Opinião

Arbitragem como meio de redução dos custos de transação com Estado

Autores

  • Gustavo da Rocha Schmidt

    é professor da FGV Direito Rio presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) e da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution (RBADR) doutorando em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio master of laws pela New York University of Law mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio advogado sócio fundador de Schmidt Lourenço & Kingston — Advogados Associados procurador do município do Rio de Janeiro e ex-presidente da Comissão de Arbitragem dos Brics da OAB Federal.

  • Luíza Lucas Bruxellas

    é mestranda em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio bacharel em Direito pela FGV Direito Rio e advogada no escritório Mattos Filho Veiga Filho Marrey Jr e Quiroga Advogados.

14 de julho de 2022, 6h08

O empresário, como agente racional, calcula oportunidades e riscos. Quanto maior a margem de lucro em uma operação, maior o interesse do investidor em nela se envolver. Inversamente, quanto maior o risco do negócio, menor é a disposição dele para empreender. Oportunidades atraem investidores; riscos os afastam.

Como é da essência do capitalismo, o primeiro interesse de qualquer empresário, quando se depara com uma oportunidade de negócios no ambiente estatal, é saber a lucratividade envolvida no empreendimento, ou a taxa de retorno esperada no investimento. O segundo passo, por sua vez, é compreender os riscos correlatos, tanto aqueles intrínsecos, quanto os extrínsecos ao projeto.

Sob essa segunda perspectiva, existem riscos bastante conhecidos que recaem sobre as contratações estatais no Brasil, fruto não apenas de um recorrente voluntarismo dos governantes, mas também da corrupção e de outras práticas pouco republicanas arraigadas no setor público, e que se traduzem na quebra unilateral de contratos, na suspensão inadvertida de sua execução ou na mudança unilateral das condições pactuadas, sem a devida compensação. Enfatiza Ronaldo Fiani, a propósito de investimento em ativos específicos (como é o caso das concessões estatais e das parcerias público-privadas), que é problema frequente "a ameaça de suspensão da transação contratada por uma das partes, em função de suas demandas visando à revisão das condições originalmente estipuladas, de modo a obter condições mais vantajosas do que aquelas inicialmente contratadas" [1], o que pode levar, "em alguns casos mais graves, até mesmo à interrupção da transação, até que a parte que promove a ameaça de suspensão da transação tenha a sua demanda atendida" [2].

Os referidos riscos poderiam ser perfeitamente minimizados se a resposta judicial a tais problemas fosse célere e desprovida de viés fazendário. Juízes estatais, mediante provocação, determinariam o imediato e liminar cumprimento dos contratos e, em prazo razoável, condenariam o Estado a ressarcir o investidor prejudicado. Assim, não só inibiriam a quebra de contratos, como, ainda, reduzindo os custos de transação correlatos, melhorariam sensivelmente o ambiente de negócios com o Estado, atraindo novos players para o mercado estatal, gerando contratos mais eficientes e, em última análise, viabilizando a entrega de serviços públicos de melhor qualidade.

A realidade do Poder Judiciário no Brasil, contudo, é diametralmente oposta àquela acima idealizada. Processos judiciais (sobretudo os mais complexos e de maior dimensão econômica) são lentos e dificilmente chegam ao final. O congestionamento processual, que já é imenso nas ações envolvendo apenas partes privadas, é ainda mais significativo nos litígios que envolvem a Fazenda Pública. Disputas de maior complexidade técnica e de relevante dimensão econômica, além de exigirem perícias demoradas, passam por todas as instâncias judiciárias, até que se tenha o trânsito em julgado da sentença [3]. Encerrada a fase de conhecimento, o particular precisa ainda deflagrar a execução [4] e, após superá-la, inscrever o crédito na fila de precatórios, segundo o regime previsto no artigo 100 [5] da Constituição.

