Liberdade provisória

Entidade sugere a adoção de alternativas à fiança e à prisão provisória nos EUA

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29 de janeiro de 2022, 7h29

A Comissão de Direitos Humanos dos EUA expõe, em um relatório de 281 páginas, as práticas injustas — e graves —  do sistema de fiança no país. E pede uma reforma urgente, com a adoção de sistemas alternativos à fiança e à prisão provisória, para garantir o comparecimento dos réus a audiências. Há outras opções, que podem reduzir o número de julgamentos, que esgotam os recursos da Promotoria e do Judiciário, e minimizar os custos para os réus, diz a entidade.

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Uma das razões do fracasso do sistema é a de que ele separa quem tem dinheiro de quem não tem, para pagar a fiança. Réus que cometem crimes graves conquistam o direito de responder o processo em liberdade porque têm dinheiro. Réus que cometem pequenos delitos vão para a cadeia porque são pobres. Mais de 60% dos réus são obrigados a passar dias, semanas ou meses em cadeias públicas, com todas as consequências, por não poder bancar a fiança.

Em média, o custo da fiança em casos de crime está em torno de US$ 10 mil, nacionalmente. Muitos réus não podem pagar sequer US$ 100. Por isso, a cada dia, as cadeias públicas do país abrigam cerca de 631 mil presos, em média – 74% dos quais estão em regime de prisão provisória, à espera do dia do julgamento. No caso de réus que cometeram crimes mais graves, apenas 1 em 10 conseguem pagar a fiança, por seu alto valor, segundo dados do Bureau of Justice Statistics.

O sistema afeta mais réus negros e latinos, diz o relatório. Valores mais altos de fiança costumam ser impostos a réus negros, porque, geralmente, são percebidos como mais perigosos. Em um estudo de 2018, por exemplo, os pesquisadores relataram que os valores das fianças impostas a réus negros são significativamente mais altas do que as impostas a réus brancos. E, a alguns deles, o direito à fiança é simplesmente negado, segundo o relatório da Comissão de Direitos Humanos.

Presunção de inocência
Um dos fundamentos mais preciosos do sistema de justiça criminal do país, segundo a presidente da comissão, Norma Cantú, a presunção de inocência é a primeira vítima desse sistema quebrado de fiança e prisão provisória. A Quarta Emenda da Constituição dos EUA e decisão da Suprema Corte deixam claro que a “liberdade provisória” é a norma e que a prisão provisória é uma “exceção cuidadosamente limitada”. Na prática, acontece o contrário para réus de baixa renda.

Acesso a advogados
O encarceramento durante o período de espera do julgamento reduz significativamente o acesso do réu a um advogado e a capacidade de participar proativamente da preparação de sua defesa, como, por exemplo, ajudando a buscar provas, testemunhas e esclarecimento dos fatos.

Além disso, réus em prisão provisória perdem oportunidades de demonstrar que estão agindo responsavelmente, como trabalhando para sustentar a família, servindo a comunidade, fazendo tratamentos e/ou cursos para se posicionarem melhor na sociedade, pagando, de alguma forma, restituição a vítimas – todos fatores que aumentam as chances de absolvição ou trancamento de processo ou, pelo menos, uma suspensão condicional da pena ou pena alternativa, diz o relatório.

Condenação e sentenças
As taxas de condenação de réus em prisão provisória são significativamente mais altas do que as dos réus que respondem o processo em liberdade. E as sentenças de penas de prisão são mais duras, frequentes e longas. Os réus em “liberdade provisória” são mais beneficiados com suspensão condicional da pena e sentenças de prestação de serviços comunitários.

Um estudo de mais de 150 mil casos em Kentucky revelou que réus de baixo risco, que ficaram detidos antes do julgamento, foram 5,41 vezes mais mandados para uma cadeia e 3,76 vezes mais mandados para uma prisão do que os réus, também de baixo risco, que responderam o processo em liberdade. As proporções são semelhantes para réus de risco moderado ou alto risco.

Outro estudo, realizado no Condado de Harris, no Texas, mostrou que a probabilidade de condenação de réus acusados de contravenções penais, detidos em prisão provisória, é 25% maior e a probabilidade de lhes aplicarem sentenças de prisão é 43% maior do que a de réus que respondem o processo em liberdade. E as sentenças de prisão são duas vezes mais longas, diz o relatório.

Empresas de fiança
Estatísticas indicam que milhões de americanos são presos a cada ano — a maioria (83%) por delitos de pequena monta; apenas 5% das prisões são de réus acusados de crimes violentos; e 2% por outros tipos de crime. Boa parte deles tem esse problema em comum: falta de dinheiro para pagar a fiança.

Por isso, muitos réus — ou suas famílias — recorrem a empresas de financiamento de fianças. É um negócio lucrativo para essas empresas, porque, se os réus comparecerem às audiências, elas recebem o dinheiro de volta, mais uma taxa não reembolsável, que varia de 10% a 20%, dos réus ou de suas famílias. Se um réu fugir e não comparecer a audiências, a empresa pode, legalmente, colocar caçadores de recompensa atrás dele.

Consequências colaterais
A prisão provisória acarreta outras "consequências colaterais" para os réus, segundo o relatório, tais como perda de em emprego, perda de casa financiada, dificuldades financeiras para a família e outras dificuldades. São problemas difíceis de solucionar para o réu que esteve preso, de forma que ele pode recorrer à criminalidade como forma de escape.

Alternativas à prisão provisória
Grupos progressistas, liberais e conservadores que propõem a reforma do sistema de prisão provisória rejeitam o argumento de que ela é necessária para preservar a segurança pública. Segundo o relatório, eles argumentam que "não há pesquisa empírica que mostre que a prisão provisória aumenta a segurança pública".

Acrescentam que a "liberdade provisória" não precisa depender do pagamento de fiança. Em vez disso, é preciso adotar medidas alternativas à prisão provisória, combinadas com uma variedade de condições não financeiras para a liberdade provisória, tais como supervisão comunitária, busca de serviços de tratamento [físico e/ou mental], participação em aulas de formação profissional ou em programas específicos para se conseguir empregos.

Alguns grupos recomendam, particularmente, a participação do réu em programas de suspensão condicional do processo (pretrial diversion programs) ou outros serviços específicos para garantir aos réus a liberdade provisória. O Departamento de Justiça dos EUA esboçou os objetivos de programas de suspensão condicional do processo:

  • Prevenir futura atividade criminosa;
  • Economizar recursos da Promotoria e do Judiciário;
  • Providenciar um mecanismo de restituição a vítimas e/ou à comunidade;
  • Garantir um período de supervisão do réu que não exceda 18 meses.

Para os participantes que completarem o programa, nenhuma acusação contra eles será feita. Se já foram acusados, as acusações serão retiradas. No caso de participantes que não completarem o programa, a Promotoria irá dar continuidade ao processo.

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