Opinião

Recuperação de crédito: milhas podem ser penhoradas para satisfação do credor

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11 de julho de 2022, 11h08

O tema de recuperação de crédito é o mais buscado entre pessoas físicas e jurídicas que possuem dívidas a serem executadas e créditos satisfeitos, mas as medidas de constrições comuns demoram a surtir efeitos rápidos e frutíferos, exigindo estudo e criatividade para persecução do crédito.

Conforme versa o artigo 789 do Código de Processo Civil (CPC), o devedor responde com todos os seus bens para o cumprimento de suas obrigações, sejam eles presentes ou futuros, salvo as restrições estabelecidas pelo artigo 833 do CPC e pela Lei 8.009/1990 e o artigo 1.715 do Código Civil, que tratam da impenhorabilidade do bem de família.

O artigo 790 do mesmo diploma legal apresenta uma pluralidade de bens que podem ser alcançados pela execução, estando entre eles os bens do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória; do sócio; do próprio devedor, ainda que em poder de terceiros; do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida; bem como os bens alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução e dos bens cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em fraude contra credores e também os bens do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

Os credores usualmente se buscam das pesquisas judicias via sistemas Sisbajud, Renajud e Infojud para localização de valores aplicados em conta corrente, bens móveis e declarações de imposto de renda, na esperança de conseguirem bloquear e penhorar bens e valores suficientes para satisfação de seu crédito.

Ocorre que, tais medidas são as mais comuns e, quando o devedor possui muitos débitos, pluralidade de credores ou se utiliza de mecanismos para ocultar bens, os mecanismos em comento são completamente inócuos.

Recentemente se travou uma discussão acerca da possibilidade ou não de penhora de milhas aéreas, pois alguns magistrados entendiam não ser válida tal espécie de satisfação do crédito mediante fundamento de que as milhas adquiridas perante as companhias aéreas não poderiam ser objeto de penhora, já que seria esse um método de fidelização, permitindo a troca de pontos acumulados pelo cliente por produtos e descontos, e não sua conversão em pecúnia.

Inclusive, esse foi o entendimento da 36ª Câmara de Direito Privado no julgamento do Agravo de Instrumento de número 2253940-27.2021.8.26.0000 [1].

Ocorre que a jurisprudência ainda não é pacífica e o entendimento vem se modificando, até porque, analisando os artigos supracitados, não há qualquer menção expressa às milhas aéreas ou pontos de programas de fidelidade, que nada mais são do que moedas eletrônicas em sentido amplo e, como bens com valor de troca, são penhoráveis, pelo menos numa primeira leitura.

Na prática, as milhas aéreas podem ser negociadas abertamente na internet por anúncios públicos, ou seja, uma breve pesquisa na internet com a expressão "venda de milhas" apresenta milhares de sites específicos destinados à compra e venda de milhas.

Esse entendimento é o que vem prevalecendo nos tribunais nacionais, em especial nos Tribunais de Justiça de São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais [2].

A reforçar tal argumento, recentemente, em razão da pandemia de Covid-19, as próprias empresas de programas de fidelidade de milhagens instituíram programa de solidariedade, Milhas do Bem, pelo qual seus clientes podem doar as milhas ou pontos para instituições parceiras do programa, o que mitiga ainda mais vedação de transferência dos pontos e milhas aéreas.

Cumpre citar que o entendimento acima vem se espalhando também nos Tribunais Regionais do Trabalho, pois no dia 20 de maio de 2022 a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10), julgou o processo número 0000025-43.2014.5.10.0802 e, por unanimidade, entendeu ser possível a penhora de milhas aéreas para a quitação de dívidas trabalhistas [3].

O TRT-10 concluiu que os chamados pontos de fidelidade (milhagens) integram os patrimônios pessoais. E que, assim, podem responder por eventuais dívidas, fundamentando que a previsão legal está contida nos artigos 855 e seguintes do Código de Processo Civil.

Assim, conclui-se que as milhas e os pontos de programa de fidelidade são alienáveis, descabendo a excludente do artigo 832 do Código de Processo Civil e chega-se ao fato de que a penhora de milhas e pontos em programas de milhagens é mais um instrumento a ser utilizado para dar maior celeridade e efetividade à execução de créditos que busca-se ver satisfeitos.


[1] "Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Pedido de penhora de milhas aéreas e pontos de programa de fidelidade. Impossibilidade. Recurso desprovido."

[2] "Agravo de instrumento interposto em cumprimento de sentença proferida em ação de despejo.Possibilidade de penhora de pontos de programa de fidelidade reconhecida em decisão sem recurso oportuno. Preclusão reconhecida. Multa por ato atentatório à dignidade da justiça afastada, por descumprimento do preceito contido no artigo 77, § 1º, CPC. Agravo provido em parte.

