Opinião

Sonho distante? A semana de quatro dias úteis e a realidade na advocacia brasileira

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  • Vivian Coco

    é head de Marketing e Client Relations do Licks Attorneys mestre em Administração com Foco em Estrategia Empresarial pelo Ibmec-RJ auditora certificada em Segurança da Informação pelo British Standards Institute (BSI).

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6 de julho de 2022, 7h06

Foi no dia 23 de setembro do ano de 1956, quando o então vice-presidente norte-americano, Richard Nixon, anunciou o que para muitos seria uma utopia: a semana de trabalho de quatro dias não estaria em um futuro tão distante. Esse foi um dos seus mais fortes discursos buscando a reeleição, no qual completou: "Estes não são sonhos de uma vangloriosa ostentação — são simples projeções dos ganhos que obtivemos nos últimos quatro anos". Não podemos dizer que ele estava errado, mas talvez tenha se perdido no timing.

Recentemente, no ano de 2019, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, o especialista Adam Grant, da Wharton School de Pennsylvania, advogou a favor da semana reduzida de trabalho: "Acho que temos alguns bons experimentos mostrando que, se você reduzir as horas de trabalho, as pessoas conseguem focar sua atenção de forma mais eficaz, acabam produzindo tanto, muitas vezes com maior qualidade e criatividade, e também são mais leais às organizações que estão dispostas a dar-lhes a flexibilidade para cuidarem de suas vidas fora do trabalho".

Nas últimas semanas, 75 anos depois do discurso de Nixon, iniciou-se no Reino Unido um projeto ousado: o maior teste já realizado no mundo sobre os impactos de uma semana de trabalho de quatro dias úteis ao invés de cinco.

O antigo sonho de muitos trabalhadores parece estar tomando forma neste programa, realizado com pesquisadores das universidades de Cambridge, Oxford e do Boston College. O projeto envolve mais de 70 empresas e 3.300 funcionários dos mais diversos setores e indústrias, que receberão a integridade de seus salários, comprometendo somente 80% do tempo habitual. Tudo isso com a promessa de manter 100% de produtividade, ou até mesmo mais. A pesquisa terá duração de seis meses.

De acordo com Juliet Schor, pesquisadora da Boston College e líder do projeto, "vamos analisar como os empregados respondem em termos de estresse e burnout, satisfação com o trabalho e com a vida, saúde, sono, gasto de energia, viagens e muitos outros aspectos".

Dentro dos limites de um setor hipercompetitivo como o jurídico, o maior impedimento para esse modelo de trabalho parece estar nas expectativas dos clientes. Fato é que esse mercado já normalizou a disponibilidade integral, com conectividade 24 horas por dia, sete dias por semana. Afirmar que estará disponível somente quatro dias na semana pode ser suficiente para fazer alguns clientes fugirem para a concorrência.

Porém, uma pesquisa realizada pela Microsoft Japan com mais de 2.300 funcionários em 2019, demonstrou um aumento de até 40% na produtividade com a jornada semanal reduzida. O segundo maior estudo do mundo sobre o assunto, realizado na Islândia entre 2015 e 2019, obteve resultados impactantes para todo o país: atualmente, quase 90% da força de trabalho local adotou a semana de trabalho mais curta.

Outros programas seguem a esteira do britânico e já foram anunciados por empresas na Irlanda e Austrália, com testes a serem iniciados em agosto. Outro grupo de empresas norte-americanas e canadenses começarão a adotar a medida a partir de outubro. Todos esses países têm algo em comum: estão na vanguarda do que tange temas como a oficialização do trabalho híbrido ou remoto.

Porém, nenhuma das pesquisas até aqui teve foco no mercado jurídico. Mesmo assim, alguns exemplos parecem promissores. No ano passado, o advogado Chris Lee, do escritório Osborne Clarke de Londres, mencionou: "Eu estava trabalhando um pouco mais horas por dia, mas descobri que estava recebendo um trabalho mais cobrável. Com a maioria dos trabalhos remunerados, 10 horas de trabalho não são 10 horas cobradas, mas incluem treinamento, desenvolvimento de negócios, orientação e, portanto, tive que ser mais eficiente e implacável com a delegação dos trabalhos".

Aqui no Brasil, a advogada Camila Ouro Guimarães, sócia do escritório Ouro Guimarães e coordenadora de pesquisa da Comissão Especial de Anticorrupção, Compliance e Controle Social dos Gastos Públicos da OAB/RJ, comenta: "Optamos por um modelo que chamamos de autonomia com responsabilidade. Na sexta-feira os advogados entregam aos seus gestores de banca a agenda da semana seguinte. E, podem inserir atividades pessoais com part-time trabalho, ou um dia inteiro disponível para alguma atividade. Enfim, damos autonomia para cada um fazer seu schedule". E complementa: "Hoje posso dizer que funciona muito bem. Talvez até melhor que estabelecer um dia a menos de trabalho e que engessa as possibilidades do advogado de melhor aproveitamento daquele dia".

A questão envolve não somente a qualidade de vida dos funcionários, mas também a diminuição da pegada ambiental em meio à crise mundial do clima. Esse, inclusive, é um dos objetivos que tentarão ser alcançados e medidos no programa que se iniciou esse mês no Reino Unido: a redução da pegada de carbono em até 21% ao ano.

Voltando ao Fórum Econômico Mundial em Davos, em 2019, o economista e historiador Rutger Bregman complementou: "Nas décadas de 1920 e 1930, havia grandes empresários que descobriram que se você diminuir a semana de trabalho, os funcionários se tornam mais produtivos. Henry Ford, por exemplo, descobriu que se ele mudasse a semana de trabalho de 60 para 40 horas, seus funcionários se tornariam mais produtivos, porque não estariam tão cansados em seu tempo livre".

Esse novo modelo de negócio (de acordo com Nixon, nem tão novo assim) pode ter impactos muito positivos também em aspectos relacionados à diversidade e inclusão. Mães de crianças pequenas podem entender esse como um ótimo benefício, muitas vezes compensatório em relação a questões salariais. Da mesma forma, jovens profissionais que fazem questão de tempo livre para se dedicarem a outros assuntos, enxergam aqui um diferencial competitivo dentro do processo de seleção dos escritórios.

Apesar dos aparentes benefícios, certas preocupações parecem impedir a implementação desse modelo de trabalho. Alguns profissionais podem evitar a jornada reduzida por temerem parecer menos comprometidos do que o esperado por seus sócios gestores. Além disso, certamente haverá o medo de perder a oportunidade de atuar nos melhores (e mais rentáveis) casos do escritório.

Com tantas opiniões, será que daqui a alguns anos olharemos para nossos antigos hábitos de trabalho e estilos de vida e nos perguntaremos por que trabalhávamos dessa forma?

Não dá brincar de faz-de-conta: sabemos que essas alterações não funcionarão em todas as configurações. E para que funcionem, é preciso investimento. E isso exige, além de compromisso, tempo.

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  • é head de Marketing e Client Relations do Licks Attorneys, mestre em Administração com Foco em Estrategia Empresarial pelo Ibmec-RJ, auditora certificada em Segurança da Informação pelo British Standards Institute (BSI).

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