Opinião

Ainda a questão da prescrição nos Tribunais de Contas

Autor

23 de julho de 2022, 11h19

Em 17/12/2021, publicamos nesta ConJur artigo sobre os efeitos do julgamento da ADI 5.509 aos processos de controle externo [1], tendo o STF, pela primeira vez em sede de controle concentrado, se manifestado a respeito da incidência do prazo quinquenal no âmbito das Cortes de Contas  nos termos da Lei nº 9.873/99, especialmente se inexistente lei específica do ente a respeito da matéria.

Desde então, temos acompanhado notórias evoluções a respeito do reconhecimento da prescrição pelos Tribunais de Contas.

O TCU, embora ainda não tenha alterado sua jurisprudência  prescrição punitiva decenal, regida pelo Código Civil; imprescritibilidade da pretensão ressarcitória (Acórdão 1441/2016-TCU-Plenário) , vem adotando medidas de paulatino alinhamento às decisões da Corte Suprema  as quais, para além da referida ADI, abrangem os temas de repercussão geral nºs 666, 897 e 899, os quais, em síntese, reconhecem que somente as ações de reparação de danos decorrentes de atos dolosos de improbidade são imprescritíveis, mas que essa perspectiva de apuração não é realizada pelos Tribunais de Contas [2].

De um lado, nos diversos processos que esbarram na discussão prescricional, o reconhecidamente qualificado corpo técnico daquela Corte de Contas realiza análise das alegações e dos marcos temporais de forma dúplice: primeiramente, aplicando-se a jurisprudência "da Casa", mediante a verificação de ocorrência do prazo decenal civilista e de seus marcos interruptivos; para, em seguida, realizar a análise determinada pelo STF, de aplicação direta da Lei nº 9.873/99 e de seus marcos interruptivos da prescrição.

De outro lado, o TCU, ao reabrir a discussão sobre sua jurisprudência (TC 000.006/2017-3, relator ministro Antonio Anastasia), criou Grupo Técnico com a específica atribuição de revisão do incidente de uniformização de jurisprudência, para que a Corte de Contas passe a utilizar a consolidada  e mandatória  orientação jurisprudencial emanada do STF a respeito da matéria.

Até esta semana, as análises constantes dos relatórios integrantes dos acórdãos publicados ou reconheciam a prescrição com base nos dois regimes, ou bem a afastavam nas duas perspectivas, não havendo notícias de que a análise técnica tivesse apresentado situação de divergência.

No recém-publicado Boletim de Jurisprudência nº 407, datado de 11/7/22, foi incluído processo em que a área técnica do TCU constatou divergência entre os dois regimes de apreciação da prescrição, tendo-se verificado a ocorrência da prescrição intercorrente trienal, prevista no §1º do artigo 1º da Lei nº 9.873/99 (Acórdão 1458/2022-TCU-Plenário, relator ministro Augusto Nardes)  prescrição essa não confirmada pelas regras decenais estabelecidas na jurisprudência daquela Corte de Contas.

Ocorre que, mesmo nessa situação, os ministros do TCU não declararam a ocorrência da prescrição, nos termos da jurisprudência do Supremo, tendo-se aplicado os parâmetros do incidente de uniformização de jurisprudência balizado no Acórdão 1441/2016-TCU-Plenário.

Além disso, nas situações em que há o reconhecimento da prescrição nos termos da jurisprudência do TCU, os ministros somente a reconhecem no viés sancionatório, não a declarando em relação à pretensão ressarcitória, em razão de se estar diante de dano ao erário  independentemente, portanto, de ser decorrente de ilícito civil (tema 666) ou de ato de improbidade (tema 897).

Indubitavelmente, a resistência do TCU em aplicar a pacífica jurisprudência do STF a respeito da prescrição nos processos de controle externo  nos vieses sancionatório e reparatório  é passível de críticas, eis que convidativa à interferência judicial nesses processos.

Em contrapartida, verifica-se que a Corte de Contas está implementando medidas para, em conformidade com os preceitos estabelecidos na Lindb, avaliar as consequências práticas da mudança de entendimento a respeito da temática prescricional no âmbito do controle externo, tendo sido constituído Grupo de Trabalho com essa finalidade.

A repentina determinação de aplicação do prazo quinquenal da Lei nº 9.873/99 — que possui marcos interruptivos nem sempre bem objetivos  impacta o regular funcionamento dos Tribunais de Contas, desde a fase de planejamento das fiscalizações até a análise de recursos, o que justificaria o escrutínio dos impactos dessa mudança de entendimento  e não como uma descabida "placitação" da jurisprudência do STF.

Nesse contexto, a modificação da jurisprudência do TCU é pertinente que seja pautada por ampla análise dos impactos daí decorrentes na regular atuação da Corte de Contas, mas que, enquanto não efetivada, fica sob o risco de interferência judicial, por conta da divergência em relação à jurisprudência do STF.


[1] "Os Tribunais de Contas e a prescrição reconhecida na ADI 5.509", disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-17/bordin-tribunais-contas-prescricao-reconhecida-adi-5509

[2] A esse respeito, remeto ao artigo elaborado em coautoria com a professora doutora Christianne de Carvalho Stroppa, intitulado "A prescrição no âmbito dos Tribunais de Contas: uma proposta de solução trazida pela nova lei de improbidade", que será publicado na obra coletiva organizada pelos professores Fabrício Mota e Ismar Viana, a respeito dos impactos da nova lei de improbidade nos Tribunais de Contas (no prelo).

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!