Opinião

Decreto nº 11.123/2022 e enfraquecimento da ampla defesa no PAD

Autor

  • Guilherme Gomes França

    é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia (ESA) pós-graduando em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG com formação complementar em Direito Administrativo pela FGV-RJ e advogado especializado em agentes públicos em Curitiba (PR).

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19 de julho de 2022, 20h23

No dia 7 de julho de 2022, foi editado o Decreto nº 11.123/2022, que dispõe sobre as possibilidades de delegações e subdelegações para o julgamento e aplicação de penalidades expulsivas no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

Sob o argumento de que a inovação legislativa acarretará em maior celeridade para o julgamento dos processos disciplinares, as hipóteses de subdelegação de atos administrativos foram ampliadas, permitindo que os ministros de Estado e o presidente do Banco Central (autoridades que já atuam por delegação do presidente da República) possam subdelegar a sua competência para julgamento de PADs e de aplicação de penalidades expulsivas a: (1) secretários (nível CCE-17, ex-DAS-6); (2) dirigentes máximos de autarquias e fundações, desde que exista unidade correcional instituída na entidade e (3) comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

Essa previsão contida no artigo 3º do Decreto acarreta em graves e problemáticas consequências para o direito à ampla defesa dos acusados, estando previstas nos artigos 6º e 7º do mesmo diploma legal, e descritas pelo texto normativo como "consequências procedimentais":

"Consequências procedimentais
Art. 6º — Caberá pedido de reconsideração à autoridade que houver proferido a decisão com fundamento nas delegações ou subdelegações previstas neste Decreto.
Parágrafo único. O pedido de que trata o caput não poderá ser renovado.
Art. 7º — Não caberá interposição de recurso hierárquico ao Presidente da República ou ao Ministro de Estado em face de decisão proferida em processo administrativo disciplinar proferida com fundamento nas delegações ou subdelegações previstas neste Decreto."

Analisando os dispositivos elencados acima, a conclusão obtida é de que nos casos em que ocorra a subdelegação da competência para o julgamento de PAD, ao acusado restará apenas uma única hipótese de "recurso", caracterizada pelo pedido de reconsideração, que, por ser uma petição encaminhada à própria autoridade julgadora, merece ser descrito como um recurso entre aspas, tendo em vista que a prática forense demonstra a quase inexistência de reforma das decisões pela própria autoridade que a tenha proferido.

Em termos mais claros, o acusado não poderá manejar nenhum recurso a outro julgador quando uma decisão proferida pela autoridade subdelegada lhe impor a demissão do serviço público, por exemplo. A autoridade julgadora, que por vezes é a mesma que determinou a própria instauração do processo e que constitui a comissão disciplinar, será única e soberana na decisão sobre o futuro do servidor em seu carreira. Se acaso o julgamento for injusto, nada poderá ser feito a respeito — um cenário processual lamentável e perigoso.

Sendo assim, é nítido o enfraquecimento da ampla defesa (direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal) advindo da edição do referido Decreto, uma vez que a faculdade do acusado de recorrer das decisões que lhe impõem sanção administrativa (sobretudo quando expulsivas) deve ser interpretado como um elemento estruturante deste direito, conforme lição do autor Romeu Felipe Bacellar Filho:

"O direito à interposição de recurso administrativo, em sede de processo administrativo disciplinar, constitui tanto 'recurso' inerente à ampla defesa como direito fundamental de petição, reforçando a garantia da revisibilidade das decisões processuais
[…]
Cumpre ampliar o conceito para o campo da prova, garantindo-se a revisibilidade das decisões proferidas no curso de toda instrução e não só da decisão final. O direito de interpor recurso administrativo das decisões proferidas na instrução corresponde ao direito a controlar a produção da prova feita pela administração, seja pericial ou testemunhal. Afinal, 'melius est intacta jura servare, quam vulneratae causae remedius quaerere' (melhor é conservar intactos os direitos, que depois de violados procurar remédios)"
[1].

A nova legislação, portanto, para além de todos os problemas a respeito da imparcialidade já existentes no sistema disciplinar, traz consigo a necessidade de alerta e de preocupação por parte daqueles que enxergam no direito ao recurso a imprescindível possibilidade de que as decisões arbitrárias ou ilegais sejam revisadas por uma autoridade administrativa distinta daquela que a tenha proferido, respeitando o direito do acusado à ampla defesa e ao julgamento imparcial.

De toda sorte, espera-se que o artigo 7º do decreto em análise seja recebido com muita crítica pelos juristas, que lutam ou deveriam lutar diariamente pela ampliação e pela aplicabilidade dos direitos fundamentais, e não pelo seu cerceamento, ou mesmo abolição, como neste caso.

O país já teve, no âmbito do Poder Judiciário, provas suficientes de que os julgamentos pautados em uma aclamada e desenfreada celeridade processual não levam aos melhores resultados para o fortalecimento do direito e da justiça, e certamente não precisa que o exemplo negativo se espalhe para o âmbito da administração pública.


[1] BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 352-353.

Autores

  • é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia (ESA), pós-graduando em Filosofia e Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), com formação complementar em Direito Administrativo pela FGV-RJ, e advogado especializado em Agentes Públicos em Curitiba (PR).

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