentando efetivar novos modelos de negócio via tecnologia. Pelo contrário: o próprio Bain reconhece na publicidade a capacidade de informar o consumidor sobre as diferenças entre os produtos concorrentes [11]. Sem dúvidas, isso empodera a decisão informada do consumidor e fortalece o ambiente competitivo.

5. Vitalidade competitiva e vigilância
A redução de barreiras de entrada nos segmentos financeiros (fruto dos esforços do setor e dos entes reguladores, como o Banco Central e o Cade) e a pujança e criatividade da publicidade por fintechs sugerem que o mercado e os consumidores ganham com mais vitalidade competitiva. Desse modo, é importante não apenas reconhecer que a publicidade pode trazer mais informação ao consumidor e ser um relevante mecanismo de concorrência; é preciso também estar atento a normas legais e infralegais (de associações profissionais ou órgãos reguladores) que restrinjam a capacidade de empresas inovadoras anunciarem suas qualidades e seus diferenciais competitivos. Com essa vigilância, ganham a concorrência, o consumidor e a inovação.


[2] Há no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) uma investigação em curso sobre o tema (Inquérito Administrativo 08700.006673/2015-82). O autor atuou como advogado da startup representante nesse processo.

[4] https://www.migalhas.com.br/quentes/348584/oab-aprova-novas-regras-de-publicidade-para-advogados. Observe-se que há outra discussão central que concerne à compatibilidade entre normas da advocacia e normas de defesa da concorrência. No Processo Administrativo 08012.006641/2005-63, o Cade investiga se as tabelas de honorários são violações concorrenciais (influência de conduta comercial uniforme). A Superintendência-Geral do Cade, no último dia 15 de julho, emitiu nota técnica pela condenação do Conselho Federal da OAB. O caso segue para apreciação e decisão final colegiada do Tribunal do Cade.

[5] GOMES, Neusa Demartini. Publicidade ou Propaganda? É isso aí! Revista FA- MECOS, Porto Alegre, n. 16, dez., 2001, p. 115.

[6] CABRAL, Mário; OLIVEIRA JR., Marcio de; FREITAS, Paulo Springer de. Restrições à Publicidade como Restrições Concorrenciais. Revista do Ibrac, nº 1, 2021, p. 529.

[7] MITRA, Anusree; LYNCH JR., John G. Toward a Reconciliation of Market Power and Information Theories. Journal of Consumer Research, v. 21, mar. 1995, p. 644.

[8] BAIN, Joe S. Barriers to New Competition: their character and consequences in manufacturing industries. Cambridge: Harvard University, 1956, p. 114.

[9] STIGLER, George J. The Economics of Information. The Journal of Political Economy, v. 69, nº 3, jun., 1961, p. 213-225.

[10] TELSER, Lester G. Advertising and Competition. The Journal of Political Economy, v. LXXII, nº 6, dez., 1964, p. 537-562.

[11] BAIN, Joe S. Barriers to New Competition, op. cit., p. 114.

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