Opinião

Contratos visuais e sua validade no ordenamento jurídico brasileiro

Autores

  • Henrique Maciel Boulos

    é advogado mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e professor de Direito no Instituto Racine.

  • Clarissa Amaral Silva Freitas Brandão

    é advogada especialista em Direito Tributário pelo Ibet especialista em gestão de negócios pela Fundação Dom Cabral certificada em Privacidade e Proteção de Dados pela Exin designer de Contratos pela Future Law certificada em Visual Contracts pela Legal Creatives e em Legal Design/Visual Law pela Legal Hub e Future Law em Design Inclusivo pela Leiautar e em Acessibilidade pela Mergo.

10 de julho de 2022, 11h11

Os contratos são, no ordenamento jurídico brasileiro, modalidade de negócio jurídico por meio dos quais pessoas capazes declaram suas vontades, com um objetivo lícito e para produzir efeitos jurídicos, criando, modificando ou extinguindo obrigações [1].  Assim, todos os dias milhares de contratos são assinados no país, a fim de formalizar compromissos e combinados entre partes, tendo este instrumento jurídico também o importante papel de regular a convivência social.

O Código Civil Brasileiro [2] impõe alguns requisitos para que um negócio jurídico seja válido no Brasil, sendo eles: partes capazes, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não proibida em lei.

Além disso, o mesmo diploma legal determina os princípios que deverão reger as relações contratuais, estando entre eles os Princípios da Autonomia da Vontade  que permite a qualquer cidadão civilmente capaz celebrar contratos e submeter-se às regras neles previstas ; o Princípio da Liberdade das Formas, segundo o qual, salvo em casos de expressa previsão legal, não há formas especiais que devam ser utilizadas nas declarações de vontade (inclusive contratos) [3] e, para reforçar a ideia da autonomia das pessoas em estabelecerem regras entre si, tem-se o Princípio da Excepcionalidade da Intervenção Estatal [4],  segundo o qual prevalecerá, nas relações contratuais, a mínima intervenção estatal (e, por conclusão lógica, a máxima observância daquilo que as partes convencionaram, e na forma como optaram por fazê-lo).

Até aí, não há novidades. Mas e se houver a possibilidade de as partes contratantes utilizarem os princípios e liberdades acima para elaborarem contratos que, muito mais do que instrumentos automáticos, defensivos e repletos de termos pouco úteis ou, até mesmo, ininteligíveis, sejam efetivos instrumentos de cooperação, alinhamento de objetivos e segurança?

É esse o espírito dos chamado "contratos visuais"  versão acessível do documento, na qual a linguagem verbal é simplificada, o conteúdo reorganizado, e componentes visuais como figuras, imagens e infográficos incluídos a fim de se traduzir e complementar a parte escrita. A complexidade de um texto não transmite segurança, mas sim o contrário. Contratos longos, imprecisos, cheios de jargões e excessivamente grandes não são transparentes, não incentivam o signatário a lê-los e, justamente por isso, tendem a não o proteger caso seja necessário. A simplicidade, por sua vez, é aliada da transparência e, consequentemente, transmite segurança ao contrato. E um contrato mais seguro é um contrato mais eficiente.

Nesse cenário é que os recursos visuais e outras técnicas de design surgem como instrumentos valiosos para dar aos contratos aquilo que é necessário para que possam ser mais simples, intuitivos, transparentes e eficientes. Esses recursos visuais não se confundem, necessariamente, com desenhos; não é necessário ser um "artista" para utilizá-los  basta utilizar padrões diversos do "texto corrido" para destacar as partes mais importantes do contrato, chamar a atenção para os itens mais relevantes e simplificar a linguagem verbal a fim de esclarecer, à ambas as partes, quais são os seus efetivos direitos e deveres na relação pactuada.

Assim, faz-se essencial destacar que não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma vedação à utilização de recursos visuais nos contratos, justamente em virtude da existência dos princípios acima  Autonomia de Vontade, Liberdade de Formas e Excepcionalidade da Intervenção Estatal. Portanto, a maior transparência dos contratos e uma maior eficiência das relações contratuais por meio dos recursos visuais dependem apenas do interesse das partes em, por meio de formas e instrumentos diversos, conferirem mais clareza e segurança ao documento negociado.

