Cristianismo no poder

Embalados pela deslegalização do aborto, republicanos se preparam para novas lutas

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7 de julho de 2022, 9h26

Na esteira da revogação do precedente Roe v. Wade, que transferiu para os estados o poder de legislar sobre o aborto, os políticos republicanos dos EUA estão calculando o que mais podem fazer a favor de seus ideais, agora que podem contar com a Suprema Corte mais conservadora-cristã dos últimos 90 anos.

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Uma das prioridades, na lista de intenções conservadoras-republicanas, seria a de tirar da equação o elemento "poder do estado de legislar sobre o aborto". Como? Simplesmente banindo o aborto em todo o país, através de uma lei federal ou de uma decisão da Suprema Corte. Os republicanos já deixaram claro que essa é a próxima luta, no que se refere ao aborto:

"Desde que ganhamos essa segunda chance pela vida, não vamos descansar, nem vamos ceder, até que a santidade da vida seja recolocada no centro da lei americana em todos os estados do país", declarou o ex-vice-presidente Mike Pence, que vem se projetando como um possível candidato à Presidência nas eleições de 2024, em desafio a seu ex-chefe, o ex-presidente Donald Trump.

Mas não fica nisso. O ministro mais conservador da Suprema Corte, Clarence Thomas, escreveu em voto concorrente, no caso Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization que deslegalizou o aborto, que a corte deveria reconsiderar outros três precedentes baseados no direito à privacidade. Um deles é o que protege a contracepção – ou o controle da natalidade.

Em 1965, a corte decidiu, em Griswold v. Connecticut, que a Constituição dos Estados Unidos protege a liberdade dos casais casado de comprar contraceptivos sem restrição do governo. E reverter esse precedente está na lista de prioridades dos conservadores-republicanos do país, que querem restringir o controle da natalidade.

Ataque à comunidade LGBT
Os outros dois precedentes mencionados por Thomas — e que deveriam ser revogados para a felicidade geral na nação cristã-evangélica, — se referem a direitos da comunidade LGBT. A revogação de um deles, particularmente, irá tumultuar o país tanto ou mais que a deslegalização do aborto: é o precedente de 2015, criado em Obergefell v. Hodges, que legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país.

O terceiro precedente, a que Thomas se referiu, foi o criado em Lawrence v. Texas, em 2003. A Suprema Corte decidiu então que a criminalização da sodomia — ou de relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo — é inconstitucional. A corte sustentou sua decisão no direito à privacidade, no direito ao devido processo e nas tradições americanas de não interferência nas decisões sexuais entre adultos, se privadas e consentidas.

A condenação da sodomia não só está na lista de prioridades dos conservadores cristãos, como já está sob ataque em pelo menos dois estados republicanos: os procuradores-gerais do Texas e do Alabama anunciaram que pretendem defender a ressurreição de suas antigas leis antissodomia, mortas pela decisão de 2003, se a corte for rever o precedente. Talvez seja uma questão de tempo, apenas.

O procurador-geral do Texas, Ken Paxton, disse que vai usar os argumentos da própria Suprema Corte para deslegalizar o aborto, ao defender a lei antissodomia do estado. Entre eles, o de que "a Constituição não faz qualquer referência ao aborto e tal direito não é implicitamente protegido por qualquer dispositivo constitucional". Provavelmente, ele vai argumentar que, com a sodomia, é a mesma coisa.

O procurador-geral do Alabama, Steve Marshall, por sua vez, também quer aproveitar o embalo — e um argumento apresentado no voto da maioria no caso do aborto — para banir, em seu estado, tratamentos médicos de transição para jovens transgêneros, que incluem bloqueadores de puberdade e hormônios. O argumento usado pela corte sobre o aborto, que se aplicaria a esse caso, segundo Marshall, é o de que ele "não está profundamente enraizado em nossa história e tradições".

Definição de sodomia
O entendimento sobre o que é sodomia, nos EUA, varia com o tempo e circunstâncias, de acordo com a American Civil Liberties Union (ACLU). Durante os Séculos XVIII e XIX, as leis da sodomia eram usadas como acusação secundária em casos de estupro, abuso infantil  e sexo com animais. A maioria dos casos envolvia sexo heterossexual.

Originalmente, as leis da sodomia faziam parte de uma legislação mais ampla, derivada das leis eclesiásticas, criadas para desestimular a relação sexual que não fosse para fins de procriação e qualquer relação sexual fora do casamento, diz a ACLU.

No final dos anos 60 e começo dos anos 70, o significado jurídico de sodomia passou por transições em vários estados e as leis antissodomia foram usadas para condenar o relacionamento homossexual — e para justificar a discriminação contra gays, como a de negar direito à adoção de crianças, a de demitir ou não contratar homossexuais e a de negar tratamento igual, incluindo a não proteção a gays contra crimes de ódio.

De acordo com a Wikipédia, as leis da sodomia definem certos atos sexuais como crimes — embora as leis raramente definam que tipos de atos sexuais são considerados crimes. De uma maneira geral, a cortes entendem por sodomia qualquer ato sexual considerado "inatural" (ou contrário às leis da natureza) ou "imoral".

Quem ousa dar nome aos bois, classifica sodomia como sexo anal, sexo oral e bestialidade (cujo significado mais comum, por sua vez, é "intercurso sexual entre uma pessoa e um animal"). Na prática, as leis da sodomia raramente foram usadas contra casais heterossexuais e, quase sempre, visaram casais gays.

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