Opinião

Resíduos sólidos e segurança jurídica

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20 de julho de 2022, 11h06

O Decreto 10.936, publicado em 12 de janeiro de 2022, tem por escopo regulamentar a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), os aspectos inerentes aos resíduos sólidos inseridos nas diretrizes nacionais para o saneamento básico (Lei 11.445/07) que foi modificada pelo Marco do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020). 

Antes mesmo da publicação do decreto em questão, o novo Marco do Saneamento Básico trouxe diversas alterações, em especial, as metas de universalização do saneamento para água e esgoto, bem como integrou novas definições de saneamento básico, em especial para este tema, o entendimento de que os resíduos sólidos estão abarcados na Política de Saneamento Básico.  

A nosso ver, o decreto cumpre seu papel alinhado às Políticas de Saneamento e Marco do Saneamento, pois mantem a abrangência das obrigações de atendimento a toda cadeia produtiva e consumerista, incluindo obrigações para pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, sejam eles fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos.  

Determina, ainda, a exigência de adequação do Poder Público com a obrigatória elaboração dos Planos de Resíduos Sólidos, que vão desde a identificação da situação atual, passando a execução correta dos serviços desde sua coleta, até a adequação dos aterros e disposição final dos rejeitos. 

Finalmente, não deixou de lado as obrigações aos consumidores que devem fazer a correta segregação, acondicionamento e destinação. Contudo, por se tratar de grande escala de volume conjunto e um incontável número de residências a serem atendidas, de nada adianta o consumidor fazer seu papel se não houver disponibilidade de coleta e destinação final destes resíduos, sejam ela oportunizada pelos entes privados da cadeia ou pelos entes públicos responsáveis pela coleta, transporte, destinação e transformação.

Vemos aqui grandes dificuldades por se tratar de um país de dimensões continentais, com graves desigualdades sociais tanto da população, quanto dos próprios municípios. 

Em que pese muitos dos temas estarem legalmente previstos no decreto, vemos sua dificuldade na própria execução destas obrigações, vez que os elos da cadeia, acima citados (usuários, indústria, transporte, cooperativas etc.), devem trabalhar conjuntamente em um sistema novo para grande maioria.  

De início, trazemos a problemática da coleta dos resíduos, eis atualmente não é possível que os caminhões coletores de lixo comum façam tal serviço, sendo necessário, na prática, a busca de outros métodos de coleta, seja ele por caminhões especializados nesta coleta, seja por outros meios, o que, por si, já indica um impacto nos custos diretos e indiretos da coleta dos resíduos. 

A alternativa prestigiada pelo decreto foi se utilizar de associações e cooperativas de catadores, desde que sejam legalmente constituídas, cadastradas e habilitadas, ficando a cargo da administração pública federal, direta e indireta, realizar os procedimentos necessários para a seleção de associações e de cooperativas cadastradas no Sinir, institucionalizando o Programa Coleta Seletiva Cidadã.  

Aqui reside um ponto sensível, pois há um enorme desafio a essas associações e cooperativas de catadores de se regulamentarem de forma adequada. A nosso ver, a problemática está em fundar, integrar e adequar as associações e cooperativas, de modo a oportunizar, com o uso dos instrumentos econômicos previstos no decreto, aos catadores a organização e operação dentro do sistema da logística reversa, atendendo às regras jurídicas (constituição e adequação legal) e a interface com governança das empresas (contratos, compliance, etc.), ou seja, é necessário treinamento e acesso à informação para adequação legal e para o atendimento do ambiente de governança empresarial que fará parte do dia a dia das associações e cooperativas, o que não será tarefa simples.  

Analisando sob o aspecto das empresas, estas devem se adequar aos procedimentos de logística reversa otimizando a implementação e a operacionalização da infraestrutura física e logística, proporcionando ganhos de escala e criando sinergia entre os sistemas, de modo a absorver os custos e tornar economicamente viável a operação.  

Superado do desafio da coleta, é imprescindível a criação de mecanismos de aproveitamento pela indústria para que os resíduos sejam devidamente transformados e voltem à cadeia de produção/consumo reduzindo a necessidade da geração de novos produtos que serão substituídos pelos recicláveis, o que de fato, não é algo simples de se fazer ou que exija pouco investimento, fazendo com que a chances do decreto virar letra morta aumentem substancialmente. 

Entendemos que somente com o foco no correto manejo dos resíduos e a gestão de soluções integradas às indústrias de beneficiamento formatando o tão falado blockchain, ou seja, a cadeia atuando de ponta a ponta, desde o consumo da matéria prima, industrialização, transporte, venda ao consumidor, uso, geração do resíduo e retorno à indústria do reciclável. 

Já no tocante às obrigações do Poder Público, o Marco do Saneamento Básico incluiu dentre os itens de saneamento, os serviços públicos especializados de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos as atividades operacionais de coleta, transbordo, transporte, triagem para fins de reutilização ou reciclagem, tratamento, inclusive por compostagem.  

Com isto, os entes públicos responsáveis por estas atribuições deverão oportunizar processos licitatórios de concessões ou parcerias público privadas para o atingimento das metas previstas nos planos de resíduos sólidos que devem ter como conteúdo mínimo um horizonte de 20 anos, revisados a cada quadriênio, constando o diagnóstico da situação atual dos resíduos sólidos, as metas de redução, reutilização, reciclagem e eliminação dos lixões. Tarefa não menos árdua do que as anteriores, pois obrigará aos titulares do serviço público a adequação aos planos e, por consequência seu devido cumprimento, o que impactará no orçamento anual e nos contratos vigentes e a serem licitados. 

Na seara dos contratos públicos, a determinação da diretriz está na necessária sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, que será assegurada por meio de instrumento de remuneração, com cobrança dos usuários, garantida a recuperação dos custos decorrentes da prestação dos serviços essenciais e especializados. Deverá ter por base, a elaboração de sistema de cálculo dos custos da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, bem como a forma de cobrança desses serviços.  

Neste horizonte, dificilmente os entes públicos, sobremaneira, os municípios e seus consórcios, terão expertise técnica para executar este tipo de serviço, assim, certamente se oportunizará às empresas especializadas contratos para execução destes serviços. 

Assim, o Decreto traz desafios e oportunidades para diversos players da cadeia de saneamento que, deverão agir de forma integrada para consecução dos objetivos legais. Somente desta forma serão atendidas as diretrizes do Decreto que são claras em buscar a adequação ambiental dos resíduos sólidos. Assim, num país tão grande e com diferenças sociais e de recursos financeiras importantes, atingir à adequação da legislação é algo que dependerá de muito esforço de todos os envolvidos para que a lei saia do papel e se concretize.

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