Em relações contratuais "de adesão" por exemplo, ou seja, aquelas nas quais não há livre negociação e uma das partes apenas "adere" aos termos apresentados pela outra, a falta de clareza é, muitas vezes, um prejuízo à própria compreensão por parte do aderente, o que motivou o Código Civil a prever até mesmo que, na existência de cláusulas ambíguas ou contraditórias, a interpretação deverá sempre beneficiá-lo [5]. Atualmente no mercado, grandes empresas de varejo vêm seguindo a tendência de otimizar os seus contratos, valendo-se, justamente, de sua autonomia, para torná-los mais simples, claros e, com certeza, eficientes perante seus clientes  e evitando, assim, litígios judiciais. Afinal, a segurança jurídica é um dos principais objetivos das pessoas ao formalizarem em um documento suas intenções.  

Já em contratos convencionais, ou seja, naqueles em que os contratantes negociam livremente os termos e assumem, integralmente, os riscos neles presentes, a Autonomia da Vontade, bem como a Liberdade de Formas, faz com que esses contratantes optem por documentos mais simples, menos obscuros e que, por isso, melhorem o seu alinhamento e transformem a relação em algo mais estável e com objetivos mais facilmente compartilhados.

A Autonomia da Vontade, a Liberdade de Formas e a Excepcionalidade da Intervenção Estatal são noções tratadas, na maioria das vezes, como meros permissivos para que os indivíduos civilmente capazes celebrem contratos nos termos mais usualmente vistos  escritos em "texto corrido", longos, repletos de termos complexos e cláusulas de utilidade duvidosa e, muitas vezes, até de difícil compreensão. No entanto, todos esses princípios, em conjunto, abrem espaço a uma verdadeira revolução na forma como os contratos (seja qual for a sua natureza) podem ser elaborados. Trata-se de uma permissão legal aos indivíduos para que recorram a novas formas, novos padrões e novos modelos contratuais de eficácia comprovadamente superior [6].

Por essa razão, os problemas atualmente enfrentados por aqueles que celebram contratos convencionais e pouco eficientes encontram a solução nos mais consolidados princípios contratuais do ordenamento jurídico. Isso porque a maior dessas dificuldades reside na forma desses contratos  que, conforme demonstrado, é livre, de modo que quaisquer mudanças de padrões defasados, especialmente com a adoção de recursos visuais e técnicas de design, encontram-se amplamente amparadas na legislação e acessível a todos.

Por fim, é importante também adentrar aqui, ainda que de forma sucinta, no sistema jurídico adotado no Brasil  o civil law , e explorar o seu impacto sobre as relações contratuais e, mais especificamente, sobre os contratos visuais. Pois bem, como se sabe, existem basicamente dois sistemas jurídicos no mundo, que tem como papel fundamental sistematizar o Direito: o commom law e o civil law. O primeiro encontra nos costumes, firmados por precedente judiciais, a sua principal fonte do Direito. Já o segundo, tem na lei a sua fonte primordial [7].

Assim, enquanto em países que adotam o commom law a tendência é que as Partes se preocupem em antever situações e busquem cercá-las com a redação de cláusulas robustas; nos países que praticam o civil law, as partes já encontram estabelecidas em lei diversas regras que irão regular aquela relação, sendo, em parte dos casos, dispensável a repetição do que em lei já se encontra. Em outras palavras, tem-se naqueles países que adotam o civil law  como o Brasil  uma possibilidade ainda maior de simplificação de seus contratos, já que parte das cláusulas atualmente contidas nos modelos tradicionais, apenas prestam-se a replicar o Código Civil e outras normas vigentes, que já se aplicam automaticamente às partes e são de seu conhecimento.

A conclusão lógica não poderia ser diferente: os contratos visuais não apenas são válidos perante o ordenamento jurídico brasileiro, com base nos requisitos da lei; eles também se revestem de amparo nos mais consolidados princípios aplicáveis ao assunto, reforçando a função desse novo modelo, que é trazer transparência e acessibilidade aos contratos. Em um mundo já tão complexo e cheio de informações, uma matéria tão técnica e relevante como o Direito deveria sempre que possível ser simplificada, não havendo mais justificativas para que se continue redigindo e assinando contratos imensos, complicados e inefetivos. Simplificar é também inovar e incluir.


[1] Rizzardo, Arnaldo. Contratos. 15ª Edição, Editora Forense, São Paulo, 2015.

[2] Artigo 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.

[3] Artigo 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

[4]  Artigo 421. (…) Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

[5] Artigo 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

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