Opinião

Processo de arrolamento nas hipóteses de cancelamento dos débitos

Autor

  • Guilherme Coelho

    é advogado mestre em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet-SP) e em Direito Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócio do escritório CH Law.

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12 de julho de 2022, 20h22

Desde a sua edição pela Receita Federal no último dia 23 de junho, muito tem se debatido sobre as alterações realizadas pela Instrução Normativa  IN 2.091/2022 nos processos administrativos de arrolamento, atualmente disciplinado pelos artigos 64 e seguintes da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e que serão constituídos sempre que a cobrança de créditos tributários for superior a 30% do patrimônio conhecido do contribuinte:

"Artigo 64. A autoridade fiscal competente procederá ao arrolamento de bens e direitos do sujeito passivo sempre que o valor dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a trinta por cento do seu patrimônio conhecido."

Determinando ainda o §2º, do mesmo artigo, que deve se considerar como patrimônio conhecido os bens e direitos declarados pelo próprio contribuinte, como também, desta vez em seu §7º, que o arrolamento somente será aplicável para casos superiores a R$ 500 mil.

O § 10, por seu modo, afirma que o Poder Executivo poderá alterar o referido limite por ato administrativo próprio. E assim agiu o Executivo, editando diversas Instruções Normativas com o intuito de regular e definir as principais características do instituto do arrolamento.

A nova IN não alterou o anterior regramento do tema com relação ao limite feito pela revogada IN 1.565/2015, a qual como mudança principal, aumentou para R$ 2 milhões a soma dos créditos tributários administrados pela Receita lavrados contra determinado contribuinte, enquanto o valor do débito ainda deverá exceder 30% do patrimônio conhecido do sujeito passivo da relação tributária.

Bem se nota, portanto, que a medida de arrolamento de bens deve preencher o binômio de 1) valor mínimo da dívida R$ 2 milhões; e 2) que a dívida seja igual ou superior a 30% do valor do patrimônio conhecido. Caso assim não fosse, o legislador teria optado por utilizar a expressão "alternativa", em vez de "simultaneamente".

Estes pontos, atualmente, não contam mais com grande discussões e preocupações. O ponto principal deste texto, contudo ainda geram muitas dúvidas.

São as regras trazidas pelo §6º, do artigo 16 abaixo transcrito, que prevê que não constituirá hipótese para o cancelamento integral do arrolamento o desaparecimento das condições que fundamentaram a instauração do processo de arrolamento perante a Receita, bem como pelo §3º, do artigo 11, que define que se o valor dos débitos do contribuinte reduzir a valores inferiores aos limites estabelecidos pelo artigo 2º, o cancelamento do arrolamento será apenas parcial.

Referidos dispositivos foram assim redigidos pela RFB:

"§6º Não constitui hipótese para o cancelamento integral do arrolamento, o desaparecimento da hipótese de incidência, com a alteração das condições que o motivaram, inclusive as devidas a acréscimo patrimonial ou reavaliação do patrimônio.
§3º Caso constatada redução no valor dos débitos sob responsabilidade do sujeito passivo para valores inferiores aos limites estabelecidos no artigo 2º, os ajustes serão realizados apenas para fins de restabelecimento da paridade a que se refere o §1º".

Ocorre que os mencionados dispositivos, além de contrariarem toda a lógica e o racional da existência dos processos de arrolamento, que deveria ser apenas o mero inventário e acompanhamento de bens dos contribuintes, com o intuito de se evitar uma eventual inadimplência futura, violam o atual entendimento jurisprudencial, que afirma que somente podem ser objeto de arrolamento os bens e direitos que componham o patrimônio do devedor tributário no momento da formalização do ato administrativo.

Inclusive, desta forma decidiu recentemente a Colenda 6ª Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sob a relatoria do Exmo. Des. Fed. Johonson Di Salvo:

"APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ARROLAMENTO DE BENS. OS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS QUE MOTIVARAM O ARROLAMENTO FORAM EXTINTOS APÓS IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA. DESCUMPRIMENTO DO ART. 13 DA IN RFB 1.565/15. A SUPERVENIÊNCIA DE DÉBITOS QUASE QUATRO ANOS DEPOIS DA EXTINÇÃO NÃO CONVALIDA A MANUTENÇÃO IRREGULAR DO ARROLAMENTO. RECURSO E REEXAME DESPROVIDOS

1. Conforme disposto nos autos (221975903), o processo de arrolamento de bens 19740.000.002/2005-86 foi motivado por débitos de IRRF lavrados em auto de infração mediante o processo 19740.000.001/2005-31. Ocorre que, após impugnação administrativa, o processo de cobrança foi cancelado por acórdão prolatado pelo CARF em 26.10.2011 (Acórdão nº 9202-01.844). A informação trazida pela impetrante não foi contrastada pela autoridade fazendária ou pela procuradoria.

2. O artigo 13 da IN RFB 1.565/15 é claro ao exigir da autoridade fazendária o cancelamento da medida de arrolamento caso sejam extintos os créditos tributários que os motivaram.

3. Após pedido administrativo para o cancelamento, a autoridade fazendária informou a existência de débitos totalizando o valor de R$ 23.720.805.05, o que impediria o cancelamento do arrolamento dos bens então identificados à época e que perfazem um patrimônio de R$ 2.538.309,28, conforme disposto no artigo 21, §3º da Nota de Execução Conjunta COFIS/COPES/CODAC/COREC/COSIT/CDA/CGD nº01 de 17/09/15. Como o total do patrimônio conhecido da impetrante, a partir do balanço patrimonial de 2019, perfazia o montante R$ 3.146.662.686,24, asseverou a autoridade a desnecessidade de complementar o arrolamento (221975927).

4. A decisão pelo cancelamento dos débitos que motivaram o arrolamento se deu em 2011, com coisa julgada administrativa em 2012, enquanto o PAF mais antigo identificado pela autoridade fazendária data de 2016 (221975927  fls. 01). O transcurso do tempo e a não identificação de outros débitos nesse lapso temporal indicam que a autoridade fazendária competente não cumpriu com o dever imposto pelo artigo 13 da IN RFB 1.565/15, reputando-se ilegal a manutenção do arrolamento por todo aquele período. Ilegalidade que não pode ser convalidada com a superveniência de débitos em momento muito posterior ao cancelamento daqueles que motivaram originariamente a medida de garantia. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL  5017350-89.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 11/03/2022, Intimação via sistema DATA: 15/03/2022)".

Desta forma, pode-se concluir que ocorrendo a redução ou o cancelamento dos débitos tributários que ensejaram a instauração do processo de arrolamento e mesmo que posteriormente sejam constituídos novos débitos em face do mesmo contribuinte, não mais existindo os requisitos para a manutenção do arrolamento, este deve ser imediatamente extinto.

No mais, conclui-se também que a RFB perdeu uma ótima oportunidade de reduzir os pontos de litígio com os contribuintes brasileiros com a edição da IN 2.091/2022, que certamente serão ainda objetos de novas medidas judiciais.

Autores

  • é advogado, sócio do escritório Sergio Bermudes, mestrando em Administração Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), conselheiro da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) e presidente da Comissão de Assuntos Regulatórios da OAB-DF.

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