(TJ-SP – AI: 20920005320218260000 SP 2092000-53.2021.8.26.0000, Relator: Soares Levada, data de julgamento: 16/6/2021, 34ª Câmara de Direito Privado, data de publicação: 16/6/2021)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – PENHORA SOBRE PONTOS DE FIDELIDA DE MILHAS AÉREAS-NATUREZA PATRIMONIAL E CREDITÍCIA-POSSIBILIDA DE DEPENHORA-AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. – Estando os pontos de fidelidade/milhas aéreas revestidos de natureza patrimonial e creditícia junto às empresas aéreas, inclusive com possibilidade de comercialização através de empresas do ramo existentes, cumpre reconhecer a possibilidade de penhora sobre tais pontos/milhas, ante a inserção como "bens presentes e futuros" a que faz referência o artigo 789 do Código de Processo Civil.

(TJ-MG – AI: 10024131678112001 Belo Horizonte, relator: Luiz Carlos Gomes da Mata, data de julgamento: 21/5/2020, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, data de publicação: 22/5/2020)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PONTOS EM PROGRAMA DE FIDELIDA DE MILHAS AÉREAS. NATUREZA CREDITÍCIA. POSSIBILIDADE. 1. A concessão de expedição de ofício à operadoras de cartão de crédito, com a finalidade de penhora de pontos de programa de fidelidade, visa compelir o devedor ao pagamento do débito exequendo. 2. O programa de fidelidade oferecido por companhias aéreas e por operadoras de cartões de crédito constituem moeda para troca por passagens aéreas, aquisição de produtos ou serviços e podem ser vendidos livremente. 3. Os pontos de fidelidade de operadoras de cartão de crédito possuem natureza patrimonial e podem ser penhorados como outros direitos, conforme previsão do artigo 835, XIII, do Código de Processo Civil. 4. Recurso conhecido e provido.

(TJ-DF 07380984620208070000 DF 0738098-46.2020.8.07.0000, relator: MARIA DE LOURDES ABREU, data de julgamento: 24/2/2021, 3ª Turma Cível, data de publicação: publicado no PJe : 10/3/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – PENHORA SOBRE PONTOS DE FIDELIDADE/MILHAS AÉREAS-NATUREZA PATRIMONIAL E CREDITÍCIA-POSSIBILIDA DE DEPENHORA-AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. – Estando os pontos de fidelidade/milhas aéreas revestidos de natureza patrimonial e creditícia junto às empresas aéreas, inclusive com possibilidade de comercialização através de empresas do ramo existentes, cumpre reconhecer a possibilidade de penhora sobre tais pontos/milhas, ante a inserção como "bens presentes e futuros" a que faz referência o artigo 789 do Código de Processo Civil.

(TJ-MG – AI: 10024131678112001 MG, relator: Luiz Carlos Gomes da Mata, data de julgamento: 19/5/0020, data de publicação: 22/5/2020)

[3] "EMENTA: AGRAVO DE PETIÇÃO. DILIGÊNCIA PARA INVESTIGAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO PARA AVERIGUAÇÃO SOBRE A EXISTÊNCIA DE MILHAS/PONTOS DE PROGRAMAS DE FIDELIDADE EM NOME DOS EXECUTADOS PARA EFEITO DE PENHORA. EFETIVAÇÃO. DEVIDA. A satisfação da execução é, ao fim e ao cabo, o objetivo do processo, pois nada adianta ao jurisdicionado ter seu direito reconhecido se não pode ver cumprido o que foi determinado pela Justiça na sentença de conhecimento. Nesse contexto, a investigação patrimonial não está adstrita às ferramentas eletrônicas disponibilizadas ao Judiciário, uma vez que todas as formas permitidas em direito são válidas para a realização do objeto do processo. Embora ainda não haja legislação específica relativa à venda de milhas em nosso ordenamento jurídico, a emissão de passagens aéreas com milhas pertencentes ao cliente fidelizado em favor de terceiros é possível e encontra inclusive previsão nos próprios programas de fidelização, que também prevê a possibilidade de troca milhagens/pontos por vários outros produtos e serviços. É fato também ser cada vez mais frequente o surgimento de agências especializadas em intermediar a compra de milhas para fruição por terceiros, bem como é cada vez mais comum que casais em processo de divórcio passam a ter o direito de dividir, além daqueles mais tradicionais, outros tipos de bens acumulados durante a vida em comum, como é o caso de milhas aéreas, circunstâncias que evidenciam o valor econômico de tal produto. Assim, os "pontos previstos nos saldos de programas de fidelidade de cartões de crédito ou de empresas de aviação (milhagens) dos executados, integram os seus patrimônios pessoais e, portanto, podem responder pelas suas dívidas, conforme preceituam os artigos 855 e seguintes do CPC, que tratam sobre a possibilidade da penhora recair sobre eventuais créditos pertencentes aos devedores" (TRT-2 01119001020045020020 SP, Relator: VALDIR FLORINDO, 6ª Turma – Cadeira 3, data de publicação: 1/10/2020), cenário em que, diante da dificuldade enfrentada pela parte para ver satisfeito o seu crédito, bem como a possibilidade, ainda que exígua, de êxito, revela-se viável a diligência requerida pelo exequente. Agravo de petição conhecido e provido."

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