Opinião

Modelamos os projetos, mas será que não estamos esquecendo do financiamento?

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20 de julho de 2022, 16h18

Não é de hoje a necessidade de se fomentar o mercado de capitais para financiar a expansão da infraestrutura brasileira. Já há algum tempo o BNDES remodelou seu papel como financiador dos projetos, passando a focar na estruturação de desestatizações que consigam captar recursos junto ao mercado. De forma semelhante, a Caixa Econômica Federal também está estruturando concessões e PPPs (parcerias público-privadas) junto aos estados e municípios, contando que as concessionárias conseguirão obter financiamento em ambiente preponderantemente privado.

Embora com idas e vindas, parece ser fato que o mercado de debêntures está caminhando para atender parte relevante do chamado junto aos novos projetos. Corroborando esta afirmação está o desempenho das debêntures incentivadas, também conhecidas como as debêntures de infraestrutura (reguladas pela Lei nº 12.431/2011). Dados recentes, inclusive reportados pelo Valor Econômico, indicam um aumento da captação de recursos via debêntures incentivadas para concessões de saneamento básico, sinalizando o crescimento de potenciais emissões com valores quase cinco vezes maiores do que os montantes de 2021.

Infelizmente, nem todas as concessões e PPPs podem gozar deste tipo de benefício para captação junto do mercado, visto que a regulação das debêntures incentivadas lista apenas alguns setores tradicionais de infraestrutura, excluindo tantos outros que carecem de recursos.

Ocorre que as autoridades estatais e os bancos federais estão estruturando projetos para atender exatamente estes outros setores. E, consequentemente, o financiamento destes projetos restará prejudicado, haja vista a restrição do uso das debêntures incentivadas para lastrear os investimentos projetados. É o caso da carteira de projetos ambientais e sociais, com empreendimentos de escolas, creches, hospitais, presídios, parques naturais e preservação florestal.

A inclusão em lei destes setores no rol de projetos que podem se beneficiar das debêntures incentivadas é objeto de debate no Congresso Nacional, por exemplo, mediante apreciação do Projeto de Lei nº 2646/2020, sob relatoria na Câmara pelo deputado Arnaldo Jardim, e cuja apreciação segue em análise pelo Senado.

Esta alteração legislativa é importante e necessária. Ela abre caminho para que outros setores também se beneficiem, independentemente de quem estruturou o projeto.

Mas, enquanto não aprovada, a expectativa da nova norma não pode deixar minguar importantes concessões sociais ou de cunho sustentável que atualmente estão sob estruturação. Já existe precedente que pode ser utilizado para viabilizar as captações nestes outros segmentos exigindo tão somente alterações infralegais que podem ser elaboradas imediatamente.

Da forma como está, a legislação permite interpretação de que os projetos de concessão ou PPP podem se valer das debêntures incentivadas, desde que, entre diferentes alternativas, sejam qualificados dentro do Programa de Parcerias de Investimentos, o famoso PPI. Quer dizer, a legislação vigente dispõe que qualquer projeto qualificado pelo PPI é considerado como prioritário para fins da emissão de debêntures de infraestrutura, não precisando necessariamente ser um daqueles setores listados expressamente no Decreto nº 8.874/2016.

Nestes casos, a regulamentação do processo administrativo para emissão de portaria feita pelo ministério setorial competente seria suficiente para embasar o pedido do concessionário, ou dos controladores, perante a Receita Federal do Brasil e, subsequentemente, a aprovação fiscal para emissão dos títulos incentivados. Dito de outra maneira, é preciso que o projeto esteja qualificado no PPI e que haja portaria ministerial para posterior pleito junto à receita. Com isso em mãos (e o deferimento da receita), pode-se seguir com a emissão de debêntures incentivadas para financiar os projetos de concessão e/ou de PPP.

Este tipo de racional não é novo. Abordagem semelhante aconteceu com o setor de iluminação pública, cuja atividade econômica não se encontra expressamente descrita na legislação em vigor. Por meio de portaria publicada no início de 2021, o Ministério de Desenvolvimento Regional regulamentou os procedimentos para que os projetos de iluminação pública do PPI, em grande parte modelados pela Caixa e pelo BNDES, pudessem acionar o mercado de capitais com emissão de debêntures incentivadas.

Passados alguns meses, a Engie foi pioneira ao usar do modelo para financiar o projeto de iluminação pública em Uberlândia (MG), mediante a emissão de títulos para captação de R$ 65 milhões.

Se o precedente existe para iluminação pública, por que não servir para incentivar a regulamentação da emissão de títulos incentivados buscando a preservação de ativos florestais ou a construção de novos hospitais?

Não é preciso aguardar que o BNDES ou a Caixa estruturem projetos, para então, correr atrás da regulamentação da emissão de debêntures incentivadas destes outros setores. É sim preciso adotar medidas imediatamente, enquanto se modelam os projetos.

Desta forma, o lançamento das concessões poderá refletir condições otimizadas de financiamento, o que, por seu turno, certamente poderá dar causa para propostas mais vantajosas no âmbito das respectivas licitações, aumentando valor de outorgas ou abaixando contraprestações públicas. Ao mesmo tempo em que se confere maior segurança para o financiamento dos contratos.

É preciso pensar fora da caixa e agir rápido para superar o atual momento global. Projetos nos setores ambientais e sociais certamente terão papel de destaque neste cenário, exigindo boas modelagens e boas condições de financiamento. Vamos olhar para ambos.

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