Opinião

Mediação empresarial: evolução do instrumento nos processos de RJ

Autor

  • Letícia Marina da S. Moura

    é advogada jornalista especializada em Direito Empresarial pela Faculdade Legale e em Assessoria de Comunicação e Marketing pela Universidade Federal de Goiás (UFG) especializanda em Falência e Recuperação de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) compliance Anticorrupção em curso pela Legal Ethics Compliance (LEC) membro pesquisadora do Grupo de Grupo de Estudos Avançados em Processo Recuperacional e Falimentar da Fundação Arcadas/Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Comissão de Recuperação Judicial e Falência das Subseções de Goiânia-GO e Aparecida de Goiânia-GO.

24 de julho de 2022, 11h03

O instrumento da recuperação judicial foi criado com o objetivo de "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica" (artigo 47 da Lei nº 11.101/2005).

Por certo, o caminho para a superação das crises econômico-financeiras perpassa por um amplo leque de interesses — por vezes, divergentes  dos mais diversos agentes que integram a esfera empresarial de um empresário/sociedade empresária. O que, consequentemente, pode gerar inúmeros conflitos que colocam em risco as estratégias de soerguimento estabelecidas ao longo de uma recuperação judicial.

Dentro desse cenário, à luz do ordenamento jurídico brasileiro e dos recentes casos em trâmite nos Tribunais pátrios, a mediação mostra-se como um efetivo "meio consensual de abordagem de controvérsias em que alguém imparcial atua para facilitar a comunicação entre os envolvidos e propiciar que eles possam, a partir da percepção ampliada dos meandros da situação controvertida, protagonizar saídas produtivas para os impasses que os envolvem" [1].

Diante disso, é nítido que os procedimentos de insolvência empresarial, per si, já buscam a efetiva participação dos agentes processuais para deliberação da melhor solução proposta para a superação da crise econômico-financeira do devedor, especialmente pela possibilidade de convocação da Assembleia Geral de Credores e formação do Comitê de Credores, favorecendo o diálogo entre devedor e credores. Portanto, o incentivo das ferramentas de mediação é visto, na maioria dos casos, como um grande avanço e benefícios ao campo da insolvência empresarial.

No âmbito judicial, denota-se, recentemente, que a mediação foi adotada para a resolução dos conflitos na recuperação judicial da Mineradora Samarco, que tramita perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG). Com um passivo aproximado de R$ 51 bilhões e mais de três mil credores, foi alcançado consenso para que seja iniciado um processo de mediação entre a companhia e seus credores após a rejeição das estratégias de soerguimento apresentadas anteriormente pela devedora.

Evolução da mediação no cenário da recuperação judicial
Antes da edição da Lei nº 14.112/2020, a utilização da mediação nos processos de recuperação judicial ocorreu, em grande parte, a partir de iniciativas do Poder Judiciário ad hoc  ou seja, nos casos concretos; por solicitação das partes envolvidas no processo ou dos administradores judiciais, bem como por recomendações do Conselho Nacional de Justiça.

Diante disso, com vistas a assegurar a proteção ao mercado frente o contexto pandêmico atual decorrente dos impactos da Covid-19, estimava-se o expressivo aumento de demandas judiciais com o intuito de evitar a falência. Em levantamento realizado pelo jornal O Globo (BRANCO, 2020 [2]), foi previsto o número de 2.500 a cinco mil pedidos de proteção judicial em 2020.

Por derradeiro, o prognóstico caótico intensificou a busca por soluções que ampliassem a efetividade e controle da insolvência e, por sua vez, também evitassem a sobrecarga do Poder Judiciário com a alta demanda de procedimentos de insolvência empresarial. Prontamente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [3] editou a Resolução n° 71, de 5 de agosto de 2020, com o objetivo de incentivar a criação do Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc Empresarial) e, consequentemente, fomentar o uso de métodos adequados de tratamento de conflitos de natureza empresarial.

A disposição pautou-se nas experiências já implementadas pelos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo (Provimento CGJ nº 11/2020), Paraná (Cejusc de recuperação de empresas na Comarca de Francisco Beltrão), Rio de Janeiro (Ato nº 17/2020) e Espírito Santo (Ato Normativo Conjunto nº 22/2020) para alcançar a modernização e à efetividade da atuação do Poder Judiciário nos processos de recuperação judicial e de falência.