"Processos sem fim, associados a uma visão protetiva do erário público, podem ser bons, em uma visão simplista e imediata, para os entes públicos. Evitam desembolsos, protelam condenações. A advocacia pública ganha mais causas; tende a se sagrar vencedora nas disputais judiciais, com mais frequência. Quando perde, os processos nunca chegam ao final. Em médio prazo, contudo, as consequências são devastadoras para aqueles que investem em concessões e parcerias público-privadas, aumentando significativamente o custo de transação e prejudicando sensivelmente o ambiente de negócios com o Estado. Reduz-se a competição, majoram-se os preços e, ainda, estimulam-se práticas não muito republicanas. Muitos desistem de contratar com o Poder Público, ante os riscos envolvidos. Ao passo que aqueles que insistem em empreender em negócios estatais, naturalmente, embutem os riscos envolvidos no preço" [6].

Vale lembrar que o tempo médio de duração dos procedimentos arbitrais no Brasil, entre os anos de 2017 e 2019, girou em torno de 18,8 meses, conforme pesquisa promovida pela professora Selma Lemes, intitulado "Arbitragem em Números e Valores" [7], tendo por base oito das maiores câmaras de arbitragem do país [8]. Ao passo que, conforme Relatório "Justiça em Números" [9], do CNJ, o tempo médio de um processo judicial envolvendo a União, em primeiro grau apenas, é de 36 meses. O julgamento em segundo grau demora mais 29 meses (ou dois anos e cinco meses). E a execução judicial, só em primeiro grau, leva mais 49 meses. Há, ainda, a possibilidade de novo recurso para o segundo grau, com previsão média de mais 29 meses. Nesse sentido, um processo contra a União Federal demora em média, na Justiça Federal, 144 meses, ou 12 anos.

É nesse sentido que a arbitragem, tal e qual disciplinada na Lei nº 9.307/1996, com as alterações promovidas pela Lei nº 13.129/2015 [10], pode servir como um importante aliado na inadiável cruzada nacional pela redução dos custos de transação com o Estado, por permitir que as controvérsias com os entes estatais sejam resolvidas com muito mais rapidez, de forma definitiva, por órgão essencialmente técnico e neutro, igualmente investido de jurisdição [11].

O argumento ora defendido tem lastro na tese de que a adoção, pela administração pública, de uma via de resolução de conflitos mais célere e tecnicamente especializada, por gerar maior segurança jurídica nas contratações públicas, teria por efeito a redução dos preços praticados, com a atração de novos concorrentes para o mercado estatal e o aumento da eficiência contratual, inclusive com efeitos positivos e benéficos, para os cidadãos, na qualidade dos serviços públicos prestados [12]. Pode servir, na dicção de Bruno Meyerhof Salama, para "garantir maior segurança e previsibilidade ao particular, bem como aumentar os incentivos ao correto adimplemento do contrato o que, a fortiori, levará a uma proposta mais vantajosa para o Poder Público" [13]. Em outras palavras, a escolha pela arbitragem se justifica economicamente, na esfera das contratações estatais, na medida do seu potencial de proporcionar contratos mais eficientes e melhores preços para a administração pública.


[1] FIANI, Ronaldo. O problema dos custos de transação em parcerias público-privadas em infraestrutura. Texto para Discussão, No. 2261, Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2016, p. 16.

[2] Ibidem.

[3] A teor do art. 502 do CPC, entende-se por coisa julgada material (ou trânsito em julgado), "a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso".

[4] A execução contra a Fazenda Pública encontra-se disciplinada no art. 910 do CPC, que dispõe: "Art. 910. Na execução fundada em título extrajudicial, a Fazenda Pública será citada para opor embargos em 30 (trinta) dias. § 1º. Não opostos embargos ou transitada em julgado a decisão que os rejeitar, expedir-se-á precatório ou requisição de pequeno valor em favor do exequente, observando-se o disposto no art. 100 da Constituição Federal . § 2º. Nos embargos, a Fazenda Pública poderá alegar qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento. § 3º. Aplica-se a este Capítulo, no que couber, o disposto nos artigos 534 e 535”.

[5] "Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim".

[6] SCHMIDT, Gustavo da Rocha. Métodos de solução de conflitos aplicados aos projetos de desestatização e parcerias de investimentos: the do’s and dont’s. In: Trabalhos do XVIII Congresso Internacional de Arbitragem do Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr: Administração Pública e Arbitragem. Organizadores: Debora Visconte; Giovanni Ettore Nanni; Lucas de Medeiros Diniz, São Paulo: Comitê Brasileiro de Arbitragem, 2020, p. 279.

