Opinião

Aplicação do artigo 50 do Código Civil nas execuções fiscais e o papel do STJ

Autor

  • Sérgio Bezerra

    é especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e advogado tributarista no escritório Telino & Barros Advogados Associados.

8 de julho de 2022, 21h28

O Código Tributário Nacional permite o reconhecimento da responsabilidade da exação tributária a terceiros no âmbito administrativo ou judicial. Desde já, toma-se como premissa que a existência de grupo econômico não é capaz, por si só, de fundamentar o pedido de responsabilidade do crédito tributário a outra pessoa jurídica [1].

É comum as Fazendas Públicas fundamentarem os pedidos de extensão da responsabilidade a outra pessoa jurídica com base no artigo 124, inciso I, do CTN (que trata do interesse comum no fato gerador do tributo), combinando a prescrição normativa com o artigo 50 do Código Civil (que trata dos casos de abusos da personalidade jurídica).  

De pronto, é importante consignar que o "interesse comum" se refere ao interesse existente na materialização do fato gerador do tributo [2]. Não se confunde com um interesse meramente econômico.

A única maneira de responsabilizar solidariamente outra empresa com base no artigo 124, inciso I, do CTN é se houver a prática conjunta do fato jurídico tributário. Assim é a jurisprudência dominante no STJ (AREsp: 1035029/SP). Isso ocorre, por exemplo, quando vários irmãos são proprietários de um imóvel (todos são devedores solidários do IPTU); ou quando os sócios de uma empresa decidem encerrar as suas atividades (todos são responsáveis solidariamente pelo pagamento dos tributos em aberto).

Por outro lado, a utilização do artigo 50 do Código Civil sem a instauração do incidente da personalidade jurídica previsto no artigo 134 [3] do CPC é no mínimo questionável. Isto porque o artigo 795, §4º, do CPC/15 exige, expressamente, que "para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código". Logo, mostra-se equivocada a utilização de uma prescrição civilista sem observar o procedimento previsto no Código de Processo Civil.

Firma-se, portanto, que o caso de abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, não é hipótese de incidência da regra-matriz de responsabilidade tributária prevista no artigo 124, inciso I, do CTN, e não pode ser aplicado conjuntamente com o artigo 50 do Código Civil.

Não havendo quaisquer elementos que comprovem a prática em conjunta do fato gerador do crédito tributário pelas pessoas jurídicas indicadas no pedido de redirecionamento, não há que se falar em responsabilidade com fundamento no artigo 124, inciso I, do CTN. A mera existência de grupo econômico não é capaz de preencher o critério material da regra-matriz de responsabilidade tributária.  

A utilização dos elementos previstos no artigo 50 do Código Civil com objetivo de reconhecer a existência de grupo econômico fraudulento deveria exigir a instauração prévia do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no artigo 133 do Código de Processo Civil.

Neste ponto, existe uma divergência entre as turmas do Superior Tribunal de Justiça. A Segunda Turma entende ser incabível o incidente processual nas execuções fiscais (REsp 1.786.311/PR; AgInt no REsp 1.866.901/SC; AgInt no REsp 1.742.004/SP). Em entendimento divergente, a Primeira Turma entende que é cabível o incidente de aferição de responsabilidade quando a responsabilidade está fundamentada no artigo 50 do Código Civil (REsp 1706614/RS; REsp 1.775.269/PR).

O que acontece, na prática, é a aplicação conjunta de duas normas com hipóteses de incidência completamente distintas. Na maioria das vezes, quando o Fisco identifica um suposto abuso da personalidade jurídica, fundamenta o pedido redirecionamento da execução fiscal no artigo 124, inciso I, do CTN e no artigo 50 do Código Civil.

Normalmente os pedidos de reconhecimento de grupo econômico são acatados pelo juízo executivo com a aplicação em conjunto dos aludidos artigos.  Quando a discussão jurídica chega nos tribunais superiores, o estrago financeiro já está feito. Sem a possibilidade de defesa prévia, a pessoa jurídica, agora executada, é citada para pagar a dívida no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de sofrer penhora nos bens e direitos, comprometendo o fluxo de caixa e o planejamento empresarial.  

Demonstra-se indispensável, portanto, que o Superior Tribunal de Justiça, utilizando a sistemática do julgamento de recursos repetitivos, dê força vinculante ao precedente e decida pela aplicabilidade (ou não) do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses em que o Fisco fundamenta o pedido de extensão da responsabilidade do crédito tributário com base no artigo 50 do Código Civil.

 


[1] REsp nº 1.775.269 — PR.

[2] AREsp nº 1.035.029 — SP

[3] Artigo 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

Autores

  • é pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e advogado tributarista no escritório Telino & Barros Advogados Associados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!