Nessa senda, as alterações advindas da Lei n° 14.112/2020 incluíram a Seção II-A na Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei n° 11.101/2005) com o intuito de estabelecer as normas para a utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos antecedentes e incidentais no âmbito dos processos de recuperação judicial.

Malgrado a previsão legal para a aplicação aos feitos recuperacionais e falimentares tenha sido positivada recentemente, o Código de Processo Civil (Lei n° 13.105/2015) e a Lei de Mediação (Lei n° 13.140/2015) amparavam a atuação de terceiro, nos casos em que houver vínculo anterior, a identificar soluções consensuais que gerem benefícios mútuos às partes envolvidas e, consequentemente, protagonizar saídas produtivas aos impasses.

Sob a mesma orientação clássica, a mediação empresarial revela-se uma via interessante para viabilizar a maximização de êxito ante o atendimento das finalidades perseguidas pelas empresas, assegurando, com isso, a melhoria da comunicação entre os agentes e do próprio funcionamento orgânico da instituição (TARTUCE, 2021 [4]).

Todavia, a possibilidade expressa no texto legal de adoção da mediação em todas as etapas do processo judicial e grau de jurisdição pode contribuir para a célere tomada de decisão e, com isso, com a própria eficiência do procedimento de insolvência empresarial, otimizando os múltiplos interesses coexistentes:

"[…] Na recuperação judicial, a conciliação e a mediação são importantes instrumentos para auxiliar o devedor e credores na busca da melhor solução coletiva para a superação da crise econômica que acomete a atividade empresarial e como forma de obtenção da maior satisfação dos créditos pelos credores. Por reduzir a assimetria informacional entre as partes e assegurar uma decisão mais informada para a satisfação coletiva dos créditos, sua realização deverá ser incentivada pelo juiz na recuperação judicial e tribunais. O incentivo, porém, não se confunde com determinação, haja vista que os instrumentos continuam a ser de autocomposição e, portanto, dependem da vontade livre das partes".  (SACRAMONE, 2021, p. 149 [5]).

Outro ponto de destaque é a possibilidade de admissibilidade das conciliações e das mediações antecedentes e incidentais na recuperação da empresa, nos casos em que constata-se: 1) disputas entre os sócios e acionistas de sociedade em dificuldade ou em recuperação judicial, bem como nos litígios que envolverem credores não sujeitos à recuperação judicial ou credores extraconcursais; 2) em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais; 3) na hipótese de haver créditos extraconcursais contra empresas em recuperação judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais; 4) na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial (artigo 20-B da Lei n° 11.101/2005).

À luz da literatura jurista, a disposição possibilitou a criação de um "sistema de pré-insolvência empresarial", instituindo condições para que o Poder Judiciário – que já opera no limite de sua capacidade – possa absorver o grande número de processos complexos de insolvência empresarial em um curto período (COSTA, 2020 [6]). Nesse sentido, complementam Daniel Carnio Costa e Ricardo Villas Bôas Cueva (2020[7]):

"[…] O sistema de pré-insolvência criado pelo PL 4458/20 cria estímulos para que empresas devedoras busquem a renegociação coletiva de suas dívidas de forma predominantemente extrajudicial, com mínima intervenção judicial. A utilização da mediação e da conciliação preventivas necessita da criação de estímulos para que seja eficaz e adequada. Nesse sentido, é preciso proteger o devedor de execuções individuais, como condição para que se crie um espaço adequado para realização dos acordos com os credores. Os credores somente se sentarão à mesa para negociar se não puderem prosseguir nas suas execuções individuais. Por outro lado, a devedora somente terá condições de propor um acordo aos seus credores se tiver um espaço de respiro e uma proteção contra os ataques patrimoniais provenientes de ações individuais. Da mesma forma, um credor somente se sentirá seguro para negociar se houver uma proteção ao acordo entabulado, evitando-se que seja prejudicado pelo uso sucessivo de um processo de insolvência. De igual modo, deve-se cuidar para que os devedores não façam uso predatório dessa ferramenta, apenas com o intuito de prolongar a proteção do stay contra os credores".