[7] LEMES, Selma. Arbitragem em números e Valores. Oito Câmaras. 2 anos: Período de 2017 (jan./dez.) a 2018 (jan./dez.), 2019, p. 1/9. Disponível em: http://selmalemes.adv.br/artigos/PesquisaArbitragens2019.pdf. Acesso em: 22/7/2021.

[8] Para uma lista das principais instituições arbitrais do país, confira-se o ranking do ano de 2021, elaborado por importante e reconhecida publicação internacional, a prestigiada Leaders League (disponível em: https://www.leadersleague.com/pt/rankings/resolucao-de-conflitos-ranking-2021-camaras-de-arbitragem-brasil. Acesso em: 30/6/2021). Nela se vê, com clareza, a posição de destaque das câmaras de arbitragem consideradas no referido estudo da professora Selma Lemes, no cenário nacional.

[9] Justiça em Números 2020: ano-base 2019/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf. Acesso em: 21/7/2021.

[10] Com a sanção da Lei nº 13.129/2015, também chamada de Reforma da Lei de Arbitragem, que alterou a redação da Lei nº 9.307/1996, nela introduzindo um § 1º em seu art. 1º, passou o ordenamento jurídico brasileiro a prever, textualmente e de forma ampla, o uso da via arbitral pela Administração Pública, para para "dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis". Reforçou isso a edição, já neste ano de 2021, da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Reza, a propósito, o art. 151 da Lei no 14.133/2021: "Art. 151. Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem".

[11] Sobre a natureza jurisdicional do juízo arbitral, confira-se: CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96, 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 45; THEODORO JÚNIOR, Humberto. A arbitragem como meio de solução de controvérsias. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 2, p. 12, nov./dez. 1999; CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: mediação: conciliação: resolução CNJ 125/2010, 5ª ed., São Paulo: RT, 2015. p. 123/129; NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e prescrição, São Paulo: Atlas, 2014, p. 22-24; FARIA, Marcela Kohlbach de. Ação anulatória de sentença arbitral: aspectos e limites, Brasília: Gazeta Jurídica, 2014, p. 26-32; SCHMIDT, Gustavo da Rocha. Arbitragem na administração pública. Curitiba: Juruá, 2018, p. 96; SCHMIDT, Gustavo da Rocha, FERREIRA, Daniel Brantes & OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Comentários à lei de arbitragem, 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021, p. 4.

[12] "Como se vê, nada justifica a resistência ainda existente, no âmbito da advocacia pública, ao emprego da arbitragem como método de solução de conflitos. Ao contrário, a opção por uma via mais célere e neutra tende a atender, de forma mais efetiva, o interesse público primário. Isso porque a arbitragem oferece as condições necessárias para atrair novos players para o ‘mercado’ estatal. Muitos atores que não estavam dispostos a contratar com o Poder Público, ante os riscos envolvidos, passam a se interessar em investir em projetos estatais. Maior segurança jurídica reduz preços, gera contratos mais eficientes, o que reflete, inclusive, na qualidade dos serviços públicos prestados em parceria com o setor privado, em que o destinatário final é o cidadão" (SCHMIDT, Gustavo da Rocha. Métodos de solução de conflitos aplicados aos projetos de desestatização e parcerias de investimentos: the do`s and dont’s. Op. cit., p. 280).

[13] SALAMA, Bruno Meyerhof. Análise econômica da arbitragem. In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e economia no Brasil, São Paulo: Atlas, 2012, p. 395/404.

Autores

  • é advogado, professor da FGV Direito Rio, presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) e da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution (RBADR), master of laws pela New York University, doutorando e mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio, sócio de Schmidt, Lourenço & Kingston Advogados Associados, procurador do Município do Rio de Janeiro e presidente da Comissão de Arbitragem dos BRICS da OAB Federal.

  • é mestranda em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio, bacharel em Direito pela FGV Direito Rio e advogada no escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados.

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