Opinião

Habilitação econômico-financeira na NLLC

Autor

  • Adiel Ferreira da Silva Júnior

    é sócio-proprietário do escritório Adiel Ferreira Jr Sociedade de Advocacia especialista em Direito Administrativo (PUC-MG) professor universitário e membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB-PE.

24 de julho de 2022, 12h12

Nas compras públicas, o lance de preços é considerado, por muitas pessoas, como o momento mais importante da competição entre as empresas que querem fornecer seus bens e serviços para o setor público.

Contudo, muitos empreendedores descobrem, após a chamada etapa de lances, que existe uma nova etapa, tão importante quanto a primeira, que é a da habilitação. Nesta etapa, o empreendedor demonstrará, que tem capacidade e qualificação suficientes para celebrar e executar o contrato administrativo, e o setor público irá verificar se realmente ele preenche os requisitos dessa etapa.

Tudo conforme o edital do processo de licitante.

Entre essas verificações que o setor público fará, com base no edital do processo de licitação, está a habilitação econômico-financeira, prevista na Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) (Lei nº 14.133/21), no artigo 69. Para aqueles que já atuam no segmento de compras públicas, conhecem bem esta etapa de habilitação, mas com outro nome: "qualificação econômico-financeira".

O objetivo da habilitação econômico-financeira é verificar se o licitante possui a aptidão e saúde financeiras para cumprir suas obrigações, conforme previsto no futuro contrato administrativo que irá assinar.

Através dela, o setor público fará espécie de health check da situação financeira do empreendedor, antes da assinatura do contrato.

A lógica por trás deste check-up da saúde financeira do licitante é a de que o empreendedor já deve ter capital de giro, insumos, tecnologia e mão de obra suficientes para fornecer ou prestar serviço para a administração pública. Assim, o licitante não entra para "ganhar e depois trabalhar", ao contrário, ele precisa ter condições de aguardar o prazo de assinatura do contrato, fornecer o produto/serviço e, somente depois de cumpridas as demais formalidades, receber sua justa remuneração.

A na NLLC (Lei nº 14.133/21), o legislador estabeleceu, em comparação com as legislações anteriores, algumas inovações que merecem atenção e que se destacam aqui: a) o novo período de exigência das demonstrações contábeis; e b) a certidão de falência.

Segundo o texto, o licitante deve trazer aos autos "balanço patrimonial, demonstração de resultado de exercício e demais demonstrações contábeis dos dois últimos exercícios sociais".

E em que houve inovação? É que, nas legislações anteriores, exigia-se apenas as de demonstrações do último exercício social e, agora, exige-se as demonstrações dos dois últimos exercícios sociais do empreendedor. Isto demonstra uma preocupação voltada para que o setor público tenha maior segurança e menor risco de contratar um licitante que não possua uma boa gestão de seu negócio e as demonstrações contábeis são uma boa forma de se verificar esse histórico.

Importante dizer que o fato de exigir a apresentação das demonstrações contábeis dos últimos dois anos não significa que apenas licitantes com mais de dois anos podem participar de licitações. O legislador, ao apresentar essa inovação, também permitiu que a empresa constituída em prazo menor que dois anos poderão apresentar as demonstrações contábeis apenas do último exercício. Tudo devidamente registrado no §6º do artigo 69 da NLLC.

Com base nesses dispositivos, e analisando o texto legal com um pouco mais de atenção, não nos parece que o legislador estabeleceu qualquer tipo de prazo mínimo para participação de novas empresas, ao menos no que diz respeito à Habilitação Econômico-Financeira.

Por essa razão, se não houver limitações quanto a habilitação técnica (atestados de experiência anterior, por exemplo), nada impede que uma empresa recém-criada participe com seu balanço de abertura, por exemplo. Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça (STJ [1]) e o Tribunal de Contas da União (TCU), já decidiram que "licitante que iniciou as atividades no exercício em que se realizar a licitação poderá apresentar balanço de abertura" [2].

