Opinião

Novos rumos da inteligência artificial no Brasil

Autor

  • Jully Anne Silva

    é advogada do escritório Telino & Barros Advogados Associados na área cível empresarial e mestranda em Direito Privado pela Faculdade de Direito do Recife/UFPE.

11 de julho de 2022, 17h05

O Senado noticiou a formação de Comissão para elaboração da proposta de regulamentação da Inteligência Artificial (IA) no Brasil. O trabalho deverá se pautar pelos Projetos de Lei nº 21/2020 [1], nº 5.051/2019 e nº 872/2021, e pela proposta de regulamentação legislativa na União Europeia [2], referência para países em todo o mundo.

O PL 21/2020, aprovado pela Câmara do Deputados em 29/9/2021, leva em consideração a inevitável transformação da sociedade, do setor econômico e do mundo do trabalho, advindas com o avanço da inteligência artificial e com o desiderato de adequar o arcabouço legal brasileiro à realidade tecnológica existente hodiernamente.

Embora o PL nº 21 tenha o interesse de regulamentar a IA em consonância com os fundamentos basilares da República Federativa do Brasil, a sua redação traz inúmeras situações vagas, sem oferecer parâmetros de aplicação prática necessários para o seu cumprimento. Além disso, não especifica competências e responsabilidades.

Exemplo da falta de critérios, orientações e especificidades, é a parte dos deveres dos agentes de Inteligência Artificial, estabelecidos a partir do artigo 9º. Primeiro porque a conceituação de Agentes de IA é extremamente abrangente, sem critérios melhor definidos, além de medir com a mesma régua os entes federativos e a iniciativa privada.

De acordo com o projeto, quaisquer pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, assim como os entes sem personalidade jurídica, devem divulgar a instituição responsável pelo estabelecimento do sistema de Inteligência Artificial, fornecer informações claras e adequadas, e assegurar que os dados utilizados pelo sistema de IA estejam em consonância com a Lei Geral de Proteção de Dados de igual modo, sem fazer as distinções necessárias em razão da atuação de cada um.

No que diz respeito aos entes federativos, é necessário o estabelecimento bem definido das competências e responsabilidades, mormente porque o Estado, além de poder ser a parte que implanta e fornece os sistemas de tecnologia, deve ser a parte que fiscaliza e impõe o cumprimento da lei. Logo, não deve ser tratado legalmente do mesmo modo que pessoas jurídicas de direito privado.

Outra situação genérica disposta no projeto de lei se refere à necessidade da análise do sistema de IA como condição prévia para a sua implantação. De acordo com o PL, é imprescindível que seja realizada uma avaliação adequada dos objetivos, dos benefícios e dos riscos relacionados a cada fase do sistema, para que este seja implantado.

Ocorre que o projeto não estabelece como e por quem vai ser feita essa análise, nem quais são os critérios positivos e negativos que possibilitariam o sucesso da implantação. Essa disposição dá margem a inúmeros questionamentos de ordem legal, principalmente no que concerne à responsabilidade civil dos responsáveis pela criação, implantação e análise dos sistemas de inteligência artificial.

Do mesmo modo questiona-se, diante da ausência de disposição no projeto de lei, se é necessário especificar quais são as tecnologias abarcadas e que serão objeto de regulamentação por este marco legal e as suas respectivas particularidades.

Percebe-se que, para que haja investimento das empresas do segmento de tecnologia no Brasil, é preciso que sejam estabelecidos dispositivos que garantam a segurança jurídica e a lucidez dos limites legais em que as empresas do referido segmento podem atuar, para não cometerem atos de irresponsabilidade.

É imprescindível que a regulamentação a ser apresentada pela Comissão, no Senado, estabeleça dispositivos normativos que também garantam segurança aos usuários dos sistemas de tecnologia abarcados pela legislação. Como dito, as tecnologias de IA envolvem vários setores da sociedade civil, a exemplo das relações de consumo, da medicina, da engenharia civil, do Poder Judiciário, da segurança pública e privada. São exemplos de áreas que têm, cada vez mais, investido na informatização e na computação dos acessos.

Embora o PL tenha sido proposto para estabelecer que o uso da IA deve ter como fundamento o respeito aos direitos humanos e aos valores democráticos, à igualdade, à não-discriminação, à pluralidade, à livre iniciativa e à privacidade de dados e à garantia de transparência sobre o seu uso e funcionamento, é preciso também que seja melhor adequado e especificado à realidade da sociedade brasileira.

É fundamental também que a reformulação considere as desigualdades sociais e demais mazelas estruturais existentes no Brasil, para evitar que o uso da tecnologia acarrete na intensificação dos mesmos. A lei deve fomentar o investimento do setor no Brasil (e, por conseguinte, o seu desenvolvimento). Ressalta-se, por fim, que se trata de um marco legal, que deve ser estudado de forma cautelosa, analisando-se toda a estrutura que envolve a situação.

Notas:
[1] Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151547.

[2] Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX%3A52021PC0206>.

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