Em uma singela análise durante o período emergencial e de vigência das alterações da Lei n° 11.101/2005  em vigência desde 23 de janeiro de 2021  denota-se que as medidas econômicas e legislativas lograram êxito na contenção das demandas judiciais, fechando o ano de 2021 com o menor patamar de pedidos de recuperação judicial desde 2014 (LUNA, 2022 [8]).

Dentre os fatores que contribuíram para a queda no número de processos judiciais perante o Poder Judiciário, juristas e especialistas apostam na utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos para fomentar a renegociação das dívidas junto aos credores:

"[…] Na medida em que todos absorvem a gravidade da crise e percebem nitidamente os seus efeitos (em maior ou menor grau), aumenta-se a disposição para o encontro de solução negociada (e foi o que de fato ocorreu).

Paralelamente, algumas reformas legislativas também contribuíram de forma decisiva para a contenção das demandas decorrentes da insolvência empresarial. Destaca-se que a reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei n° 11.101/05, reformada pela Lei n° 14.112/20), em vigor desde janeiro de 2021. Essa nova lei criou importantes estímulos à solução extrajudicial de conflitos, a fim de se evitar o ajuizamento de falências ou recuperações judiciais (criação do sistema de pré-insolvência empresarial com fortes estímulos à mediação e a conciliação preventivas)" (SALOMÃO e COSTA, 2022 [9]).

Portanto, em suma, ao sistema de insolvência, impõe-se o papel fundamental na busca de resultados econômicos eficientes (ALMEIDA, 2009 [10]) e, em que pese o instrumento tenha sido incluído na Legislação Recuperacional recentemente, aponta-se as possíveis contribuições da aplicação da mediação aos procedimentos de insolvência empresarial, de modo a efetivamente impactar na redução das demandas  se aplicada anteriormente ao pedido de recuperação  ou na celeridade dos processos judiciais quando utilizada para a resolução dos conflitos entre devedor e credores.


[1] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis — 6ª Ed.  Rio de Janeiro: Forense, 2021.

[2] BRANCO, Leo. Pandemia vai levar a uma onda de recuperação judicial, com até 5 mil pedidos em 2020, novo recorde. O Globo, São Paulo, 19 de maio de 2020. Disponível aqui. Acesso em: 17 jul. 2022.

[3] O incentivo à adoção de meios alternativos de resolução de conflitos foi objeto da Resolução n° 58, de 22 de outubro de 2019, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Por meio da diretriz, o órgão recomendou aos magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, de varas especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, o uso da mediação.

[4] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis  6ª Ed.  Rio de Janeiro: Forense, 2021.

[5] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência  2ª Ed.  São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

[6] COSTA, Daniel Carnio. A gestão democrática de processos e a tutela da função social da empresa no sistema de insolvência brasileiro. Migalhas: Insolvência em foco, São Paulo, 17 de março de 2020. Disponível aqui. Acesso em: 16 jul. 2022.

[7] CUEVA, Ricardo Villas Bôas; COSTA, Daniel Carnio. Os mecanismos de pré-insolvência nos PLs 1397/2020 e 4458/2020. Migalhas de Peso, São Paulo, 21 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/335268/os-mecanismos-de-pre-insolvencia-nos-pls-1397-2020-e-4458-2020. Acesso em: 16 jul. 2022.

[8] LUNA, Denise. Pedidos de recuperação judicial caem em 2021 ao menor nível desde 2014. CNN Brasil, São Paulo, 24 de janeiro de 2022. Disponível aqui. Acesso em: 16 jul. 2022.

[9] SALOMÃO, Luis Felipe; COSTA, Daniel Carnio. O que está salvando as empresas?. Valor Econômico, São Paulo, 11 de janeiro de 2022. Legislação e Tributos.

[10] ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa: de acordo com a Lei n. 11.101/2005 – São Paulo: Saraiva, 2009.

Autores

  • é jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), especialista em Assessoria de Comunicação e Marketing pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e em Direito Empresarial pela Faculdade Legale e auxiliar jurídico na Dux Administração Judicial.

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