Opinião

O dever de revelação dos árbitros, um dilema entre a transparência e a paranoia

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30 de janeiro de 2022, 9h13

A possibilidade de escolha do árbitro é percebida como uma das características mais atrativas da arbitragem. As partes creem na reputação e seriedade do árbitro. Espera-se que os árbitros atuem prezando por ampla imparcialidade, que revolve à transparência de informações a seu respeito, não apenas previamente ao aceite de sua função, mas durante todo o tempo em que desempenharem seu papel de julgador.

A Lei de Arbitragem Brasileira traz claramente o direito da parte em procedimento arbitral a impugnar árbitros que julgue parciais por uma dúvida justificada. Assim, é função do árbitro externar o que possa ser visto como possivelmente duvidoso quanto à sua imparcialidade aos olhos das partes.

Não revelar traz ao árbitro indicado responsabilidades e ônus. Revelar lhe traz transparência, reputação e seriedade. No entanto, relevar em excesso demonstra insegurança e burocratismo. Na busca do ponto de equilíbrio se mostra a virtude da transparência sem paranoia.

Para o sistema funcionar, também se espera a cooperação das partes e seus representantes na pesquisa de informações sobre os árbitros. Para tanto, as informações devem ser acessíveis  por isso, sensata a expectativa de que o árbitro faça a divulgação constante e exaustiva de informações sobre sua vida profissional, de fácil acesso e publicamente disponíveis.

A utilização de redes sociais, tanto pessoais como profissionais, pode ampliar a visibilidade dos relacionamentos dos árbitros, em fomento a maior transparência, assim como a disponibilização dos currículos mais completos desses profissionais nos sites dos centros de arbitragem.

Da mesma forma, manter constantemente atualizada a página do escritório do árbitro na rede, inclusive com a designação de todos os integrantes da sociedade e seus currículos, também se mostra útil a que as partes tomem conhecimento de quem o auxilia.

É ascendente a importância de que o dever de revelação permeie as funções dos secretários de árbitros (ou auxiliares dos árbitros de qualquer natureza!), tendo em vista que não mais possuem um papel meramente administrativo, mas têm absorvido outras tarefas, com intuito de auxiliar os árbitros de forma mais efetiva [1]A CCI desenvolveu notas impondo aos secretários administrativos as mesmas exigências de independência e imparcialidade aplicáveis aos árbitros, e exigindo, por exemplo, o envio de seu currículo às partes [2].

Como não há entendimento uniforme e pacificado quanto ao que deve ou não ser revelado, o tema é um campo fértil para dissensos  e está constantemente envolvido em polêmicas.

O principal parâmetro referencial ao dever de revelação são as diretrizes da International Bar Association (IBA) relativas a conflitos de interesses. A "lista vermelha" contida nessas regras de soft law se refere a situações que devem forçosamente ser reveladas pelo árbitro, sob risco de pleito de nulidade da sentença arbitral.

Essas diretrizes, porém, não são pensadas a partir da realidade do Brasil, o que exige alguma "customização" em sua aplicação. Nem sempre esse instrumento fornecerá o parâmetro mais adequado ao exame das relações entre árbitros e advogados, à luz da cultura particular do Brasil [3].

Atualmente, o dever de revelação ganha destaque por alguns poucos (mas relevantes) questionamentos de sentenças arbitrais no Poder Judiciário; em grande medida, os fundamentos dos pedidos de anulações têm girado em torno de alegadas falhas no dever de revelar.

Apesar da repercussão gerada por tais casos, com a anulação ou suspensão da sentença arbitral pelo Judiciário, certamente não é caso de nos alarmarmos. As ações anulatórias são parte do sistema da arbitragem e representam importante mecanismo de controle e aprimoramento desse sistema.

Nem acredito  e essa é uma posição pessoal  que deva ser considerada falta de boa-fé a não revelação; objetivamente, o Judiciário irá manter uma decisão arbitral se acreditar que o fato foi revelado, ou poderia ser averiguado pelas partes, ou era irrelevante; de outro lado, a sentença arbitral será anulada se houve falha no dever de revelar aliada a uma dificuldade concreta das partes em acessarem a informação.

As ações anulatórias constituem um direito das partes, uma função de controle do Judiciário como prevê a lei. E os precedentes hão de ser vistos como um aprendizado a todos os participantes em arbitragens  uma lapidação dos contornos do dever de revelação do árbitro.

As polêmicas em torno do dever de revelação demorarão a arrefecer. Porém, ainda que a linha que separa a transparência da paranoia possa ser tênue, vale sempre a utilização do bom senso; havendo dúvida, que se revele.


[1] MONTEIRO DE BARROS, Vera Cecília. A importância do secretário na arbitragem. In: CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira; MARTINS, Pedro Batista. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petrônio R. Muniz. 1a Ed. São Paulo: Atlas, p. 363-384, 2017.

[2] Notas às Partes e aos Tribunais Arbitrais sobre a Condução da Arbitragem conforme o Regulamento de Arbitragem da CCI (2021), item XX.

[3] Nesse sentido, vide: CARMONA, Carlos Alberto. Em torno do árbitro. RArb. nº 28. Jan-mar/2011, p. 58.

Autores

  • é advogado, ex-juiz federal, professor de Direito de Propriedade da Escola de Direito da FGV-SP, mestre e doutor em Direito pela USP, e visiting scholar pela Columbia Law School. Advogados do Sindicato da Indústria do Tabaco do Estado da Bahia, admitida como “amicus curiae” na ADI 4.874.

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