Opinião

A formalização do convite de adesão à OCDE e o crime de evasão de divisas

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28 de janeiro de 2022, 6h33

No último dia 25 de janeiro, o governo brasileiro recebeu a carta-convite do conselho da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que formaliza o início do processo de adesão do país ao grupo. Essa abertura para tratativas entre o Brasil e a OCDE decorreu do pedido realizado em 2017, durante o governo Temer.

Esse pleito formal entregue ao Conselho foi um indicativo que o Brasil acredita que já consubstanciou relevantes reformas no âmbito político e legislativo, bem como está apto a promover novos aperfeiçoamentos, visando obter maior contato e convergência com as práticas internacionais dos países membros.

 A OCDE, hoje considerada uma das mais relevantes instituições internacionais entre as que foram estabelecidas após a 2ª Guerra Mundial, foi fundada em 1961 pelos Estados Unidos, Canadá e mais dezoito países da Europa. Ela possui entre seus objetivos, os de aumentar a cooperação, o diálogo e o intercâmbio de informações, identificar boas práticas e experiências relevantes, produzir e disseminar conhecimento e, sobretudo, ter alinhadas as políticas públicas dos países membros [1].

A relevância da OCDE está relacionada ao seu trabalho de estabelecer padrões internacionais para políticas públicas em diversas áreas. Entre esses segmentos de interesse do grupo estão o desenvolvimento e bem-estar social, combate à evasão fiscal, medidas anticorrupção, preservação ambiental, educação, economia digital, desenvolvimento, bem como questões relacionadas a investimentos estrangeiros e movimentos de capitais [2].

É de grande relevância para um país acender a esse seleto grupo, pois, assim sendo, estará inserido no centro de grandes debates internacionais, poderá influenciar e delimitar os termos de negociações e decisões de organizações internacionais como o FMI, OMC, Banco Mundial, G-20, passará a ter voz e direito de voto [3].

Segundo a própria OCDE, "tornar-se membro da OCDE não é uma simples formalidade, mas resultado de um processo de revisão cada vez mais rigoroso" [4]. Avaliações dos países membros e dos países aspirantes sobre o grau de comprometimento aos princípios e diretrizes da OCDE são partes essenciais do processo de acessão.

A OCDE somente iniciará um processo formal de acessão caso os comitês informem ao Conselho que o requerente cumpre os padrões necessários nas suas políticas públicas [5]. A partir da notícia de recebimento da carta-convite pelo Brasil, ficou sinalizado que o Brasil estaria engajado em se adaptar as práticas do grupo.

Mas o que a tipificação da evasão de divisas tem a ver com o recebimento da carta-convite pela OCDE e as tratativas que seguirão para a integração do Brasil ao grupo?

Como dito, os Estados integrantes do grupo devem exercer práticas padronizadas e que importem em colaboração recíproca. Também foi mencionado que a Organização preza pelo movimento de capitais e sua livre circulação. Significa que para ser membro o país não pode ter em vigor normas que impactem em operações financeiras de natureza internacional.

E é justamente isso que o tipo penal de evasão de divisas faz. Pune com pena corporal de dois a cinco anos, e multa, quem promove operações de câmbio em desacordo com uma série de normas administrativas atualmente vigentes.

Essa incriminação evidentemente intimida quem queira operar no mercado de câmbio e transacionar com o resto do mundo. Basta uma simples omissão em declarar determinado valor mantido no exterior para o correntista incorrer em crime.

Não há dúvida que a manutenção de uma norma penal, escrita nos anos oitenta, com a finalidade de preservar o banco de reservas internacionais perdidas em razão de uma dívida externa decorrente de aumento exponencial do preço do petróleo, vai de encontro com as boas práticas da OCDE. A manutenção deste tipo penal no ordenamento jurídico pode prejudicar as tratativas brasileiras.

Pensando nisso, o Ministério da Economia encaminhou ao Senado, no final de 2019, o PL 5387/2019, propondo alteração legislativa em que define um marco legal simplificado para o mercado de câmbio. A proposta revoga uma série de leis e atos infralegais e apresenta um compilado com dispositivos que interessam. Ao todo são 30 artigos. A proposta revoga o tipo penal de evasão de divisas.

No fim do mês de dezembro de 2021, após já ter sido aprovado pela Câmara, foi aprovado pelo Senado, transformado na Lei Ordinária 14.286/2021 e agora segue para a sanção. Caso sancionado, além de fixar um novo e aprimorado marco referente ao mercado de câmbio, vai auxiliar as tratativas do Brasil com a OCDE e ainda retirar do ordenamento jurídico a polêmica norma com 36 anos de vigência.

 


[1] GOMES, Marcelo Barros et al. Brasil na OCDE. Boletim de Economia e Política Internacional, BEPI, nº 28, 2020, p. 16/17.

[2] THORSTENSEN, Vera Helena; GULLO, Marcelly Fuzaro. O Brasil na OCDE: membro pleno ou mero espectador?. São Paulo: FGV, 2018, p. 04.

[3] THORSTENSEN, Vera Helena; GULLO, Marcelly Fuzaro. O Brasil na OCDE: membro pleno ou mero espectador?. São Paulo: FGV, 2018, p. 17.

[4] No original: "Becoming a Member of the OECD is not a simple formality but is the result of an increasingly rigorous review process". OECD. Accession Candidates. Disponível em: [http://www.oecd.org/about/members-and-partners/]. Acesso em: 29/10/2021. 

[5] SCHNEIDER, Maurício. Acessão do Brasil a OCDE Aspectos e temas ambientais. Estudo técnico. Março de 2020. Disponível em: [https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/estudos-analisam-desafios-para-a-entrada-do-brasil-na-ocde/]. Acesso em: 29/10/2021.

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