Com relação à segunda novidade apresentada pela NLLC, referente à "certidão negativa de feitos sobre falência expedida pelo distribuidor da sede do licitante", apenas se deixou explícito que um empreendedor que tenha tido sua falência decretada pela Justiça não poderá participar de licitações ou assinar contratos públicos, em regra. É que a Lei 11.101/2005, conhecida como Lei da Recuperação e Falência, estabeleceu que o empreendedor que tiver sua falência decretada pela justiça perderá sua autonomia gerencial e passará a ser tradado como uma "massa falida", e, em regra, não terá liberdade para assumir compromissos contratuais.

E por qual razão ocorreu a mudança? E que na legislação geral anterior, Lei nº 8.666/93, constava, expressamente, a proibição de participar em licitações de empresas que estivessem em concordata. Com a Lei 11.101/2005, deixou de existir a concordata no Brasil e passou-se a ter os procedimentos de recuperação de empresas, judiciais ou extrajudiciais.

A título de curiosidade, a concordata era prevista na antiga Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7.661/45) que, segundo Francisco Penante Jr. "aportava apenas dois meios para recuperação da empresa em crise: a remissão (perdão) de dívidas e a dilação de prazos", afirma, portanto, que "durante a vigência do Dec.-Lei 7661/45, quase 90% das empresas concordatárias tiveram sua falência decretada" [3].

Assim, era compreensível que o legislador de 1993, quando editou a Lei 8.666/93, tenha previsto a proibição de que empresas concordatárias participassem dos certames, já que a concordata era, estatisticamente, um prenúncio da falência.

Agora, com ambas as alterações legislativas, tanto da Lei 11.101/2005 e da NLLC, "diferentemente da antiga concordata, prevista pelo revogado Dec.-Lei 7.661/45, que restringia os meios de recuperação a remissão de dívidas e a dilação de prazos, a RJ da Lei 11.101/05 prevê um verdadeiro plano de reestruturação" [4] e, por isto, pode-se concluir que o fato de uma empresa estar em Recuperação Judicial não a impede, automaticamente, de assumir e cumprir contratos administrativos.

A questão tornou-se tão importante, que o Tribunal de Contas da União (TCU), desde 2005, vem decidindo que "a certidão negativa de recuperação judicial é exigível por força do artigo 31, inciso II, da Lei 8.666/1993, porém a apresentação de certidão positiva não implica a imediata inabilitação da licitante, cabendo ao pregoeiro ou à comissão de licitação diligenciar no sentido de aferir se a empresa já teve seu plano de recuperação concedido ou homologado judicialmente (Lei 11.101/2005)". (Acórdão 2265/2020 Plenário).

Assim, na NLLC, fica claro que apenas se poderá exigir a comprovação de que o empreendedor não está sofrendo processo de falência, com o fim de excluí-lo do certame de contratação.

Já, se o empreendedor estiver sob o regime da recuperação judicial, não haverá, em regra, impedimento para que ele continue no certame e, quem sabe, até possa assinar o contrato administrativo.

Por fim, uma terceira mudança: a exigência de garantia como requisito de habilitação deixou de existir no bojo da habilitação econômico-financeira da NLLC, e, agora, passou a ser uma exigência possível de "pré-habilitação", conforme seu artigo 58.

Hoje, com tais alterações, demonstra-se que a habilitação econômico-financeira está alinhada com a legislação empresarial no objetivo de ajudar o empreendedor no seu crescimento ou, até mesmo, em sua recuperação, promovendo o desenvolvimento nacional sustentável.


[1] "Tratando-se de sociedade constituída há menos de um ano e não havendo qualquer exigência legal a respeito do tempo mínimo de constituição da pessoa jurídica para participar da concorrência pública, não se concebe condicionar a comprovação da idoneidade financeira à apresentação dos demonstrativos contábeis do último exercício financeiro, sendo possível demonstrá-la por outros documentos, a exemplo da exibição do balanço de abertura".

[2] Licitações & Contratos — Orientações e Jurisprudência do TCU — 4ª Edição — Revista, atualizada e ampliada. P. 440.

[3] PENANTE JR, Francisco. Direito Empresarial. JusPodium. Salvador: 2016. P.182.

[4] PENANTE JR, Francisco. Obra citada. P. 193.

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  • é sócio-proprietário do escritório Adiel Ferreira Jr Sociedade de Advocacia, especialista em Direito Administrativo (PUC-MG), professor universitário e membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB-PE.

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